A Missa Crismal, celebrada na manhã de quinta feira santa, reveste-se de um grande significado para os cristãos, de modo especial para os presbíteros. É uma celebração única que reune na Catedral o clero da diocese, convidado a renovar as promessas da sua ordenação, e em que se abençoam os sagrados óleos que servirão para unção e santificação dos fiéis ao longo do ano. Ela prepara-nos, assim, para vivermos mais intensamente os dias decisivos do tríduo pascal.
A nossa presença de sacerdotes e leigos nesta celebração deve buscar a sua inspiração mais profunda na atitude de Jesus no evangelho. Ele começou por proclamar a palavra e depois atualizou-a, manifestando que ela se cumpria na sua pessoa. A esta luz, também hoje proclamamos que foi o mesmo Espírito que nos santificou no batismo e ungiu os que foram chamados ao ministério sacerdotal.
Esta mensagem evangélica incentiva-nos a uma renovada consciência da presença e da ação do Espírito nas nossas vidas, bem como na vida da Igreja. O que somos e fazemos como cristãos e sacerdotes tem a marca do Espírito de Deus.
Em ano jubilar somos convidados, em primeiro lugar, a dar graças a Deus pelo dom maior do seu Espírito e por Ele, dos dons da fé e do ministério sacerdotal. Com as palavras do Apocalipse, damos glória Àquele que fez de nós um reino de sacerdotes. Manifestamos a nossa gratidão Àquele que, sendo o Alfa e o Ómega, se dignou olhar para cada um de nós, humilde e simples criatura, e pelo seu grande amor, chamar-nos a tão elevada dignidade e missão.
Pelo Espírito de Deus que age em nós e através de nós, sacerdotes, podemos continuar a santificar os nossos irmãos através dos sinais sacramentais. Pela força do Espírito que nos foi concedido, podemos repartir com a comunidade o pão da eucaristia, podemos levar o perdão aos penitentes, o conforto aos doentes, abençoar o amor matrimonial. Não deixemos de nos espantarmos com a grandeza deste mistério, reconhecendo que transportamos um tesouro em vasos de barro.
A renovação das promessas sacerdotais é oportunidade para evocar a beleza desse momento inicial de unção e envio, certamente cheio de sonhos e algumas ilusões. Mas é sobretudo ocasião para reafirmarmos a nossa disponibilidade para continuarmos a servir a Deus e ao seu povo com a mesma paixão e com a certeza confiante de que o seu Espírito sempre nos acompanha e dá novo alento para o caminho.
Este tempo requer sacerdotes (e também leigos) com um espírito novo. Um espírito fiel a Jesus e ao seu evangelho. Para isso, importa atender âs repetidas advertências do Papa Francisco para que não cedamos ao mundanismo nem ao clericalismo. Não reduzamos o exercício do ministério aos critérios do mundo, do interesse, da carreira ou do prestígio; nem nos refugiemos em modelos fechados e anacrónicos.
«O Espírito do Senhor está sobre mim…» era a palavra profética que Jesus cumpria. Esse mesmo Espírito está sobre nós, é nosso conforto e nossa força em todas as circunstâncias. Num contexto como o atual, de grande exigência e desgaste para os sacerdotes, é essencial a ajuda desta força do alto. Conscientes da presença do Espírito, cultivemos uma espiritualidade mais profunda. Precisamos de ter tempo para rezar, para meditar a palavra de Deus no silêncio, de ter tempo para ajoelhar e adorar o nosso Deus que nunca desampara aqueles que chamou. Só plantada junto da água corrente e refrescante do Espírito a árvore do nosso ministério poderá dar sempre novos frutos e resistir a toda a erosão.
A acção do Espírito de Deus é sempre geradora de criatividade, abrindo-nos à contínua novidade de Deus. A vida sacerdotal, embora exposta a rotinas e programações, deverá estar sempre aberta a caminhos novos, à surpresa permanente daquilo que Deus faz, através de nós, em muitas vidas.
Nos nossos dias reconhecemos essa ação renovadora do Espírito no processo sinodal que tem envolvido a Igreja em comunhão com o Papa Francisco. É um tempo de mudança e atualização que a todos deve mobilizar e entusiasmar porque estamos a construir o futuro, dando passos no sentido de uma Igreja mais viva, participativa, fraterna e próxima.
Na sinagoga de Nazaré, Jesus sublinhava que a unção do Espírito tinha uma finalidade clara: «anunciar a boa nova aos pobres, proclamar a redenção aos cativos, restituir a vista aos cegos e a liberdade aos oprimidos». Tratava-se de levar a salvação de Deus aos que dela mais careciam. Na sua pessoa abria-se um tempo de graça, inauguravam-se os sinais do reino. Começava um tempo novo cheio de sinais de esperança.
A celebração deste ano jubilar, como período especial de graça, permite-nos perspetivar a vida e missão do presbítero como testemunha da esperança. À imagem de Jesus, o mais belo da nossa missão consiste precisamente em levar a esperança a vidas humanas mergulhadas no desespero ou que, porventura, já desistiram do futuro.
Num mundo profundamente carenciado de esperança autêntica (que não se pode confundir com utopia ou ilusão) a fé em Cristo morto e ressuscitado pode ressurgir como grande baluarte da esperança. É momento de proclamar que todo o que pôe n’Ele a sua esperança não será confundido nem desiludido. Somos testemunhas desta esperança que o Espírito suscita em nós.
Como arauto desta boa nova, o sacerdote, como todo o cristão, deve encontrar em Deus a âncora da sua esperança. É feliz aquele que confia sempre no Senhor. Só assim poderá superar todos os desafios, vencer todas a tentações e manter-se fiel e firme até ao fim. Assim fez o Filho de Deus que foi fiel até ao fim, até à cruz.
Por outro lado, anunciar e testemunhar esta esperança supõe, como nos ensina o Papa Francisco, exercitar a virtude da paciência. Aquela paciência necessária para que pessoas e comunidades cresçam, projetos e iniciativas amadureçam. Para isso importa não se deixar arrastar por ritmos de vida acelerados ou pela vertigem comunicacional que distrai do essencial, gera ansiedades e insatisfações e sobretudo, desgasta energias e desmobiliza do que tem valor. A paciência cristã não é resignação nem estoicismo mas coragem de acreditar que o futuro começa a germinar agora.
Animados pelo Espírito do Senhor que nos renova na esperança, o padre (como todo o cristão) é chamado a crescer, consolidando uma mente mais aberta e um coração mais livre. Essa liberdade e sabedoria aprofundam-se com a consciência de que a nossa missão é semear sabendo que amanhã outros colherão; a consciência de que acima de nós, acima das vicissitudes do nosso quotidiano e da vida do mundo está «Aquele que é, que era e que há-de vir. O Senhor do universo» (Ap. 1,8). É Ele a quem servimos, é n’Ele que colocamos a nossa esperança porque sabemos que deu a vida por nós.
Nestes dias solenes de Páscoa caminhemos com o Senhor na sua entrega ao Pai pela redenção de todos. Caminhemos juntos, como comunidade de crentes e Igreja diocesana, porque só dessa forma seremos sinal credível de esperança para o mundo. Caminhemos com Maria, mãe de Jesus que esteve junto da cruz até ao fim e nos foi dada como mãe.
Caminhemos juntos e nestes dias renovemos a nossa esperança.
Vila Real, 17 de abril de 2025
+António Augusto de Oliveira Azevedo