Homilia do bispo de Viseu no Dia Mundial da Paz 2013


A Liturgia do 1º dia do ano invoca Santa Maria, a Mãe de Deus, como proteção materna para os 365 dias que todos esperamos serem dias felizes. São os votos que eu quero fazer e as bênçãos que eu quero pedir a Deus para todos. Que Deus, juntamente com as Suas bênçãos e Seus favores paternos, tenha, para todos nós, um olhar favorável e faça com que todos os bens da criação tenham, como fonte, referência e destino, a Paz.

A Igreja foi chamando ao 1º dia do ano civil o “Dia Mundial da Paz”, sendo este o 46º. Paz que nasce num coração de filho que, como nos diz S. Paulo, na 2ª leitura, nos leva a reconhecer a grandeza do dom da filiação como o grande dom do cristão e nos leva a chamar Deus com o nome carinhoso e terno de “papá”. Somos filhos de Deus. Todos, somos Família de Deus. Este dom que nos engrandece e é garantia de uma Vida Feliz dá-nos acesso a todos os outros bens e dons divinos e, pelo E. Santo, torna-nos herdeiros, “por graça de Deus”. É esta mesma paz que nos ajuda a escutar e a perceber os sinais da presença de Deus no mundo e na nossa vida, como Maria que escuta, observa e guarda tudo no coração. Só um coração atento que observa, ama e escuta pode viver e perceber a paz e ser sinal e instrumento de paz para os outros.

Do coração novo nasce a paz e um coração em paz torna-se obreiro e construtor de paz na família humana e na própria criação. É nesta sintonia que Bento XVI desenvolve o tema deste 46º Dia Mundial, intitulando-o: “Bem-aventurados os obreiros da Paz”.

Do entendimento, justo e sábio desta Bem-aventurança e da sua prática, depende o bem comum e o bem-estar das pessoas, o equilíbrio económico e social e a preservação do ambiente, deixando uma herança saudável e feliz para quem vier depois de nós. Da justa relação com os bens da criação e do seu bom uso, dependem a paz neste nosso tempo difícil, caracterizado pela globalização, o justo desenvolvimento humano integral e o relacionamento solidário entre todos os povos.

Pede-se, de facto, uma solidariedade universal e comunitária no uso dos bens que Deus criou para todos, assente numa sã e autêntica economia social. O desenvolvimento não pode ser somente a favor de alguns, normalmente de quem se aproveita, de forma oportunista, interesseira e egoísta, privilegiando o lucro e esquecendo a justiça, a solidariedade – os outros. Cito Bento XVI na mensagem para este dia: “causam apreensão os focos de tensão e conflito, vindos de crescentes desigualdades entre ricos e pobres, do predomínio duma mentalidade egoísta e individualista que se exprime inclusivamente por um capitalismo financeiro desregrado”. Diz ainda: “condição preliminar para a paz é o desmantelamento da ditadura do relativismo e da apologia duma moral totalmente autónoma, que impede o reconhecimento de quão imprescindível seja a lei moral natural inscrita por Deus na consciência de cada homem”.

Aceitando esta sábia e correta leitura, precisamos todos de nova mentalidade e nova cultura que nos façam ser agentes de nova educação, de novos valores e de nova prática de vida. Somente assim será possível descobrir o essencial da pessoa humana e o que lhe traz a paz. É o respeito por cada pessoa, pela sua dignidade e seus direitos fundamentais que trará, para todos: bem-estar, paz, segurança, alegria, esperança, felicidade. Defender, proteger e privilegiar apenas alguns, e esquecer direitos fundamentais e condições de trabalho e de vida dignos para todos – considerem-se pessoas ou povos – será sempre fomentar e aumentar ameaças, tensões, desequilíbrios perigosos e mal-estar geral.

Todos nós, homens e mulheres, somos Família da mesma criação e, como criaturas, temos uma função superior – a de exercermos um governo responsável dessa mesma criação, preservando-a, transformando-a e partilhando-a. Nesta função, a Fé e a visão transcendente que nos põe em diálogo constante com Deus, permite-nos construir a paz e vencer todas as formas de pecado social e coletivo, como aponta o Santo Padre: “egoísmo e violência, avidez e desejo de poder e domínio, intolerância, ódio e estruturas injustas”.

Tenhamos claro este pensamento: cada pessoa é herdeira dos dons da criação de que deve sentir-se responsável por transmitir às gerações futuras. Para isto, deve instaurar-se uma economia social, com políticas sociais mais eficazes, a chegarem verdadeiramente e com rapidez a quem mais precisa. Não é justo que vivendo uma crise tão grave, tão prolongada e com tantas consequências no desemprego, uns não tenham meios para viver e outros os possam esbanjar. Uns não possam viver dignamente e outros não se sintam afetados nas suas extravagâncias. Uns não consigam pagar as suas dívidas e outros acumulem privilégios. Uns não tenham emprego e outros sejam titulares de empregos fictícios, com benesses imerecidas. O Estado Social passa pela organização justa das funções do Estado, tendo em conta todos os cidadãos, corrigindo excessos, partilhando justiça.

A coragem, audácia, justiça, solidariedade e sentido dos outros que, como parece, estão a faltar nos mais ricos e nos detentores do poder, têm sobejado no povo – cristão e não cristão. Solicitado, responde de forma generosa aos muitos pedidos para toda a espécie de bancos ou fundos de solidariedade. A todos, não esquecendo os solícitos pastores e aqueles que são veículos de redes de solidariedade, o obrigado da Igreja, em nome de todos os beneficiados e carecidos de justiça e de paz.

Precisamos de construir uma cultura e uma mentalidade de paz, de justiça e de fraternidade que se alargue para além das fronteiras da Igreja, do País e da Europa. Todo o homem é meu irmão e todo o País dos meus irmãos é o meu País também. Este deve ser o pensamento a exigir alteração de cultura, de mentalidade, de políticas e de comportamentos para termos uma vida mais sóbria e mais simples, mais próxima e mais amiga do ambiente, mais fraterna e mais justa. O amor e a gratuidade, como caminhos de serviço à pessoa humana, têm que ser os critérios de visão e de gestão do mundo. O estilo de vida que daí nascerá será também – sem dúvidas – mais saudável, mais fraterno, mais feliz porque terá mais paz.

É o que, de todo o coração desejo, a vós e a todos os homens e mulheres, nossos irmãos em Jesus que nasceu para nós. Que o Senhor nos abençoe e nos proteja; nos seja favorável e nos conceda a Paz! Feliz 2013!

Santa Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe, Rainha da Paz, rogai por nós! Amen!

Viseu, 01 de janeiro de 2013

D. Ilídio Leandro, bispo de Viseu

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Agência ECCLESIA

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