“Viu e acreditou” (Jo 20,8)
- S. João, ao narrar a entrada de Pedro e do “discípulo que Jesus amava” no sepulcro vazio, diz-nos que este discípulo “Viu e acreditou”.
Que viu ele? Viu o sepulcro, sem a pedra que impedia a entrada ou a saída de alguém; viu, no chão, as ligaduras que tinham envolvido o corpo de Jesus; viu o sudário que tinha estado sobre a cabeça do Senhor, enrolado à parte. Viu os sinais da morte de Jesus. Viu com os olhos da carne.
Mas tudo quanto ali estava era sem qualquer conteúdo: as ligaduras sem corpo; o sudário sem cabeça; o túmulo sem sepultado. Os sinais da morte estavam ali, bem presentes. Não tinha sido ilusão. A cruz fora verdadeira cruz. A morte, verdadeira morte. A sepultura, verdadeira sepultura. E o discípulo podia ver esses sinais.
Aqueles sinais falavam, mas não já de si mesmos. Convidavam a uma outra realidade. Indicavam uma vida nova, nascida a partir de Deus, com a força do Espírito. Falavam do começo de um mundo novo, e com um novo Adão: Jesus de Nazaré.
“Viu e acreditou”. Em quem acreditou o discípulo? Acreditou em Jesus ressuscitado. Acreditou na sua ressurreição. Acreditou nesse mundo novo que naquele momento estava a iniciar; acreditou que Jesus tinha vencido a morte; e acreditou que, também ele — pobre e fraco discípulo, e todos os outros discípulos que haviam de acreditar depois dele — acreditou que, também eles, poderiam participar desta vida nova de Cristo ressuscitado. Ele, o discípulo amado, ainda vivia no mundo velho. Via com os olhos da carne a presença de um mundo velho, sem conteúdo, vazio: o mundo do pecado e da morte. Mas via-os derrotados definitivamente.
Contudo, os olhos da fé, que o convívio com Jesus tinha feito nascer no seu coração ao longo daqueles três anos da vida pública do Mestre, os olhos da fé percebiam mais além: viam um novo horizonte de vida, para lá das ligaduras, do sudário, do túmulo.
Esta é a Páscoa dos cristãos. É a passagem que todos os dias somos convidados a fazer — de um modo particular neste dias do Tríduo Pascal. Melhor: Páscoa é o acontecimento vivido por aquele que percebe Jesus ressuscitado a passar por si e pela sua vida, na força do Espírito.
Vivemos, como o discípulo amado, neste mundo cheio de ligaduras, de sudários e de sepulcros — neste mundo de velhas realidades do pecado e da morte, porventura ainda julgando que têm algum conteúdo e mesmo domínio. Vemos, também nós, o mundo velho, quais ligaduras do sepulcro vazio, com as suas lutas pelo poder; com toda a sua tecnologia; com todos os estratagemas para nos vender a felicidade neste tempo. Vemo-lo, procurando convencer-nos que cada um é um pequeno deus, dono da vida e da morte. Vemos estes sinais de morte, vazios, sem conteúdo, abandonados no chão, derrotados por um pequeno vírus. Foi precisamente este mundo velho que, há dias, foi surpreendido por uma paragem repentina. A efervescência económica, feita de viagens, de trocas, de comunicações; o orgulho dominador; a ditadura das velharias (não raras vezes repintadas de novidade), de repente, viu-se obrigada a parar. O contador quase que foi colocado a zero.
Vemos este mundo, mas somos capazes de acreditar? Vivemos ainda neste mundo velho, mas seremos capazes de dar crédito aos olhos da fé que nos dizem que o mundo novo já surgiu no momento da ressurreição de Jesus, e que já podemos fazer parte dele, ainda que de um modo imperfeito e incompleto?
- O mundo que vai surgir quando toda esta paragem terminar não será ainda o mundo novo de Jesus ressuscitado: esse apenas na eternidade nos será dado viver. Mas sobre nós, cristãos, recai a tarefa de tornar este mundo em que ainda vivemos mais semelhante ao mundo novo do Ressuscitado. Sobre nós recai a tarefa de o ajudar a caminhar para o mundo novo.
O mundo que irá surgir desta crise será sempre uma oportunidade oferecida à liberdade humana para se converter e se deixar construir e reconstruir por Deus à semelhança do Verbo que se fez carne e habitou no meio de nós.
Esta será pois uma oportunidade (mais uma) que é dada a todos pela paciência de Deus. Como queremos construir (reconstruir) o mundo que aí vem? Como o iremos moldar? Que disponibilidade temos nós, cristãos, para participar nessa reconstrução e lhe dar uma feição mais humana, onde todos possam ver reconhecida, efectivamente, a sua dignidade?
“Viu e acreditou”. Existirão sinais da presença de Deus neste nosso mundo contemporâneo? Existirão hoje sinais da ressurreição de Jesus? Sim, mas são sinais pequenos, de pouca monta, podem dizer. Ou sinais grandes como aqueles que estamos a presenciar em cada minuto destes dias que vivemos… Que era um lençol e umas ligaduras, ou mesmo um sepulcro? E, no entanto, o discípulo “viu e acreditou”.
Sejamos, também nós, capazes de ver com os olhos da carne e acreditar com os olhos da fé. O nosso coração encher-se-á de alegria, a nossa vida ganhará um novo sentido.
Porque o Senhor ressuscitou. A morte foi vencida. Alegremo-nos e exultemos!
D. Nuno Brás