Homilia do Bispo do Funchal na Solenidade de Nossa Senhora de Guadalupe

Maria, modelo de fé, esperança do Povo de Deus!

 

Celebramos com grande alegria, desde o séc. XVI, a tradicional solenidade de Nossa Senhora de Guadalupe, na Vigília da Assunção. De proveniência devocional espanhola, esta paróquia do Porto da Cruz é a única da Diocese do Funchal que a tem como padroeira.

A história e devoção a Nossa Senhora de Guadalupe remontam ao séc. XII, em Cáceres, Espanha. De facto, a bela imagem da “Virgem Morena” com o Menino Jesus ao colo, despertou e animou, ao longo dos séculos, o amor filial do povo cristão à Mãe de Deus. Por ter acompanhado e conduzido os missionários e descobridores espanhóis nas suas aventuras marítimas, é honrada como Mãe, Rainha e Padroeira da Espanha e das Américas.

O seu famoso santuário mariano, verdadeira jóia de arte, integrado no Real Mosteiro Franciscano de Santa Maria de Guadalupe, é considerado património mundial da humanidade. Por feliz coincidência, neste ano de 2010, ainda estão a decorrer as celebrações do Ano Santo de Nossa Senhora de Guadalupe, tempo especial de bênçãos e graças espirituais, a finalizar no próximo dia 8 de Setembro.

As diversas invocações à Virgem Maria, Mãe de Jesus, são memorial vivo da fé e da cultura do povo cristão, consciente da proximidade, amor e protecção materna de Maria, junto de cada homem e de cada mulher, na sua peregrinação neste mundo.

 

Maria, Arca da Nova Aliança

A Liturgia da Palavra evoca o eterno amor de Deus pela família humana, que responde totalmente aos seus anseios mais profundos de felicidade, com a glória eterna, que lhe advém de Cristo morto e ressuscitado. Em Maria, já se realizou a plenitude desta salvação que vem de Deus.

Na primeira leitura, extraída do livro das Crónicas (1Cr 15,3-4.15-16;16,1-2), a Arca da Aliança, símbolo da presença e da comunhão de Deus com o Seu Povo, é introduzida solene e alegremente, com “instrumentos de música – cítaras, harpas e címbalos…” (1Cr 15,16), na tenda que David mandara construir.

Na plenitude dos tempos, a Arca da nova Aliança simboliza Maria, que foi introduzida triunfalmente na Jerusalém celeste e vive para sempre na glória da Santíssima Trindade. De facto, a Virgem Imaculada não podia de modo algum ficar sujeita à corrupção do túmulo. Associada intimamente aos mistérios da vida e da morte de Cristo, Maria subiu ao céu em corpo e alma, revestida da Beleza e Formosura da Luz do Ressuscitado.

Na segunda leitura, também há pouco proclamada (1Cor 15,54-57), S. Paulo exulta de alegria e canta um singular hino de louvor e acção de graças pelo triunfo definitivo de Cristo sobre a morte com a sua Ressurreição gloriosa. “Ó morte, onde está o teu aguilhão? (…) Demos graças a Deus, que nos dá esta vitória por Nosso Senhor Jesus Cristo” (1Cor 15, 56). A Santíssima Virgem foi a primeira criatura a participar desta admirável vitória, que é também a esperança de todos os baptizados. É o mistério da gloriosa Assunção de Nossa Senhora, que a Igreja celebra, solenemente, na Liturgia do dia 15 de Agosto.

 

Acolher e viver a Palavra de Deus

No texto evangélico de S. Lucas (11,27-28), Jesus sublinha a grandeza e a felicidade de Maria, que lhe advém da íntima escuta e vivência da Palavra de Deus, e não simplesmente por ser Sua Mãe, na ordem da natureza. À mulher, que no meio da multidão, enaltecia a felicidade da Mãe daquele Filho, o próprio Jesus disse: “Mais felizes são os que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática”(Lc 11,28).  Na vida de Maria, tecida com humildade, amor, sofrimento e doação contínuas, podemos ler e contemplar a bondade infinita de Deus, porque foi sempre iluminada pela Sua Palavra.

As famílias dos nossos dias podem encontrar nesta Mãe querida a sua melhor consolação e esperança, sobretudo, nos momentos mais difíceis da vida. Tende confiança! Maria está sempre ao vosso lado, na vossa casa, no descanso, no emprego, junto da vossa cruz!

 

O testemunho de um Mártir

Como testemunho de incondicional amor filial a Nossa Senhora, recordo o padre franciscano polaco, S. Maximiliano Kolbe, falecido heroicamente no campo de concentração de Auschwitz, no dia 14 de Agosto de 1941, durante a II guerra mundial.

Colhemos dos seus escritos estas palavras de invulgar amor à Santíssima Virgem: “Deixemos que a Imaculada nos conduza. Ela pensará em tudo, satisfará todos os anseios da alma e do corpo. Entreguemos-lhe todas as nossas dificuldades, desgostos, tudo consagremos a Ela e confiemos que Ela cuidará de nós melhor que nós mesmos. Tenhamos, pois, paz, paz, muita paz e uma confiança ilimitada nela”.

De coração magnânimo, este mártir da caridade ofereceu a sua vida em vez de outro prisioneiro, pai de família polaco, que havia sido condenado à morte. Tive o gosto de visitar, em Auschwitz, a cela escura, ocupada por ele, testemunha da maior prova de amor, que é, como nos ensina Jesus, a aceitação da cruz de cada dia e a entrega da vida pelos irmãos.

Naquele subterrâneo de sofrimento confortou e assistiu, com grande caridade sacerdotal, à morte de muitos dos seus companheiros, transformando esse espaço de tristeza e desespero em local de oração, louvor e oferta generosa da vida. Com uma força verdadeiramente sobrenatural, que lhe advinha do Espírito Santo e do seu amor filial à Virgem Imaculada, resistiu, durante quinze dias, à fome, à sede e à tentação do desespero.

O P. Maximiliano faleceu aos 47 anos, na escura cela da prisão de Auschwitz, com grande dignidade e paz, celebrando o triunfo do amor sobre o ódio e entoando louvores a Nossa Senhora. A Mãe Imaculada, que na infância lhe tinha prometido as duas coroas de rosas, a branca e a vermelha, na vigília da sua Assunção, cumpriu a promessa materna, concedendo-lhe a graça do sacerdócio e do martírio.

Que o testemunho de S. Maximiliano Kolbe, cuja memória a Igreja celebra neste dia, seja um incentivo para todos os cristãos da paróquia do Porto da Cruz e de toda a nossa Diocese, no amor a Nossa Senhora, à Palavra de Deus e aos irmãos, até à doação da própria vida, como ele.

 

Prece

Senhora de Guadalupe,
Padroeira desta Paróquia,
Mãe da nossa confiança,
que apontas caminhos de Vida e de Esperança,
vem caminhar com este povo,
que te invoca e ama de todo o coração.

Seguros na tua mão, ó Mãe,
não temos medo da noite…
Contigo seguiremos
o teu Filho Jesus,
com a força do Espírito Santo,
pelos caminhos da vida,
até à eternidade. Ámen.

 

Porto da Cruz, 14 de Agosto de 2010

† António Carrilho, Bispo do Funchal

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