Homilia do Bispo de Santarém no dia Mundial da Paz

Ano Novo 2008 1. Um novo ano é uma nova página que se abre diante de nós, um novo passo no itinerário da vida sempre cheia de surpresas. Toda a gente anseia por surpresas positivas, todos formulam votos de que o novo ano ofereça novas oportunidades, melhores condições, mais felicidade. Esta festividade mostra, portanto, uma característica própria de todos os humanos: estamos virados para o futuro e motivados pela esperança. Todos sonhamos com um mundo melhor, mais humano, mais fraterno, mais pacífico. Quem pode dar realização aos nossos sonhos? Nós próprios? A evolução positiva da economia? A influência dos astros? A Providência de Deus? Ao congregarmo-nos para celebrar a Eucaristia no primeiro dia do ano de 2008, nós viemos pedir a bênção de Deus para este novo passo do percurso da vida. A primeira leitura da liturgia refere a bênção que era dada no Antigo Testamento como sinal de confiança na Providência de Deus que acompanha a história dos homens e os guia no caminho da paz: “O Senhor te abençoe e te proteja. O Senhor volte para ti os Seus olhos e te conceda a paz”. A paz bíblica tem um sentido amplo e profundo e tem a ver com a harmonia do homem consigo mesmo, com Deus, com os outros e com a natureza. No Novo Testamento temos motivos acrescidos para pedir e confiar na bênção de Deus, pois, como ouvimos na segunda leitura da Carta aos Gálatas, na plenitude dos tempos Ele enviou-nos o Seu Filho que nos enriqueceu com toda a espécie de bênçãos espirituais. Chama-nos a ser filhos adoptivos e concede-nos o dom do Seu Espírito. Por isso, lhe pedimos nesta celebração do Ano Novo, que nos abençoe e acompanhe, nos ajude a crescer em sabedoria e em graça, nos dê a luz e a força do Espírito Santo para que não nos desviemos da verdadeira meta da nossa existência que é a união sempre mais profunda e a configuração mais fiel com Jesus Cristo, nosso verdadeiro mestre e modelo. Quem tem fé em Deus, tem fundamento para esperar e confiar no futuro pois o futuro a Deus pertence como afirma a sabedoria popular. A esperança permite viver o presente com serenidade, abertura e confiança. E a enfrentar as provações com fortaleza e ânimo. É o tema meditado de forma tão oportuna e tão profunda pelo Papa Bento XVI na carta sobre a esperança (“Spe Salvi”, Salvos na Esperança, SS). A esperança é um distintivo dos cristãos, pois está profundamente associada à fé. A fé mostra-se na esperança, e a fé e a esperança conduzem ao amor. Quem descobre Jesus Cristo, Filho de Deus, descobre que o amor é a última instância que governa o mundo (Cf SS, 5). O Papa comenta a propósito a experiência dos Reis Magos que se guiaram pela astrologia para chegar até ao Menino nascido no presépio. Inspirando-se num texto de São Gregório de Nanzianzo, Bento XVI, comenta que a astrologia é suplantada por Cristo pois é este que determina daí em diante o caminho dos Magos. Assim, já não são as leis do universo, ou as estrelas que governam o mundo mas um Deus pessoal que nos ama. Deixámos de ser escravos das leis do universo e temos como última instância a vontade e a Providência de Deus (Cf SS, 5). Desta forma, meus irmãos, concluímos que não é aos astros que podemos pedir a felicidade para o novo ano mas a Deus que nos convida a caminhar na sua direcção e a dar, cada ano que passa, mais um passo na santidade, na sabedoria do alto, na esperança e no amor. Cristo guia-nos neste caminho. Ele é a fonte da verdadeira sabedoria, a sabedoria que vem do alto. Nesse sentido, lembra também o Papa, nos primeiros séculos do cristianismo, uma das representações frequentes de Cristo era a figura do filósofo, um filósofo que sabe ensinar a arte essencial de ser rectamente pessoa, a arte de viver e a arte de morrer (CF SS 6). Ou seja, a arte de fazer da vida um caminho para a sabedoria, para a misericórdia, para a liberdade e para o amor. 2. O Primeiro dia do ano é consagrado à paz. O anseio de paz é mais vivo nesta quadra do Natal e do Ano Novo. A paz plena, no sentido bíblico, é fruto da benção de Deus. Mas não se alcança sem o empenho dos homens. Este ano é o quadragésimo aniversário do dia mundial da paz, instituído por intuição do Papa Paulo VI. Cada ano, o Papa propõe-nos uma mensagem que nos ajude a reflectir os caminhos para construir a paz. São já quarenta mensagens de grande riqueza para orientar o nosso empenho em favor da paz. Este ano convida-nos a aprofundar o contributo da família humana como comunidade de paz. De facto, a família humana é a primeira e insubstituível educadora para a paz. É nesta comunidade que se realiza a aprendizagem decisiva para a boa relação, para o acolhimento feito de afecto e respeito pelos outros, que são sempre diferentes. Assim, para alcançar a paz, devemos começar pela família, célula da sociedade. De facto, é na vida familiar sã que se faz a aprendizagem de bastantes componentes fundamentais da paz, como a justiça e o amor entre irmãos e irmãs, a função da autoridade manifestada pelos pais, o serviço carinhoso aos membros mais débeis, porque pequenos, doentes ou idosos, a mútua ajuda nas necessidades da vida, a disponibilidade para acolher o outro e, se necessário, perdoar-lhe. Para construir um mundo mais humano, precisamos de começar também pela família pois é ela o lugar primário de humanização da pessoa e da sociedade, onde recebemos os valores, as referências, a integração e a identidade. Aprendemos a ser pessoas de boa relação, de amor, apoio e serviço mútuo na família. Todos são diferentes, cada um tem funções especificas (pais, filhos, irmãos, parentes próximos ou afastados) mas todos são apreciados porque são complementares e ligados entre si pelos laços do afecto e do sangue. A união é obra de todos, precisa da colaboração de cada um, no seu papel próprio. A mensagem do Papa Bento XVI sobre a paz convida-nos, portanto, a prestar atenção e apoio às famílias. Tudo o que debilita a família deve ser considerado um impedimento para o caminho da paz. Muitos governos, o nosso concretamente, não dão ainda o necessário reconhecimento e apoio à família, designadamente quanto à natalidade, ao reconhecimento do contributo educativo e às condições de habitação. É também uma recomendação às famílias tentadas pela dispersão, pelo consumismo desenfreado, pelo ruído constante, a cuidarem do diálogo, da qualidade de relação, da transmissão de valores e convicções que proporcionem aos filhos um caminho que dê rumo e gosto à vida. O primeiro dia do ano, ainda em ambiente de Natal, é consagrado a Santa Maria Mãe de Deus, um título muito antigo que associa Nossa Senhora ao mistério de Jesus, Filho de Deus. No evangelho Nossa Senhora mostra-nos a atitude do verdadeiro crente que escuta, guarda no coração e se orienta pela Palavra de Deus. A Mãe de Jesus é também a estrela da esperança. Na verdade, Ela acreditou e confiou nas promessas de Deus e dedica a sua vida a colaborar na sua realização. Por isso, observa atentamente os sinais da intervenção de Deus, escuta e medita nos acontecimentos e nas palavras que rodeiam a vinda de Seu Filho para descobrir como o desígnio de misericórdia de Deus se vai realizando por caminhos misteriosos. “Santa Maria Mãe de Deus, Mãe nossa, ensinai-nos a crer, esperar e amar convosco. Indicai-nos o caminho para o reino de Jesus. Estrela da esperança brilhai sobre nós e guiai-nos no nosso caminho!”( SS 50)

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