Homilia do Bispo de Santarém no dia de São José

São José, esposo e Pai São José, patrono da Igreja universal e designado também padroeiro da cidade e concelho de Santarém, é considerado, desde os primeiros séculos da Igreja, como o “guarda fiel e providente dos tesouros mais preciosos de Deus – Jesus Cristo Filho de Deus e a Virgem Nossa Senhora” (S. Bernardino de Sena). Sempre os fiéis católicos acreditaram e esperaram que este patrono celeste, assim como cuidou e protegeu Jesus Cristo e a Virgem, acompanhe e proteja também, com idêntica solicitude, o povo de Deus que nasceu da entrega de Jesus e que tem Maria como modelo e figura. Somos, assim, também um dos tesouros preciosos confiado à protecção de São José.

Ao celebrarmos hoje a sua festa, situamo-nos numa corrente de veneração e confiança na protecção de São José que vem desde os primeiros tempos da Igreja e atravessa todas as gerações cristãs. Fazemos parte da sua família religiosa e da sua descendência espiritual. Por isso, é com alegria e louvor que manifestamos o nosso apreço e veneração ao santo Patriarca José, escolhido desde tempos antigos para protector e exemplo dos habitantes do concelho de Santarém. Sentimo-nos certamente honrados por ter um padroeiro que realça e propõe valores fundamentais para a nossa civilização, como a união familiar.

Saúdo e agradeço a todos os que contribuíram para a realização desta festa: A Câmara Municipal de Santarém, na pessoa do seu presidente, vereadores e funcionários, o pároco da Sé e os párocos da cidade, as Juntas de freguesia, os romeiros de São José, os devotos deste patrono, os pais que o consideram como uma referência, os participantes nesta celebração. Os valores humanos e cristãos realçados por São José são uma preocupação comum de todos os que desejam construir um mundo mais humano, através da protecção das crianças, da qualidade da educação, do bom ambiente de concórdia e de estabilidade na família. Por isso, desde a primeira hora apoiámos empenhadamente esta iniciativa. Reconhecemos que oferece propostas consideráveis para aprofundar a memória cultural das populações, para fortalecer a identidade da comunidade social e para congregar as pessoas em ambiente festivo. É assim que deve ser entendida a laicidade, numa perspectiva construtiva e inclusiva que reconhece e valoriza o contributo das diferentes forças vivas da sociedade civil, entre as quais, como Igreja, nos incluímos.

A festa litúrgica de 19 de Março apresenta São José como esposo da Virgem Maria. Os evangelhos não dizem muito sobre esta figura mas referem-nos o mais importante. Maria esperava um filho, precisava de afecto, de ajuda, de protecção. Jesus, que ia nascer segundo a natureza humana, necessitava de um nome, de integração numa família e numa sociedade, do amor de Mãe e de Pai para crescer em idade, em sabedoria e em graça ou seja, para realizar um desenvolvimento global. São José foi chamado por Deus a realizar esta missão: cuidou com amor de Maria e dedicou-se com empenho jubiloso à educação de Jesus Cristo.

Os evangelhos chamam a José o esposo de Maria e a Maria a esposa de José. Neste matrimónio se baseia a paternidade de São José. Como comenta Santo Agostinho: «Por motivo daquele matrimónio fiel, ambos mereceram ser chamados pais de Cristo, não apenas a Mãe, mas também aquele que era seu pai, do mesmo modo que era cônjuge da Mãe, uma e outra coisa por meio da mente e não da carne ». Neste matrimónio não faltou, portanto, nenhum dos requisitos que o constituem, como ensina o mesmo Santo filósofo: «Naqueles pais de Cristo realizaram-se todos os bens das núpcias: a prole, a fidelidade e o sacramento. Conhecemos a prole, que é o próprio Senhor Jesus; a fidelidade porque não houve nenhum adultério; e o sacramento, porque não se deu nenhum divórcio”. O grande pensador cristão situa, depois, a identidade do matrimónio na « união indivisível das almas»; na «união dos corações» e no « consenso comum» (João Paulo II, Redemptoris Custos, RC 7).

É muito interessante e oportuno prestar atenção a estes níveis da união conjugal referidos por Santo Agostinho, enraizados na tradição bíblica e recomendados constantemente por São Paulo: a união das almas; a união dos corações; e o consenso comum. Notemos que o segredo de um matrimónio realizado e feliz está na conjugação harmoniosa destes elementos. Se hoje assistimos a uma grande fragilidade e instabilidade dos matrimónios é porque, muitas vezes, falta o acordo íntimo, a união profunda dos corações, sede dos afectos, e a união das almas, fonte das convicções profundas e fundamentais. Frequentemente vive-se o amor à superfície, procura-se a união dos corpos mas não se cultivam os afectos nem as convicções e valores profundos que dão solidez e beleza ao matrimónio e fazem com que a família seja o santuário do amor humano e o berço da vida. Como desenvolver a concórdia íntima? Cultivando todos os meios que geram união de convicções e sentimentos como: o diálogo dos esposos e de pais e filhos; a espiritualidade doméstica; o convívio familiar.

São José apresenta-nos, deste modo, uma imagem muito concreta e um apelo actual para a identidade da família, célula base sem a qual as nossas sociedades não subsistem: a união afectiva, complementar e duradoura do homem e da mulher que se torna fonte de vida e berço do desenvolvimento humano. Sem esta união alicerçada no amor e orientada à geração da vida, a sociedade não tem futuro.

De facto, a família aprece hoje questionada na sua própria identidade e ameaçada por uma cultura de forte individualismo e relativismo que coloca o bem egoísta e imediato de cada um acima de qualquer responsabilidade. A crise da família é mais preocupante e profunda que a crise económica: se não se promove a natalidade e não se cuida da educação, de forma a transmitir valores humanos e cristãos às novas gerações, pomos em risco os fundamentos da vida social. Se não protegermos a célula familiar estamos a contribuir para que a sociedade se torne um imenso lar de idosos. Gostamos que os nossos idosos sejam bem tratados e eles merecem. Mas cuidar bem deles implica que nasça gente nova, que funcione a segurança social, que as gerações possam ser renovadas com novos nascimentos e com educação cuidada. São estes pilares essenciais da nossa cultura humanista que São José nos recomenda pelo exemplo da sua vida.

Que a festa de São José nos permita aprofundar, praticar e infundir na cidade terrena a responsabilidade paterna e a união familiar, missão que São José desempenhou fiel e exemplarmente.

Santarém 19 de Março de 2009
+ Manuel Pelino Domingues, Bispo de Santarém

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