«Construir uma sociedade mais humana, mais justa e cristã»
A Catedral da nossa Diocese congrega-nos mais uma vez para a Eucaristia, a celebração por excelência do louvor e acção de graças a Deus por todos os Seus dons e benefícios, neste Dia da Região Autónoma da Madeira e das Comunidades Madeirenses.
Este Dia bem pode considerar-se o Dia de todo o Povo Madeirense e Porto-Santense, num grande abraço que une e associa os residentes a todos quantos vivem fora, em tantas comunidades espalhadas pelo mundo.
É um Dia que recorda o nosso Passado e celebra o que hoje somos, com gratidão e respeito por todos aqueles que o construíram. Um Dia que coloca diante de nós o Presente, sem ilusões e sem medos, com as suas dúvidas e as suas esperanças, um presente que nos interpela a uma vontade forte de construir um Futuro cada vez mais digno de homens e mulheres livres, que somos chamados a ser.
Assim, para todos e cada um de nós, celebrar o Dia da Região, é, antes de mais, sentir-se chamado a dar o seu melhor, em todos os campos da vida social, económica, política e cultural, para que a Sociedade de hoje e do amanhã seja a expressão do trabalho, dedicação e generosidade de todos nós.
Solidariedade e amor fraterno
Os textos bíblicos que acabámos de escutar constituem um forte convite e apelo à solidariedade e ao amor fraterno, numa mensagem que bem pode considerar-se a base para a construção de uma sociedade mais humana, mais justa e mais evangélica. É verdade que é uma Palavra, dirigida antes de mais e de modo particular aos crentes, mas não deixa de questionar e interpelar também todos quantos se esforçam por orientar a sua vida por princípios, critérios e valores de verdadeiro Humanismo.
Na primeira leitura (Rom 12,5-16), S. Paulo exorta a comunidade de Roma à vivência do amor e do serviço fraterno, sinal de comunhão e unidade em Cristo. Todos unidos, formam um só "corpo" e, conforme a graça recebida, partilham os dons, complementam-se e enriquecem-se mutuamente.
Na comunidade dos crentes, onde Cristo é o centro unificador, todos os baptizados devem viver como verdadeiros irmãos e ninguém se há-de julgar superior aos outros. São Paulo assim recomenda: "Seja a vossa caridade sem fingimento", "amai-vos uns aos outros com amor fraterno", "praticai generosamente a hospitalidade", "alegrai-vos com os que estão alegres, chorai com os que choram", "vivei em harmonia uns com os outros" e "não aspireis às grandezas, mas conformai-vos com o que é humilde" (Rom 12, 9-16).
A harmonia da comunidade cristã, concretizada, assim, em gestos fraternos de solidariedade, é o melhor anúncio profético do amor de Cristo, que é Fonte de alegria perene e do autêntico dinamismo comunitário. "O Amor", disse Bento XVI, "é a característica suprema de Deus" e a vocação intrínseca do homem.
Maior mandamento social
A chave de leitura do texto do Evangelho de S. João (15, 9-17) é a expressão "permanecer no amor", porque a caridade é, na verdade, a fonte inspiradora da solicitude pastoral, mas é, também, "o maior mandamento social", conforme refere a Doutrina Social da Igreja. De facto, só o Amor de Cristo, na entrega da vida que fez de Si mesmo, pode iluminar, transformar e configurar integralmente o homem e a mulher, e conduzi-los à mais alta dignidade e plenitude humanas. "É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que dar a vida pelos amigos"- disse Jesus (Jo 15,12-13).
Dizer que a caridade é o "maior mandamento social" não significa reduzir o "amor-serviço" fraterno à sua dimensão assistencial, que não poderá deixar de existir, certamente, perante carências específicas, que reclamam ajudas personalizadas e muito concretas. Importa, sem dúvida, estar atento, reconhecer e descobrir as verdadeiras necessidades, abrir o coração e agir, procurando respostas e soluções para os problemas que as pessoas e as famílias, por si sós, não podem resolver.
Neste momento, em que se acentuam as consequências da crise global por todos reconhecida, mais do que elencar as carências e os problemas, já tantas vezes repetidos, importa sobretudo congregar esforços e vontades, na concretização de políticas concertadas de desenvolvimento integral e de participação solidária de todos os cidadãos e instituições. É uma acção a realizar, em diálogo e convergência, entre as instituições públicas e privadas, de acordo com o princípio geral da autonomia e cooperação, que entre elas deve existir.
Nova encíclica de Bento XVI
E, a este propósito, alegra-me poder mencionar a nova encíclica do Papa Bento XVI, intitulada "Caritas in Veritate" (Caridade na Verdade), assinada no passado dia 29 de Junho, Solenidade de São Pedro e São Paulo, e que, em breve, estará publicada. Trata-se de mais um Documento do Magistério da Igreja sobre as questões sociais, procurando "aprofundar alguns aspectos do desenvolvimento integral" na época actual, "à luz da caridade na verdade", como afirmou Bento XVI; constitui, como disse o Papa, um novo contributo, que a Igreja Católica "oferece à Humanidade, no seu empenho por um progresso sustentável, no pleno respeito pela dignidade humana e pelas reais exigências de todos".
Neste documento pastoral, Bento XVI retoma os temas tratados por Paulo VI, em 1967, na encíclica "Populorum Progressio" (O desenvolvimento dos povos), considerado de referência para a Doutrina Social da Igreja. Aponta, segundo consta, para a necessidade de potenciar um Humanismo que concilie o desenvolvimento social e económico com o máximo respeito pelo ser humano, que diminua as diferenças entre ricos e pobres, neste mundo globalizado.
No pensamento da Igreja, a verdadeira consciência da fé e o mandamento novo do Amor-Caridade-Serviço são imperativos cristãos para uma aposta no desenvolvimento integral e harmonioso, no investimento e criação de riqueza, com a dimensão social que a deve caracterizar, ao serviço do bem comum.
Como seria bom "darmo-nos as mãos", solidariamente, em torno da causa mais nobre que é a vivência do sentido da igualdade e fraternidade humanas. "Todo o Homem é meu irmão!" – proclamava o Papa Paulo VI, propondo o ideal da Fraternidade como caminho para o desenvolvimento e a Paz verdadeira.
Uma questão de cidadania
É uma questão de cidadania, que a todos obriga e é bom recordar, neste Dia da Região Autónoma e das Comunidades Madeirenses. Quanto aos cristãos, em particular, direi que estão obrigados, em consciência e por exigência da própria fé, a assumirem-se e comportarem-se como "bons cidadãos", cidadãos de um mundo novo, que não podem ignorar os seus direitos e deveres sociais, como também não podem desvincular-se das suas inerentes responsabilidades, antes participando, com generoso empenho, no desenvolvimento de uma Sociedade nova ao serviço do Homem integral.
Aos cristãos leigos, porque inseridos mais profundamente no tecido social, na família, na economia, na política, nas diversas responsabilidades do mundo laboral, cabe intervir, de forma muito própria, na construção da nova Civilização do Amor, através do testemunho claro da fé em Cristo e do Seu Evangelho. Eles devem participar, com empenho e diálogo construtivo, no desenvolvimento científico, tecnológico, cultural e fraterno da comunidade humana, sem esquecer que a edificação duma verdadeira sociedade assenta, obviamente, na Caridade, na Verdade e na Justiça.
Uma sociedade sem valores e sem referências à transcendência pode conduzir o homem e a mulher para o abismo de uma crise e angústia existencial, sem retorno.
O testemunho do Beato Carlos de Áustria
Neste dia de celebrações comemorativas regionais, apraz-me recordar o eloquente testemunho do ilustre Imperador, Beato Carlos de Áustria, exilado na Madeira, onde veio a falecer, aos 34 anos de idade. Com o seu porte distinto e afável, rapidamente conquistou a simpatia do nosso povo. No exercício das suas funções políticas, notabilizou-se pelo empenho na promoção da paz, no amor e respeito pelos povos que lhe foram confiados.
A sua breve vida foi um belo e nobre exemplo de coragem e dignidade, no serviço de autoridade política, na vida familiar e testemunho cristão. Face aos inúmeros sofrimentos, que lhe foram infligidos, perdoou incondicionalmente aos inimigos. Na Adoração diária da Eucaristia, encontrava força para aceitar humildemente tantas adversidades, humilhações e pobreza.
O meu antecessor, o então Bispo do Funchal, D. António Manuel Pereira Ribeiro, dizia a propósito do testemunho exemplar do Beato Carlos: "a presença do Senhor Imperador na Madeira corresponde à graça de uma pregação". Na última noite da sua vida, na Quinta do Monte, em 1922, confidenciou à esposa, a imperatriz Zita: " Amo-te sem limites. Todo o meu empenho sempre foi reconhecer claramente, em tudo, a vontade de Deus e segui-la da maneira mais perfeita".
Aos nossos emigrantes
Seja-me permitida, neste momento, uma palavra de saudação e de estímulo para todos aqueles que, da Venezuela ao Canadá, do Brasil à África do Sul, da Austrália aos Estados Unidos da América e em tantos outros lugares, vivem, lutam e trabalham, dando também um precioso testemunho da sua fé cristã e assumindo, sem vergonha nem desfalecimento, as tradições religiosas que receberam desde o berço e que agora, por sua vez, se esforçam por transmitir a seus filhos e netos.
É impressionante verificar, que o factor religioso continua a ser o elo mais forte de união às Ilhas que os viram nascer e crescer. Para os nossos emigrantes, de permeio com os sonhos concretizados e o desejo de regressar, "a saudade é a esperança do futuro", como diria Teixeira de Pascoais.
Prece final
À nossa Padroeira, Senhora do Monte, que tem vindo a acompanhar os destinos desta terra e dos nossos emigrantes, particularmente nos momentos de crise e adversidade, com a ternura e a solicitude de Mãe, pedimos que nos ensine o segredo de viver e testemunhar o mandamento do Amor, da Paz e da Fraternidade universal, neste mundo sedento de Verdade e de Essencial.
Funchal, 1 de Julho de 2009,
† António Carrilho, Bispo do Funchal