Homilia do bispo de Santarém na solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus

Irmãs e irmãos

 

Continuamos as Festas natalícias celebrando, hoje, a Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus. O Papa São Paulo VI, em 1968, instituiu o primeiro dia do ano como Dia Mundial da Paz. Este é o quinquagésimo quarto Dia Mundial da Paz para o qual o Papa Francisco escreveu uma mensagem onde reflete “A cultura do Cuidado como percurso de paz”, mensagem que referenciarei mais adiante.

 

Depois de um ano marcado por limitações, embaraços, tristezas, recomendações de segurança e muito mais, o início do novo ano sugere que desejemos felicidades, saúde e paz para todos ao longo de todo ano.  É também isso que sugere a primeira Leitura (Num 6,22-27) como uma graça concedida a todos os filhos de Israel. “O Senhor te abençoe e te proteja,… faça brilhar sobre ti a sua face e te seja favorável,…volte para ti os seus olhos e te conceda a paz”.

 

É bom que cada cristão se sinta portador desta Bênção, se identifique com a Bênção de Deus onde estiver ou for enviado. Nada impede que um pai evoque a Bênção sobre um filho ou um avô sobre um neto. Abençoar significa dizer o que é bem, acreditar no bem que existe em cada pessoa. E quando alguém nos alegra a vida com alguma notícia ou algum bem, a uma pessoa que cuida de nós com carinho e cuidado, dizer-lhe: tu és para mim uma bênção de Deus.

 

Na medida em que uma pessoa assume a vida e se preocupa em ser uma bênção para os outros, expressando de algum modo o seu cuidado, essa pessoa faz a experiência da Bem-aventurança, da felicidade e da alegria prometida por Cristo.

 

Deixar brilhar sobre nós a face de Deus, corresponde ter um rosto que transmite alegria. Desejar o brilho de Deus sobre nós em todo o ano, não significa pedir uma fortuna ou um lugar especial de prestígio, significa que a luz de Deus nos ilumine em vitalidade, sabedoria, bondade e alegria. É uma grande Bênção vivermos na proximidade de pessoas otimistas, alegres e com esperança.

 

Ter Deus como favorável, não corresponde a ter privilégios, significa saber que, seja qual for a fragilidade humana que nos atrapalhe, Deus é favorável, não desiste da sua Bênção. Pode acontecer que alguém esteja caído, prostrado no caminho da vida, e Deus quer ser-lhe favorável através de alguém, disponível de coração e de tempo, para fazer chegar a sua Bênção. Foi por isso que Jesus contou a parábola do Bom Samaritano. Os que cuidam de quem necessita de cuidados, são construtores da paz, conforme a mensagem do Papa Francisco para este Dia: a Paz experimenta-se na vida em caminho, cuidando uns dos outros.

 

Escreveu o Papa: “É doloroso constatar que, ao lado de numerosos testemunhos de caridade e solidariedade, infelizmente ganham novo impulso várias formas de nacionalismo, racismo, xenofobia e também guerras e conflitos que semeiam morte e destruição. Estes e outros acontecimentos, que marcaram o caminho da humanidade no ano de 2020, ensinam-nos a importância de cuidarmos uns dos outros e da criação a fim de se construir uma sociedade alicerçada em relações de fraternidade”.

 

Irmãos e irmãs, a mensagem do Papa é um bom ensinamento acerca da aplicação dos princípios da Doutrina Social da Igreja, na cultura do cuidado, nomeadamente: “a promoção da dignidade de toda a pessoa humana, a solidariedade com os pobres e indefesos, a solicitude pelo bem comum e a salvaguarda da criação”.

 

As notícias do passado ano, de maus tratos e mortes, em casa com violência doméstica, no aeroporto com a receção de estrangeiros, no norte de Moçambique com as pessoas obrigadas a abandonar a sua terra e os seus bens pessoais por pressão de grupos armados e na Nigéria com a perseguição e morte aos cristãos. Bem diferente foi o cuidado redobrado de tantos profissionais de saúde e de ação social que, em Portugal, conseguiram ser estímulo e exemplo de entrega e determinação no cuidado e defesa do maior valor: a pessoa humana.

A fragilidade aproximou-nos e nos últimos meses surgiram iniciativas espontâneas de solidariedade a revelar que, apesar dos casos negativos, existe uma boa base humanista na nossa sociedade. É bom sublinhar, valorizar e estimular esta dimensão para termos uma sociedade mais solidária.

 

A proximidade foi, também, o critério de Deus. Tornou-se próximo, Deus connosco, nasce na fragilidade de um Menino e atrai os pobres e marginalizados pastores de Belém e outras pessoas mais distantes. O Senhor Jesus é a nossa paz: a sua presença e a sua Palavra purificam do ódio e da indiferença para com aqueles que têm uma cultura diferente. A experiência desta paz aconteceu no início da Igreja e ao longo dos tempos, quando homens e mulheres, judeus e gregos, escravos e homens livres se encontravam como irmãos, na mesma comunidade cristã a escutar a mesma Palavra do Evangelho e a rezarem juntos a Deus, tratando-o por Abbá-Pai, como nos refere São Paulo na segunda leitura (cf. Gal 4,4-7). A Igreja, como comunidade, constituída por pessoas de diferentes origens e culturas, tem uma dimensão profética que permite imaginar a fraternidade universal. Estamos disso convencidos desde que o Espírito Santo seja o principal protagonista.

 

A paz é um dom precioso e ao mesmo tempo frágil, cristãmente corresponde à experiência de se ser amado e abençoado. O Reino de Paz que Jesus oferece não está num espaço, como um reino deste mundo; está dentro de nós. Assim, abeiremo-nos de Jesus, como fizeram os pastores, e recebamos d’Ele a Bênção de Paz.

 

Santa Maria, Mãe de Deus e Rainha da Paz, olhou e escutou os pastores de Belém e também nos olha e escuta, guardando em seu coração os nossos elogios, desabafos e preocupações. Porque “Temos Mãe”, que é Rainha de Paz e nos foi indicada por seu Filho, Jesus nosso Salvador, seja hoje reforçada a nossa vocação de filhos de Deus e promotores da paz.

D. José Traquina, bispo de Santarém

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