Homilia do bispo do Porto de Sexta-feira Santa

Foto: Diocese do Porto/Miguel Mesquita

Peregrinos da Cruz

A liturgia da Palavra de Deus desta sexta-feira santa começa por nos apresentar um “homem de dores” que “era como aquele de quem se desvia o rosto”, como esse que sofre tanto que fica verdadeiramente “desfigurado”, pois “tinha perdido toda a aparência de um ser humano”. Sabemos bem que esse homem das dores tem um nome: Jesus de Nazaré, como se narra neste longo Evangelho da Paixão.

O Senhor, porém, não é o único perante quem se vira a cara para o outro lado. Penso, por exemplo, nos deformados pela doença ou pelos vícios. E até nos muitos migrantes que, connosco, coabitam na nossa cidade e região. A estes, devemos-lhes muito, pois executam trabalhos de baixo nível social que outros não querem fazer. Mas, fundamentalmente, ajudam-nos a compreender a dinâmica da peregrinação, lema para este ano jubilar e temática geral que escolhi para esta Páscoa. Eles deixaram, a sua terra, família, língua e costumes sabendo que iam encontrar realidades que lhe eram completamente estranhas e condições de vida que seriam difíceis ou até dolorosas. Fizeram-se ao caminho na procura ardente de melhores condições de vida, quase numa espécie de desafio que se lançaram a si próprios do tudo ou nada. E decidiram-se pelos sacrifícios por uma causa boa, convencidos como estavam que não avançar no caminho já seria retroceder.

Esta peregrinação de Jesus, modelo da romagem de todo o cristão e até da pessoa enquanto tal, tem muitos elementos comuns com a realidade migrante. É uma peregrinação no sentido do Deus vivo, na direção do Alto, à procura do rosto amoroso do Pai. Não pode ser vista apenas como a pouca sorte do prisioneiro a quem soldados mais fortes e bem armados obrigam a percorrer um caminho de dor física e psicológica cada vez mais duro, até desembocar na aniquilação completa. Não. O Senhor efetua esta peregrinação porque sabe caminhar na realização da esperança de uma promessa: a certeza da vitória sobre a morte e a obtenção da plenitude da vida e da glória para Ele mesmo e para quantos a Ele se unem.

Os antigos, particularmente os chamados Padres da Igreja, colocavam muito esta questão: “porque foi derramado este sangue?”. A resposta só pode ser uma: porque é sangue salvador. Do crente e da humanidade. Mas também porque, neste dom que a ninguém deixa indiferente, todos somos chamados a comprometermo-nos com Ele na ação pela justiça e pelo bem, a crescer no respeito pelos outros e ultrapassar formas de preconceitos que reduzem a pó a ânsia de fraternidade. Jesus, o Cristo, morreu pelos valores do Reino de Deus e para a todos conduzir ao seio do Pai. Pôs-se a caminho não tanto para chegar ao Calvário, mas para inaugurar o tempo novo da luz e da vida em plenitude. Para chegar à sua Páscoa e à Pascoa do mundo novo.

Irmãs e irmãos, é este o desafio que também hoje se nos faz: como Cristo, sermos peregrinos de fé, de esperança e de justiça. A fé leva-nos a tê-l’O como o grande e único paradigma da nossa vida; a esperança garante-nos que a Páscoa de vida e ressurreição é possível, que o tempo novo chegará, enfim, que a grande peregrinação da humanidade, na sua ânsia de mais e de melhor, encontra em Jesus o cumprimento feliz de todas as expectativas; a justiça compromete-nos com todos os «homens das dores» e a realizar obras de elevação e de fraternidade para o nosso mundo.

Não hesitemos neste compromisso. Nós damos a boa vontade, mas o Salvador dá o exemplo e a força. Coragem! Ele está connosco!

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Porto_bispo_Sexta-feira Santa_Foto Miguel Mesquita-Diocese do Porto (1)
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