Homilia do bispo de Viana do Castelo na Missa Crismal

«O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres. Ele me enviou(…)». Em cada ano, nesta mesma celebração, escutamos estas palavras que nos colocam junto de Jesus Cristo para d’Ele recebermos o impulso renovador no ser e na missão a que somos chamados na Igreja e no mundo de hoje.

É contemplando em nós a presença do Espírito Santo que nos unge e renovando a alegria de quem é enviado em missão que somos convidados a actualizar as nossas promessas sacerdotais.

Refontalizar é uma exigência permanente para quem queira viver a sua vida pessoal e a sua missão pastoral de maneira nova e sempre com a frescura da primeira hora.

Sentimos, certamente, que com o passar do tempo, podemos ser atacados pela rotina, pela aridez e pela desilusão. Muito mais nos tempos em que vivemos, tão agressivos e demolidores da verdadeira esperança, necessitamos de nos deslocarmos até às fontes da verdadeira alegria que nos refrescam nos sonhos, no entusiasmo, na criatividade pastoral e, a partir da configuração a Jesus Cristo, a viver a alegria que ninguém nos poderá tirar.

Caros sacerdotes, nesta celebração tão significativa para todos nós, quero expressar-vos a minha gratidão pela vossa presença, por este gesto tão profundo de desejardes renovar em vós o vosso ser e a vossa missão pastoral, porque isto corresponde a quererdes sintonizar e responder existencialmente aos apelos que Jesus Cristo nos dirige, tal como o fez com os Seus Apóstolos, e à voz da Igreja que nos orienta nos caminhos que devemos percorrer para ser fiéis a Cristo e aos homens do nosso tempo.

Configurados a Jesus Cristo, incorporados num presbitério, em experiência de amor, entregámos o nosso ser a Cristo e à Sua Igreja de modo que somos chamados a ser e a tudo fazer em comunhão presbiteral que tem a sua fonte em Deus e que se derrama na Igreja chamada a ser testemunha da comunhão no meio do mundo.

A par com a força da expressão «o Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu», está também o impulso renovador da palavra que refere «Ele me enviou».

Por isso estamos nesta celebração porque necessitamos de retomar o caminho inicial pelo qual nos reconhecemos agraciados pela unção do Espírito e enviado por Jesus Cristo. Não somos sacerdotes por nós, mas despojados de nós, enriquecemos o nosso ser pela unção do Espírito Santo; não estamos na missão por nós, mas somos enviados por Jesus Cristo para o tornar a Ele presente através do nosso ministério sacerdotal.

Mas o mesmo texto evangélico determina as coordenadas do envio ao referir: «anunciar a boa nova aos pobres. Ele me enviou a proclamar a redenção aos cativos e a vista aos cegos, a restituir a liberdade aos oprimidos, a proclamar o ano da graça do Senhor».

Certamente reconhecemos que o nosso testemunho de vida é imprescindível para credibilizar a palavra. Daí o cuidado constante sobre os nossos critérios, os nossos modelos, os locais da nossa preferência, o estilo de vida notório no meio do Povo de Deus. Nada é inócuo. Os sinais que emergem do nosso modo de viver têm mais força do que as palavras que pronunciamos.

O Papa Francisco, em Novembro passado, na sua viagem ao Canadá, exortava os sacerdotes dizendo que «há necessidade de anunciar o Evangelho, para dar aos homens e mulheres de hoje a alegria da fé».

E, acrescenta, «mas este anúncio não se realiza primariamente por palavras, mas através dum testemunho transbordante de amor gratuito, como Deus faz connosco».

Aliás, «é um anúncio que pede para se encarnar num estilo de vida pessoal e eclesial que possa fazer reacender o desejo do Senhor, infundir esperança, transmitir confiança e credibilidade».

Neste contexto lança três desafios: tornar Jesus Cristo conhecido, o testemunho de vida e a fraternidade.

Quanto ao primeiro, afirma o Papa que «nos desertos espirituais do nosso tempo, gerados pelo secularismo e pela indiferença, é necessário voltar ao primeiro anúncio»; no que diz respeito ao segundo, realça o Papa Francisco que «anuncia-se o Evangelho de modo eficaz quando é a vida que fala, que revela aquela liberdade que faz livres os outros, aquela compaixão que nada pede em troca, aquela misericórdia que fala de Cristo sem palavras»; e ao referir-se à fraternidade, sublinha que «a Igreja será testemunha tanto mais credível do Evangelho quanto mais os seus membros viverem a comunhão, criando ocasiões e espaços para que toda a pessoa que se aproxima da fé encontre uma comunidade acolhedora, que saiba ouvir, que saiba entrar em diálogo, que promova uma boa qualidade nas relações».

Caros sacerdotes, faço meus estes desafios e peço-vos que os façais vossos.

Tal como refere o Santo Padre, ainda na mesma ocasião: «Vós sois os protagonistas e os construtores duma Igreja diferente: humilde, mansa, misericordiosa, uma Igreja que acompanha os processos, que trabalha decidida e serenamente na inculturação, que valoriza cada um e cada diversidade cultural e religiosa. Demos este testemunho!».

Na vivência da alegria que nos vem do saborear a unção que recebemos e do envio estimulante que nos compromete na evangelização das nossas comunidades, quero neste momento dar a minha palavra de reconhecimento pelo vosso trabalho pastoral e pela manifestação de um desejo de renovação tal como é exigido pela Igreja, mas igualmente apelo a todos, e eu convosco, a encetarmos uma vida pastoral tal como nos exige o processo sinodal em curso.

Demos o melhor dos nossos esforços em promover a comunhão eclesial, a desenvolver num processo formativo que leve á participação de todos os baptizados na vida e missão da Igreja, através dos ministérios e serviços eclesiais e pela permanente instalação dos conselhos pastorais.

Exige-se um novo estilo de vida pastoral que irá alterar os modelos a que estamos habituados. Coloquemos hoje, nesta nossa celebração este apelo e este compromisso.

Não podemos ignorar os males que surgiram no contexto do nosso presbitério que nos envergonham e que exigem reparação e testemunho firme de fidelidade, mas igualmente somos convidados a não ceder á pressão social de secundarizar a Igreja. Pelo contrário, tudo devemos fazer para de modo credível colocarmos a pessoa de Jesus Cristo como o verdadeiro salvador do homem e da mulher dos nossos tempos.

Tão só na auscultação dos Sinais dos Tempos, incluindo os negativos, e numa profunda comunhão com Jesus Cristo que se robustece na Eucaristia, nos sacramentos, nomeadamente da reconciliação, na oração, na ascese e no desprendimento, na partilha e na pobreza, poderemos percorrer os caminhos de um discernimento evangélico de modo a correspondermos à renovação das nossas comunidades cristãs.

Constantemente seduzidos pelos critérios e pelas seguranças do mundo, teremos de ser vigilantes e audazes para nos decidirmos por novos caminhos de libertação na autenticidade, na fidelidade, na coerência, na seriedade, na generosidade e no amor.

Não deixemos entrar em nós o espírito do secularismo.

Termina o Evangelho referindo que hoje «cumpriu-se o passo da Escritura que acabastes de ouvir».

Neste «hoje» que se refere a toda a actividade pastoral, dado que estamos prestes a celebrar as Jornadas Mundiais da Juventude / 2023, permitam-me que cite uma passagem da Exortação pós-sinodal «Christus Vivit«, na qual o Papa Francisco refere que «a comunidade desempenha um papel muito importante no acompanhamento dos jovens, e toda a comunidade se deve sentir responsável por acolhê-los, motivá-los, encorajá-los e estimulá-los» (nº 242). De facto, «isto implica que se olhe para os jovens com compreensão, estima e afeto, e não que sejam julgados continuamente ou lhes seja exigida uma perfeição que não corresponde à sua idade».

No contexto da nossa missão pastoral, tenhamos uma atenção privilegiada para os jovens das nossas comunidades e estabeleçamos com eles itinerários de experiência de vida cristã que lhes ofereça o reconhecimento de Jesus Cristo vivo que chama e envia.

No Congresso Internacional sobre o sacerdócio, realizado em Roma, em Fevereiro, do ano passado, dizia o Papa Francisco: «quando caímos no funcionalismo, quando tudo é organização pastoral e nada mais, isto não atrai de maneira alguma; mas quando há o padre ou a comunidade que tem o tal fervor cristão, batismal, então há a atracção de novas vocações».

Acolhamos esta palavra do Papa como força que nos estimula num testemunho sacerdotal capaz de atrair jovens para o encontro com Jesus Cristo.

Imploro de Nossa Senhora, Santa Maria Maior, de S. Bartolomeu dos Mártires, de S. Teotónio e S. Paulo VI, que nos abençoem a cada um e a todo o presbitério e que sejam para todos nós estimulo na evangelização do mundo de hoje.

Amen.

+João Lavrador, Bispo de Viana do Castelo

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