Irmãos e irmãs
Jesus saiu do cenáculo, onde celebrou a ceia com os discípulos, decidido a entregar-se. Deixa as muralhas da cidade de Jerusalém e dirige-se para o Getsémani; um jardim, como refere o Evangelho que ouvimos. Entretanto, fez-se noite. Jesus entra na noite, com decisão; a noite que significa o poder do mal.
Foi para vencer as trevas da noite da vida que o Senhor se entregou para fazer luz e libertação. Quantas vezes Jesus entrou na noite das vidas de tanta gente!?
A experiência de Jesus no Jardim das Oliveiras, no Getsémani, terá sido o momento mais dramático da Paixão. Em que consiste a especial dificuldade? Jesus viveu sempre em união com Deus Pai, mas ali experimenta a ausência do Pai; experimenta o que é viver na ausência de Deus. O drama não é morrer! O drama é morrer sem Deus!
Existem na vida aqueles momentos, em que parece existir um estranho silêncio de Deus! Quando estamos perante injustiças, acidentes graves ou catástrofes, quando estamos doentes ou sofrendo uma impossível solidão, vem a pergunta: Ó Deus onde estás? Jesus foi experimentado no sofrimento e por isso nos acompanha nas situações complicadas e dramáticas da existência.
Superada a solidão pela força da oração confiante, Jesus entrega-se sem resistência, conforme ouvimos no Evangelho da narrativa da Paixão. O Apóstolo São João, regista os argumentos de defesa de Jesus para provar a injustiça daquela detenção. Também hoje o Senhor Jesus está identificado com tantas pessoas que têm direito a viver nas suas terras e cidades e fazem-lhe cair em cima bombas de morte. Pessoas que nasceram em campos de refugiados e o direito que lhes é concedido é viverem lá a vida inteira. Pessoas que vivem presas em seus países sem as condições de vida digna e sem poderem sair de lá.
A nossa união a Cristo na sua Paixão, passa pela solidariedade para com as pessoas do mundo inteiro, a quem não são respeitados os direitos básicos da existência humana. Podemos não ter soluções para os problemas, mas não podemos remetermo-nos para o reino da indiferença.
Os discípulos são convidados à oração e à vigilância para não caírem em tentação. Vigiar é uma importante exortação; não somente a vigilância para o que é exterior, mas também a vigilância para o interior. Na verdade, do interior de cada pessoa podem surgir sentimentos e opções de bondade e santidade, mas também sentimentos de ódio e desejos de vingança, e outras perturbações que podem fazer do ser um humano uma monstruosidade diabólica.
No Evangelho que escutámos, Jesus repreende o Apóstolo Pedro por uma atitude que corresponderá a uma falta de vigilância. Perante uma atitude injusta, o Apóstolo puxou de uma espada e teve a resposta de Jesus: “mete a espada na bainha”. Jesus reconhece o direito às manifestações de protesto, de denúncia do que é injusto, mas não aprova a vingança e a violência.
Não necessitamos de ir longe para referenciarmos preocupações: no nosso país existe violência entre jovens e violência doméstica com a consequência de várias dezenas de mortes por ano. Também é preocupante o gosto de “trucidar” pessoas na comunicação e redes sociais; é uma nova forma de violência muito praticada.
Contemplamos hoje o Amor consagrado na cruz, a vitória sobre o mal e a violência que destrói e mata. “Mete a espada na bainha”; um mal não se resolve com outro mal. É por isso que a moral cristã é muito desafiante; exige formação e educação.
Ao fazermos a Adoração da Cruz, olhando para aquele que trespassaram, reconheçamos que ali se encontram “escondidos os tesouros da sabedoria e da conhecimento” (Col 2,3), como ensina S. Paulo. Elevado na Cruz, abandonado e maltratado, Jesus uniu a terra e os céus. A cruz é a nova “árvore da Vida”, na qual se restabelece a fidelidade entre Deus e o homem!
Na Cruz do Senhor, verificamos uma inversão na escala de valores: a vitória não é de quem vence, mas de quem perde; não é de quem domina, mas de quem serve; não é de quem pensa no seu próprio interesse, mas quem se sacrifica pelos outros.
Jesus, o “Ecce Hommo” (Eis o homem); é Aquele que nos revela o que deve ser o homem, a sua vida, o seu amor, e o horizonte da sua existência. Hoje, podemos fazer a nossa oração e veneração à Cruz, contemplando o amor de Cristo por nós e deixar que Ele toque as nossas vidas. Podemos formular o nosso propósito ao Senhor de sermos melhores discípulos, sendo fiéis e bons servidores, com a Palavra e com a vida.
Irmãos e irmãs, na Cruz recebemos por herança a filiação da Virgem Maria. “Mulher eis aí o teu filho. (E ao discípulo) Eis a tua mãe”. A nossa filiação maternal de Nossa Senhora é dom de Jesus na Cruz. Jesus sabia que não podíamos levar a nossa cruz nem assumir a nossa missão de vida, sem a sua Mãe. Assim, Ela é também a Mãe da Igreja, e igualmente o seu modelo e exemplo de fidelidade.
A oração dos fiéis que hoje fazemos, tem uma universalidade cuidada que reflete a universalidade da Salvação consagrada na Cruz. Jesus morreu por todos, assumindo as injustiças de todos, e todos de todos os tempos. Também a sua Igreja deve dialogar com todos e rezar por todos. Rezemos cheios de gratidão ao Senhor com fé e esperança.
+ José Traquina
Bispo de Santarém