Iniciamos a Páscoa do Senhor com esta celebração da Última Ceia de Quinta-feira Santa, neste Ano Sacerdotal de 2010. De facto, se o Tríduo Pascal é a celebração anual e festiva do Grande Acontecimento da Páscoa, a Última Ceia faz-nos a narração do Mistério da Fé celebrado neste dias e tornado presente para Memória da Páscoa de Jesus, sempre que celebramos a Eucaristia. Por isso, de forma incruenta, como sinal sacramental e para ser renovada sempre que o quisermos, a Eucaristia é a Páscoa de Jesus servida semanalmente, para nos tornarmos beneficiários contemporâneos do Grande Mistério da Fé.
É o que nos relata S. Paulo na 2ª leitura, dizendo-nos o que Jesus nos mandou fazer em Sua memória: “todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciareis a morte do Senhor, até que Ele venha”. Esta é a celebração da Páscoa da Nova Aliança no Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, com a 1ª leitura a fazer-nos o relato da Páscoa da Libertação do Antigo Testamento e com o Evangelho a ensinar-nos a forma de vivermos a Páscoa de Jesus, diariamente, e em todas as suas consequências.
As razões principais que levaram à Páscoa – no Antigo e no Novo Testamento – foram a libertação e a criação do Povo de Deus. Todas as Páscoas – e falei de 4 nas Conferências Quaresmais: Noé, Abraão, Moisés e Jesus – significaram a passagem de Deus pela vida dos homens, fazendo a sua libertação do mal e da escravidão e anunciando o propósito e a vontade de Deus – “vós sereis o Meu Povo e Eu serei o vosso Deus”. Isto é realizado pela Eucaristia: nela, Jesus liberta-nos com a Sua Palavra e dá-nos o Seu alimento. Participando nela, somos convidados a viver como ressuscitados, numa vida nova e a afeiçoarmo-nos às coisas do Alto.
Ser Cristão não deve ser possuir uma identidade vazia e neutra; como também, participar na Eucaristia não nos deve ser indiferente e sem haver consequências sensíveis e visíveis na vida. O Evangelho de hoje, com uma imagem do próprio Jesus Cristo, apresenta-nos as consequências da Eucaristia que devem ser desdobradas, interpretadas e situadas em cada caso e em cada tempo. Usando as Suas próprias palavras, Jesus diz-nos: «Compreendes o que vos fiz? Vós chamais-Me Mestre e Senhor e dizeis bem, porque o sou. Se Eu, que sou Mestre e Senhor, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. Dei-vos o exemplo, para que, assim como Eu fiz, vós façais também».
Entendendo assim a Eucaristia e tornando-a nossa vida, quantas atitudes e intuições novas para a construção da Sociedade, para o serviço nos cargos públicos, para a vivência dos ministérios ordenados ou laicais, para o combate do mal da corrupção em qualquer área?… Participando na Eucaristia e sendo coerente, quanta transformação pessoal e quantas ajudas para as relações entre os povos, para a prática da justiça social e da igualdade, para a defesa e promoção da dignidade humana e do combate a tudo o que seja exploração e abuso seja de quem for?…
A Eucaristia é o verdadeiro e autêntico Catecismo da vida cristã. É o verdadeiro teste e barómetro da nossa Fé e a referência para a autenticidade do nosso agir. Por isso, ela é o coração da Igreja e, como não podia deixar de ser, o coração da vida do Padre e da vida de todos os Cristãos… Viver a Eucaristia é tirar dela a inspiração e a força para o nosso comportamento e para toda a nossa acção durante a semana. Assim como se ouve dizer: “tal vida tal morte”, pode dizer-se: “tal Eucaristia tal vida”. Esta tomada de consciência deve levar-nos a todos – Sacerdotes, Religiosos e Leigos – a vivermos bem a Eucaristia do Domingo, fazendo dela a grande festa da semana e da Comunidade Cristã.
Há uma obrigação de a tomarmos mais a sério: quer nós, os Sacerdotes, não correndo tanto e não a multiplicando tanto, investindo mais na qualidade que na quantidade; quer os Leigos nas Comunidades, procurando-a e não prescindindo dela, ainda que seja necessário ir um pouco longe. Passa por aqui, também, a renovação da Pastoral da Igreja na nossa Diocese, tendo em conta os tempos futuros que estão muito próximos, pela diminuição dos Sacerdotes para atender cada Comunidade.
A Eucaristia não pode ser, apenas, o acto litúrgico, a demorar um tempo cronometrado pelo relógio, pela pressa e pela pouca percepção e consciência do seu valor. A Eucaristia deve alimentar o coração, a consciência, as atitudes, as opções e o comportamento do cristão ao longo do tempo que vai até à próxima Eucaristia. Neste entendimento, a Eucaristia pode durar mais do que uma semana, se alguém não tiver oportunidade de participar nela semanalmente.
Celebremos e vivamos a Eucaristia em memória da Páscoa do Senhor! Assim, anunciaremos a todos a morte de Jesus, proclamaremos a Sua Ressurreição, enquanto aguardamos, para nós, para os outros e para toda a criação, a Sua última vinda. Vem, Senhor Jesus! Aleluia!
Ilídio, bispo de Viseu