Homilia do bispo de Viana do Castelo na Missa Crismal

 

«O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres». Estas palavras que escutámos vindas da boca de Jesus de Nazaré e com as quais o próprio Messias quer dar cumprimento à profecia de Isaías que expressam a missão messiânica revelam o profundo significado da nossa vida sacerdotal enquanto configurados a Jesus Cristo, Único e Eterno Sacerdote, e abrem o sentido inquebrantável da nossa missão pastoral.

Também nós, hoje somos chamados a reconhecer agradecidamente o facto de sermos ungidos pelo Espírito Santo. Este facto faz-nos saborear a presença constante do Espírito de Amor com o qual Jesus Cristo nos quis engrandecer, configurar e renovar.

Através do Espírito Santo que penetra no nosso ser e nos oferece a unção da alegria somos convidados a despojar-nos de nós próprios e a assumir o mesmo ser, estilo e modo de missão de Jesus de Nazaré. Todo o nosso ser, inteligência, razão, vontade, afetividade, corporeidade, relacionalidade, é orientado, unificado e manifestado pelo Amor presente e atuante no nosso ser de sacerdotes.

Dóceis à ação do Espírito Santo saboreamos continuamente a frescura e a beleza do Amor de Jesus Cristo que nos atraiu, nos chamou, nos consagrou e nos enviou, na primeira hora, e que nos inundou de alegria e entusiasmo no dia da nossa ordenação.

É neste sentido, que vamos renovar as nossas promessas sacerdotais. Em cada ano, queremos ir à fonte e nela adquirir o alento, a força, o entusiasmo, a alegria que o desgaste do tempo e as tarefas na sua aridez nos querem roubar.

Como nos interpela o Papa Francisco, não deixemos que nos roubem a alegria, o entusiasmo e a esperança.

Mas para que tal aconteça, somos chamados a caminhar até às fontes da alegria, no encontro em comunhão com Jesus de Nazaré, na comunhão presbiteral e na comunhão com os fiéis das nossas comunidades cristãs.

Comunhão que se fortalece na oração, na escuta da Palavra de Deus, na vida sacramental, na contemplação, na partilha fraterna e no convívio amigo e sincero.

O Espírito de Deus que nos ungiu é o promotor da comunhão. Este fundamental desafio lançado à Igreja e renovado pelo Santo Padre quando nos convida para edificar comunidades cristãs em estilo sinodal, deve marcar-nos de tal modo a nós sacerdotes que sejamos exemplo de comunhão para os fiéis que nos estão confiados.

A solidão que ataca tantos dos nossos contemporâneos e à qual não estamos imunes, exige gestos concretos e ações adequadas, mas todos eles alicerçados na comunhão.

A experiência da Unção do Espírito Santo que nos configura a Jesus Cristo provoca na nossa vida e na nossa missão uma renovação constante.

A renovação que se exige começa por ser pessoal e comunitária. Só pessoas, e no nosso caso, sacerdotes renovados poderão sentir a novidade do Amor de Deus que estimula a alegria e o encanto, desbordante e comunicativo capaz de contagiar.

Dando, deste modo, o primado ao ser sacerdotal todo ele empapado do Amor de Jesus de Nazaré que nos é comunicado pela ação do Espírito Santo nos sentimos fortes e criativos para encetar uma acção pastoral que se quer renovada, atenta aos Sinais dos Tempos, em permanente diálogo com o mundo de hoje e sintonizando com a missão única da Igreja que se traduz em Evangelizar.

No texto Evangélico, Jesus Cristo afirma que o Espírito Santo que O ungiu também O enviou a anunciar a Boa Nova aos pobres. Na nossa configuração a Cristo, reconhecemos nestas palavras de Jesus de Nazaré a mesma exigência colocada à missão que nos compete realizar no mundo de hoje.

Começa por centrar a missão a partir da ação do Espírito Santo ao qual somos chamados a ser fiéis. Daí o convite a descentrarmo-nos de nós mesmos, a deixarmos de ser autorreferenciais, a despojarmo-nos de tal modo que seja nítida, no nosso ser e atuar pastoral a ação do Espírito Santo.

Isto não diminui em nada a exigência do estudo, da reflexão, da valorização das capacidades racionais e intelectivas, no aprofundamento das ciências humanas e sociais que em muito podem ajudar na missão pastoral. Porém, o sacerdote sabe que tudo realiza, tudo aprofunda e tudo reflete na docilidade ao Espírito Santo para melhor corresponder ao envio que informa o seu modo de agir.

É o mesmo Espírito que unge e que envia. Unidade no ser e na missão que se traduz o exercício pastoral realizado em comunhão, em sentido de Igreja, atendendo ao todo da comunidade, mas sem deixar de escutar a cada um dos fiéis, promovendo a pastoral do acompanhamento, na partilha de dons e serviços, na disponibilidade e na liberdade que o Amor de Deus desperta no sacerdote.

Estamos em tempos novos, numa transformação profunda da sociedade e da cultura envolvente, como afirma o Concilio Vaticano II, «a humanidade vive hoje uma fase nova da sua história, na qual profundas e rápidas transformações se estendem progressivamente a toda a terra» (GS, 4).

Na verdade, «provocadas pela inteligência e actividade criadora do homem, elas reincidem sobre o mesmo homem, sobre os seus juízos e desejos individuais e coletivos, sobre os seus modos de pensar e agir, tanto em relação às coisas como às pessoas» (GS, 4).  Conclui-se dizendo que «de tal modo que podemos já falar duma verdadeira transformação social e cultural, que se reflete também na vida religiosa» (GS, 4).

Assim, a renovação que o Espírito de Deus provoca no ser e no agir do sacerdote determina o esforço para correspondermos às exigências de uma vida pastoral renovada, num testemunho credível e numa palavra acreditada pelos gestos.

Daí as palavras do Papa S. João Paulo II, que nos estimulam dizendo que «há uma fisionomia essencial do sacerdote que não muda: o padre de amanhã, não menos que o de hoje, deverá assemelhar-se a Cristo» (PdV, 5).

Na verdade, «quando vivia sobre a terra, Jesus ofereceu em Si mesmo o rosto definitivo do presbítero, realizando um sacerdócio ministerial do qual os apóstolos foram os primeiros a ser investidos; aquele é destinado a perdurar, a reproduzir-se incessantemente em todos os períodos da história» (PdV, 5).

Deste modo, «o presbítero do terceiro milénio será, neste sentido, o continuador dos padres que, nos precedentes milénios, animaram a vida da Igreja» (PdV, 5). Assim, «também no ano Dois Mil, a vocação sacerdotal continuará a ser o chamamento a viver o único e permanente sacerdócio de Cristo» (PdV, 5).

Todavia, continua o texto da Pastores Dabo Vobis, «é igualmente certo que a vida e o ministério do sacerdote se deve adaptar a cada época e a cada ambiente de vida (…)» (PdV, 5)

Concluindo, «devemos, por isso, procurar abrir-nos o mais possível à superior iluminação do Espírito Santo, para descobrir as orientações da sociedade contemporânea, reconhecer as necessidades espirituais mais profundas, determinar as tarefas concretas mais importantes, os métodos pastorais a adotar, e, assim, responder de modo adequado às expectativas humanas» (PdV, 5).

A Boa Nova é anunciada aos pobres. Certamente que estes terão muitas caracterizações. Pobres são realmente pobres, mas sobretudo são todos os que têm fome de Deus, fome de comunhão, de partilha e de amor. Quem poderá descobrir os sábios e ricos caminhos da pobreza para poder responder ao pobre senão aquele que se faz pobre, como afirma S. Paulo, para a exemplo de Cristo nos encher da sua riqueza (2Cor.8,9).

Mais do que um trocadilho de palavras, estamos perante o desafio que só na experiência concreta da partilha nos pode iluminar.

Podemos ler na Exortação Apostólica «Pastores Dabo Vobis» o seguinte: «só quem contempla e vive o mistério de Deus como único e sumo Bem, como verdadeira e definitiva Riqueza, pode compreender e realizar a pobreza, que não é certamente desprezo e recusa dos bens materiais, mas é uso grato e cordial destes bens e conjuntamente uma alegre renúncia a eles com grande liberdade interior, ou seja, em ordem a Deus e aos seus desígnios» (nº 30).

E acrescenta-se dizendo que «a liberdade interior, que a pobreza evangélica guarda e alimenta, habilita o padre a estar ao lado dos mais débeis, a tornar-se solidário com os seus esforços pela construção de uma sociedade mais justa, a ser mais sensível e capaz de compreensão e discernimento dos fenómenos que dizem respeito ao aspeto económico e social da vida, a promover a opção preferencial pelos pobres: esta, sem excluir ninguém do anúncio e do dom da salvação, sabe inclinar-se perante os simples, os pecadores, os marginalizados de qualquer espécie, de acordo com o modelo oferecido por Jesus no desenvolvimento do seu ministério profético e sacerdotal (cf. Lc 4, 18)» (nº 30).

Façamos a experiência da pobreza, para que a exemplo do Mestre e Senhor, tornemos credível a nossa ação pastoral.

Imploro de Nossa Senhora, Santa Maria Maior, de S. Bartolomeu dos Mártires, de S. Teotónio e S. Paulo VI, que nos abençoem a cada um e a todo o presbitério e que sejam para todos nós estimulo na evangelização do mundo de hoje.

Amen.

Catedral de Viana do Castelo

D. João Lavrador, Bispo de Viana do Castelo

 

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