
“Vigiamos porque esperamos”
1. Esta nossa celebração é, antes de mais, uma vigília. Estamos acordados, vigilantes, como quem espera. Vigiamos porque esperamos: esperamos o Senhor, e esperamos no Senhor. A ressurreição oferece-nos todos os motivos para esperar.
Se lermos com atenção os relatos dos evangelhos, também os discípulos estavam vigilantes quando lhes apareceu a notícia da ressurreição, ao contrário do que sucedera no Jardim das Oliveiras, quando um sono se apoderou deles, e não foram capazes de vigiar com o Senhor (Mc 14,37-41).
Podemos percebê-lo no relato dos discípulos de Emaús. Depois de terem sido acompanhados pelo viajante ao longo do caminho, os dois discípulos disseram-lhe: “Fica connosco porque se está a fazer noite”. Contudo, depois que o Ressuscitado partiu o Pão, e eles O reconheceram, não hesitaram: deitaram pés ao caminho, sem olhar a perigos e à noite. Chegados a Jerusalém, encontraram reunidos os Onze, também vigilantes, que lhes disseram: “Verdadeiramente o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão” (Lc 24,33-35).
2. Vigiar é a atitude da sentinela: no meio da noite, procura prevenir os ataques inimigos, ao mesmo tempo que aguarda a luz da aurora, quando o novo dia a tudo oferece visão e segurança.
Mas vigiar é, igualmente, a atitude daquele que quer estar disponível em qualquer momento para o que vai suceder: permanecer acordado é condição para o dia que aí vem. É o nosso estado quando sabemos que uma boa notícia vai chegar, e nem conseguimos fechar os olhos.
Também nós — e os milhões de cristãos que, pelo mundo inteiro, celebram esta vigília — queremos estar vigilantes. E queremos que esta seja a nossa atitude ao longo da vida.
Queremos estar vigilantes sobre o mal e o pecado que nos cercam. Mas queremos, sobretudo, permanecer vigilantes porque a notícia da ressurreição nos impede o sono: a sua luz vence a escuridão; a energia que dela surge impede a tranquilidade do descanso.
Não nos queremos deixar adormecer, correndo o risco de o Senhor vir ao nosso encontro e passar por nós sem O encontrarmos. Não nos queremos deixar adormecer, correndo o risco de o mundo passar por nós e perdermos a ocasião para lhe anunciar a notícia da ressurreição: de Jesus ressuscitado recebemos a missão de cuidar deste mundo que nos rodeia, para o conduzir ao Pai.
3. É a vigília da Páscoa. Uma antiga tradição, de que S. Jerónimo nos dá conta, esperava para uma noite de Páscoa a última vinda do Senhor. Dizia S. Jerónimo: “Do mesmo modo que, no Egipto, o anjo exterminador passou à hora em que foi celebrada a Páscoa, e o Senhor passou por cima das casas cujos lintéis tinham sido consagrados pelo sangue do Cordeiro, assim uma tradição judaica diz que o Messias virá a meio da noite. Estou persuadido que esta é a origem da tradição apostólica que se manteve: na Vigília Pascal, não é permitido despedir o povo que espera a vinda de Cristo, antes do meio da noite. Uma vez passado este momento, tendo sido adquirida a certeza, todos celebram a festividade” (In Matth., IV,25,6).
Hoje, não é ainda o dia da última vinda do Senhor. Mas o anúncio de que Jesus venceu a morte — e que, há momentos, ressoou aos nossos ouvidos — dá ao nosso tempo um carácter diferente: outrora, a humanidade apenas podia desejar, sonhar, com a vida para sempre; depois, a partir do que sucedeu no Mar Vermelho, Moisés e os Profetas podiam entrever uma vitória de Deus e do seu povo. Mas hoje, ao nosso coração, ressoou uma feliz notícia: Jesus ressuscitou vitorioso do túmulo! E este acontecimento do passado oferece ao nosso viver uma garantia de Vida Eterna. Podemos viver a esperança, podemos viver na esperança, podemos ser “peregrinos de esperança”.
Numa noite de Páscoa, o Senhor virá: não vem porque é Páscoa, mas será Páscoa quando Ele vier. Virá e, com a sua luz, iluminará definitivamente a vida de todos e do mundo inteiro, e não mais se fará noite. Com a sua Palavra, dará o sentido verdadeiro e definitivo a tudo o que existe e a todos os acontecimentos da história. Seremos, então, julgados pelo amor. Não tenhamos dúvidas: essa primeira palavra da criação será também a última a ser pronunciada.
Agora, Ele celebra connosco a alegria da ressurreição, o seu triunfo primeiro sobre o pecado e a morte. Na alegria de O percebermos ao nosso lado, vivo e ressuscitado, celebremos com Ele os seus sacramentos: eles unem-nos ao momento da sua vitória, e antecipam aquele dia pelo qual esperamos — o dia em que a ressurreição de Cristo colocará um ponto final à transformação do mundo inteiro, de todo o universo.
Até lá, permaneçamos na alegria de quem vigia, para que esse dia não nos apanhe distraídos ou sonolentos; permaneçamos na alegria de quem, vigilante, transforma com a luz da Páscoa tudo o que se encontra a sua volta, o mundo inteiro. Assim, poderemos confiadamente acolher o Senhor quando Ele vier, e escutar dele o convite a participar nas Bodas do Cordeiro.
Sé, 19 de abril de 2025
D. Nuno Brás, bispo do Funchal