Homilia do Bispo de Santarém na abertura do Ano Sacerdotal

O sacerdócio é o amor do coração de Jesus Celebramos a abertura solene do Ano Sacerdotal proposto pelo Papa Bento XVI "para fomentar a renovação interior de todos os sacerdotes em ordem a um testemunho evangélico mais vigoroso e incisivo". Inauguramos o Ano Sacerdotal quando estamos a preparar o encerramento do Ano Paulino. Á luz de São Paulo, podemos descobrir o encanto pelo ministério, encanto que o Apóstolo mostra com evidência na dedicação total a Cristo e à missão, na força interior, no ânimo inquebrantável com que enfrentou as muitas provas da evangelização.

Outra referência inspiradora para o Ano Sacerdotal é São João Maria Vianney, Cura d'Ars, de quem celebramos, no próximo 4 de Agosto, o 150 º aniversário da morte. O Santo Cura d'Ars é conhecido pelas dificuldades no estudo da teologia e da filosofia, mas na sua personalidade é mais marcante a excepcional profundidade espiritual que sempre manifestou. Quando os seus professores, desanimados, renunciaram a interrogá-lo nos exames e comentaram a pena que sentiam pois aquele aluno era um modelo de piedade, o Vigário Geral decidiu: "Se ele é um modelo de piedade eu chamo-o ao sacerdócio e a graça de Deus fará o resto". De facto, a piedade e a humildade permitiram que a graça de Deus tenha realizado nele e através dele maravilhas.

São João Maria Vianney era reconhecido também, por aqueles que o procuravam, como um padre humilde e afável, generoso e dedicado. Enquadra-se bem na solenidade do Coração de Jesus que hoje celebramos. Costumava ele dizer que "o sacerdócio é o amor do coração de Jesus".De facto, cada sacerdote é uma imagem e um instrumento vivo do amor de Cristo enquanto comunica aos fiéis e ao mundo a palavra, os gestos e os mistérios de Cristo. Assim pregava o Cura d'Ars: "Um pastor segundo o coração de Deus é o maior tesouro que Deus pode conceder a uma paróquia e um dos dons mais preciosos da misericórdia divina".

O ano sacerdotal procura, portanto, aprofundar em todos nós o apreço e encanto pelo sacerdócio de modo levar-nos ao exercício feliz do ministério ordenado. "Fidelidade de Cristo, fidelidade do sacerdote", é uma orientação oportuna para meditar nestes tempos. Actualmente, experimenta-se, por vezes, algum cansaço e desencanto na vida dos sacerdotes. Diminuem os pastores e aumentam as tarefas pastorais. Os padres, (como o bispo), andam com pressa, dispersão, impaciência, desatenção; esta falta de boa disposição impede o acolhimento e a afabilidade, a alegria e a paz que deviam transparecer no nosso ministério

O ambiente cultural não favorece o estilo de vida evangélico do sacerdote. Privilegia-se a fachada exterior, enquanto a riqueza do sacerdócio está no interior do coração, na espiritualidade. No século conta a imagem do sucesso ou do êxito visível, ao passo que o evangelho nos recomenda semear e confiar nas potencialidades da semente que cresce dia e noite pela força divina sem sabermos nem vermos como.

Neste contexto cultural de leveza, de superficialidade, de banalidades, notamos como a proposta do evangelho é de outra ordem, reveste-se de uma sabedoria do alto e não segue os critérios terrenos. São Paulo, no trecho da Carta aos Efésios que escutámos, convida-nos a meditar na diferença evangélica: "foi-me concedida a graça de anunciar aos pagãos a riqueza insondável de Cristo (…) e manifestar como se realiza o mistério escondido". O ministério é um dom, uma graça, mas a realidade que anunciamos não entra pelos olhos dentro, "é insondável, é um mistério escondido".

Como podemos na cultura que vive do exterior e com a nossa fragilidade anunciar o que não dá nas vistas nem atrai? Necessitamos de uma grande dose de convicção, de força interior, de confiança e de entusiasmo. Precisamos de acreditar convictamente no que fazemos e amar firmemente as realidades em que acreditamos. "Acreditar no que fazemos e amar o que acreditamos" é uma expressão de Santo Agostinho indispensável no exercício do sacerdócio neste tempos de fachada exterior e de espectáculo.

Qual o caminho? Meditemos no trecho da carta aos Efésios: "Dobro os joelhos diante do Pai (…) para que se digne armar-vos poderosamente pelo Seu Espírito para que se fortifique em vós o homem interior e Cristo habite pela fé em vossos corações". Esta riqueza interior da vida em Cristo tornava São Paulo forte para o bom combate e dava a fecundidade apostólica à actividade pastoral do Cura d'Ars. A vida interior, cultivada pela oração, pela contemplação, pela fé, esperança e caridade, permite compreender o que está para além da compreensão humana, permite ver e mover-se em quatro dimensões: além das três habituais (comprimento, largura e altura), também a profundidade, onde se situam as raízes, onde actua o amor. Da vida interior, da união com Cristo, vem a paz, a serenidade, o encanto do ministério: "Assim sejais totalmente saciados na plenitude de Deus".

Viver em Cristo é o caminho para a serenidade a para boa disposição. É dom do Espírito e também fruto do esforço na luta que temos de travar contra o espírito do século, o espírito de vaidade e de superficialidade. É a proposta da solenidade do Coração de Jesus: "Aprendei de mim que sou manso e humilde e encontrareis a paz"

Os santos, nossas referências na fé, seguiram este caminho: "Para triunfar no meu apostolado não quero conhecer outra escola de pedagogia que a do Sagrado Coração de Jesus: "Aprendei de Mim que sou manso e humilde de coração". A própria experiência me confirmou na eficácia deste método que assegura os verdadeiros triunfos" (João XXIII, Diário íntimo).

A espiritualidade não nos dispensa da acção inteligente, coordenada, em comunidade. A fidelidade a Cristo no sacerdote é, como sabemos, indissociável da fidelidade à Igreja e em Igreja. A união faz a força, o individualismo enfraquece. É outra dimensão que o Ano Sacerdotal nos convida a desenvolver.

Na crescente multiplicação de tarefas, é importante que nos dediquemos ao essencial, ao específico do nosso ministério e aprendamos a delegar tarefas. "Irmãos é melhor procurardes entre vós sete homens de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria… Quanto a nós entregar-nos-emos assiduamente à oração e ao serviço da palavra" (Act 6,3-4). A escolha e formação de colaboradores pastorais é uma tarefa urgente.

Outro caminho importante a percorrer no Ano Sacerdotal é promover as vocações ao ministério ordenado. Antes de mais pela oração. Também pela proposta vocacional. Os padres devem sentir que faz parte da sua missão estar atentos e fazer chegar, aos que mostram sinais de vocação, o convite do Senhor para se consagrarem ao serviço do reino de Deus. Pela proximidade, pelo exemplo cativante e pelo desafio pessoal.

Se dependesse tudo de nós seria pedir de mais. Mas tudo depende do Pai de quem procede todo o dom no céu e na terra. Dobremos os joelhos diante d'Ele para que nos conceda a força do Seu Espírito e faça crescer em nós o encanto pelo exercício do ministério que torna visível e operante o Seu amor no mundo.

+ Manuel Pelino Domingues, Bispo de Santarém

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