Homilia do bispo de Vila Real no Domingo de Páscoa

Foto_ Diocese de Vila Real

Nesta manhã de Páscoa ecoa nesta catedral e nas igrejas de todo o mundo onde se reúnem as comunidades cristãs a grande notícia: Cristo Ressuscitou! Com o nosso louvor e o nosso canto aclamamos: Aleluia! O Senhor está vivo e presente no meio de nós!

No Credo que hoje solenemente proclamamos, afirmamos que «Aquele que padeceu e foi sepultado, ressuscitou ao terceiro dia conforme as escrituras». Este é momento decisivo da história da salvação e constitui o núcleo fundamental da nossa fé cristã. É o acontecimento que responde às grandes expectativas do homem; é a trave mestra da nossa esperança.

Ao ressuscitar Jesus que tinha morrido na cruz e descido à mansão dos mortos, Deus corresponde, antes de mais, à confiança total que o Filho depositara no Pai. Uma esperança que  não foi em vão nem ficou defraudada, pelo contrário, foi plena e totalmente confirmada. Da mesma forma, com a ressurreição de Cristo, Deus responde ao desejo mais profundo do seu povo e de toda a humanidade: que a maravilha da vida não fique soterrada pelo drama da morte mas que se eleve a horizontes de plenitude. Esta é a grande esperança que se cumpre na Páscoa de Cristo: a vida venceu a morte. Ao ser humano abrem-se horizontes de eternidade.

A Páscoa, sinal maior da esperança humana, é um clarão de luz que ilumina toda a história e nos ajuda a compreendê-la como história de vida e salvação. Esta consciência precisa de ser mais avivada em tempos, como estes que vivemos, em que às expectativas de paz, prosperidade e solidariedade parecem sobrepor-se a violência e as leis do vale tudo ou do mais forte. A luz pascal é necessária para vencer muitas sombras que pairam sobre o nosso futuro.

A esperança pascal não está sujeita a revogação ou perda de validade. Não se trata de um ciclo interminável de eterno retorno, de alguém que voltou à vida para tornar a morrer. Cristo morreu e ressuscitou de uma vez por todas e está vivo para sempre. Por isso a nossa esperança pascal não é intermitente mas é rocha inabalável que resiste a tudo.

Páscoa é “passagem” para a vida nova em Deus, para a terra da liberdade, território onde Deus reina. Ela inaugura um dia novo, um tempo novo. Não é possível voltar ao que passou, retornar ao já vivido, mas importa estar disponível à novidade que Jesus inaugurou e ao caminho a percorrer. Por isso, nós que, pelo batismo morremos e ressuscitamos com Cristo para uma vida nova, devemos pensar naquilo que está por fazer, no que está ainda escondido, por revelar. Da mesma forma, a Igreja, nascida na Páscoa, deverá estar aberta a tudo o que Deus quer fazer nela e por ela, e não entricheirar-se ou acomodar-se com o já alcançado.

A liturgia da palavra desta celebração sublinha dois aspetos essenciais da dinâmica pascal. Em primeiro lugar refere que tudo começou quando Maria Madalena e depois os dois discípulos verificaram que o sepulcro estava vazio. Restavam alguns sinais da presença do corpo do Senhor mas Ele não estava ali. A corrida até ao sepulcro culminou com a  expressão decisiva: «Viu e acreditou».  Aquela experiência inicial, confirmada posteriormente pelas aparições do Ressuscitado aos seus discípulos e iluminada com o dom do Espírito Santo foi a condição indispensável que fez dos apóstolos Pedro e João verdadeiras testemunhas da Páscoa. Em tom autobiográfico, o evangelista reconheceu que «ainda não tinham entendido a escritura segundo a qual Jesus devia ressuscitar dos mortos».

A celebração da Páscoa é oportunidade para todo o crente «ver e acreditar». Sentir que a presença do Senhor na sua vida é uma presença viva e autêntica; reconhecer que Ele está vivo na comunidade dos crentes. Mais até do que aqueles apóstolos, podemos «acreditar mesmo sem ter visto», fundados na veracidade do seu testemunho. Um acreditar que se manifesta de modo formal na proclamação do Credo mas que confirma sobretudo nos nossos gestos e palavras. Uma fé pascal reveste-se sempre de uma alegria contagiante, de uma paz que inunda todo o ser da pessoa, de uma confiança inabalável na vida e numa esperança e força interior que nada consegue vencer. Tudo isso experimentaram os protagonistas daquela manhã pascal; tudo isso somos chamados a viver hoje.

Por outro lado, o dinamismo pascal implica anunciar a boa nova da ressurreição. Uma referência especial merece a figura de Maria Madalena. Ela não desistiu perante a morte de Jesus mas logo de manhã foi ao sepulcro. Sendo a primeira a acolher a novidade do sepulcro vazio, foi contar aos apóstolos aquela descoberta. Com este gesto ela pode ser citada como modelo do papel da mulher na vida da Igreja. Como ela podem ser importantes testemunhas da fé. Pela sua crença inabalável, pela sua dedicação incansável podem contagiar as famílias e as comunidades para a fé em Jesus ressuscitado.

O apóstolo Pedro, figura decisiva da manhã de Páscoa, foi também um anunciador incansável do acontecimento da ressurreição de Jesus, do seu significado e consequências, como aconteceu na casa de Cornélio. A esta luz, a celebração pascal é momento que fortalece o nosso compromisso pessoal em sermos testemunhas da Páscoa de Cristo.

O testemunho da fé é, sem dúvida, um dos maiores desafios colocados a toda a Igreja e a cada cristão. A fé não pode ser um assunto tabu ou marginal, ou matéria que suscite vergonha ou incómodo. Não se trata de “discutir religião”, impor convicções ou defender uma ideologia, mas de partilhar vivências e valores da pessoa, de compartilhar experiências e descobertas; de manifestar sem receio quem somos e em que acreditamos. Esta abertura é fundamental para as novas gerações, pode ser muito útil para os que buscam a fé, e necessária para os que estão em situação de maior fragilidade.

O dinamismo pascal começou naquela manhã e não mais parou. Em cada ano deve suscitar o aprofundamento da fé, um maior  compromisso com o testemunho e um fortalecer da esperança. Que Jesus Ressuscitado ilumine o corações dos homens para que, renovados pela vida nova que Ele nos trouxe, se empenhem em construir um futuro mais justo e pacífico. Santa Páscoa para todos!

 

Vila Real, 20 de abril de 2025

D. António Augusto de Oliveira Azevedo

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