Homilia do bispo de Setúbal na Eucaristia do Dia Nacional da Cáritas

«Pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios, mas para aqueles que são chamados, judeus ou gregos, Cristo é poder e sabedoria de Deus» (1 Cor 1, 23-24).

Estas palavras tiradas da 2ª Leitura que hoje escutámos mostram-nos S. Paulo apaixonado pelo Crucificado. Talvez pudéssemos perguntar-nos: que viu ele na cruz de Jesus para se apaixonar desta forma? Porque continua a cruz de Jesus a apaixonar tantas pessoas e a escandalizar outras?

S. Paulo viu na dor e na morte de Jesus na cruz o Filho de Deus a dar a vida por todas as pessoas. Viu que Deus que é Amor, amor que se despoja de tudo, até da vida, para salvar o próprio pecador. Deus Pai a retirar da morte o Seu Filho amado e a ressuscitá-lo porque na fidelidade do seu amor ao Pai, Jesus deu a vida por todos e o Pai não podia deixar na morte Aquele que entregara a vida em sinal de amor. Paulo viu no amor do Crucificado o único caminho para a vida fecunda e com dimensão de eternidade. Porque há gestos que não têm dimensão de eternidade.

Por isso, Paulo acolheu e pregou o Crucificado/Ressuscitado, sem medo de escandalizar os judeus para quem Deus não podia descer à cruz e sem medo de parecer louco aos pagãos incapazes de aceitar que a vida pudesse surgir da morte por amor.

Entusiasmado, Paulo pregou por toda a parte na ânsia incontável de ensinar a todos que são sábios os homens e as mulheres que se deixam amar por Deus e que, em resposta, amam os outros com o amor com que Jesus nos amou: amor rico de misericórdia, de atenção profunda a cada pessoa, de partilha e solidariedade total.

É no contexto desta cruz que divide, hoje como ontem, os homens e as mulheres, que queria saudar-vos a todos como filhos muito amados de Deus nosso Pai.

Saúdo especialmente o Prof. Eugénio, Presidente da Cáritas Nacional e a respetiva Direção, agradecendo a escolha da Diocese para esta celebração nacional.

Saúdo as várias Caritas aqui presentes, com destaque para a de Setúbal.

Saúdo as autoridades, de modo particular a Senhora Presidente da Câmara, que tanto nos honra com a sua presença.

Saúdo o clero aqui presente, de modo particular o Frei Francisco Sales. Saúdo o Administrador Paroquial desta Paróquia.

Saúdo todas as pessoas que, na nossa Diocese e nas várias dioceses do País, encantadas pelo gesto de Jesus de servir até ao fim, fazem da sua vida também um serviço humilde, mas sincero aos mais pobres, levando-lhes esperança e alegria.

Saúdo quem nos acompanha pela televisão, especialmente os nossos queridos doentes.

E saúdo esta paróquia da Cova da Piedade, onde estamos a celebrar a Eucaristia. Já aqui foi dito que esta igreja foi uma igreja onde o Padre Ricardo tantas vezes procurou alertar as pessoas para os mais pobres. Uma igreja, de resto, construída por ele.

Dizia que a cruz de Cristo continua a dividir os homens e as mulheres, hoje como ontem. Há quem se escandalize com a cruz de Cristo. Há quem imagine que Deus não se pode sujar, morrendo por nós, lavando-nos os pés, como fez Jesus na cruz. Mas também há quem se deixe abraçar por ela, que a abraça com fervor até à própria morte.

Qual é, meu irmão e minha irmã, a tua atitude? De que lado estás? Da cruz, do amor de Jesus ou à margem dela? Ou contra ela?

A cruz de Cristo fala-nos de dois estilos de vida, de dois cultos, de duas culturas.

De um lado, o estilo de vida de quem vive para o outro, esquecido e humilde, disposto a esvaziar-se de si para socorrer e integrar o outro na comunidade. Estilo de vida de quem dá atenção profunda ao outro, o acolhe e o integra, e que favorece a justiça, a misericórdia, a verdade, a partilha e o bem comum.

E de outro lado, o estilo de quem vive para si mesmo, no egoísmo disfarçado de altruísmo, que esquece os outros, que os julga como coisas, que propicia a injustiça, as desigualdades escandalosas, a mentira, o desinteresse pelo bem comum.

Talvez devamos perguntar: a nossa União Europeia tem o culto da solidariedade e do bem comum? Os nossos partidos políticos colocam o bem comum do País e das pessoas acima dos interesses partidários? E os sindicatos e as empresas? Os meios de comunicação social? E os governos têm forte consciência do dever de velar pelo bem comum? E a cultura, que nos faz e que nós fazemos, impele-nos, tão rica sendo ela, à solidariedade ativa, à atenção discreta e profunda que eleva os mais pobres e débeis da comunidade, à busca da equidade e da justiça?

Embora haja muito egoísmo, o amor superabunda!

Mas há que ir mais longe, pois estas instituições – as nossas instituições – dependem do que cada um de nós é e faz. Por isso, convido cada um de vós a perguntar-se na presença de Deus, de novo, que antevê o íntimo do nosso coração: sou eu marcado pelo amor sincero e profundo ao outro? Apaixonado por Cristo? A cruz de Cristo apaixona-me? Anuncio-a com entusiasmo aos amigos, aos filhos, aos vizinhos, a todos? Como um tesouro?

A Páscoa de Jesus que estamos a preparar pede uma mudança de estilo de vida: passar da cultura do “salve-se quem puder” à cultura da solidariedade e do bem comum; da cultura de quem reparte do que sobra, à cultura de quem dá do que lhe faz falta; da cultura de quem crê que nada há fazer e a mudar, à cultura de quem acredita que pode mudar as coisas e tenta fazer melhor; da cultura da indiferença, à cultura da atenção carinhosa pelo outro.

Neste Dia Caritas, louvando a Deus pelo seu Amor, pelas Caritas diocesanas – inúmeros gestos de amor diário que se elevam da terra ao céu – peçamos ao Senhor que nos ajude a amar como Ele e fazer das nossas Igrejas e famílias cristãs escolas do mais puro amor divino e do próximo. Que nos ajude a prestar atenção e apoiar as pessoas e a organizar bem a caridade, apoiando também as nossas queridas Caritas, que nos faça perfeitos na caridade, que ajude famílias, escolas, associações, meios de comunicação social, partidos, sindicatos, empresas a cuidar do bem comum. Que ajude os governantes a cumprir bem o dever de atenção especialmente aos mais pobres e frágeis. Que nos ajude a cuidar do bem comum, componente da caridade, como refere o lema da Caritas para este ano: “Edificar o bem comum, tarefa de todos e de cada um”: dos jovens, dos adultos, dos homens, das mulheres, dos doentes, dos que têm saúde, de todos.

Podemos nós romper a teia de egoísmos atuantes na nossa cultura e que nos escravizam, como falava a primeira leitura? Sim, desde que unidos a Cristo, Templo novo que na cruz nos abriu o mar do amor divino para o dar a todos – de resto cantávamos, dizendo «Senhor, Senhor, Vós tendes palavra de vida eterna». Bela profissão de fé!

Unamo-nos, pois, a Jesus através da oração confiante, da vivência profunda da Eucaristia, do sacramento da Reconciliação, para que Ele nos possa encher do seu Amor gerador de homens novos e renovadores da sociedade.

Nossa Senhora, tão cara para todos nós, disse “Sim” ao amor, do Espírito Santo que Deus Pai fez descer sobre ela a partir da cruz do seu Filho. Que ela, modelo da Igreja e de cada cristão, nos ajude nesta Eucaristia a acolher do amor de Cristo crucificado e ressuscitado, o Senhor presente no Pão eucarístico e na Palavra da Vida, para que encha o nosso coração, as nossas Igrejas, o nosso País, a União Europeia e o mundo inteiro do amor de Deus e do próximo.

Igreja de Nossa Senhora de Fátima, Paróquia da Cova da Piedade, 11 de março de 2012

D. Gilberto Reis, bispo de Setúbal

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