
Vamos sentar-nos um momento. Nesta noite, uma noite longa. Mas uma noite, espero, onde a verdade sempre cresce.
Os actos que celebrámos até agora foram actos de palavra — não tanto do passado, mas das raízes, daquilo que está mais fundo. Começámos por acender um fogo, lá fora, porque é um fogo novo que nasce nesta terra, a cada ano.
E, em cada ano, também nós somos confrontados com desafios novos. Precisamos que o nosso coração se aqueça para lhes responder. Para responder pela nossa fé, com o coração preparado, animado pela Palavra interior.
A Palavra é como uma mulher: gera, dá vida. É uma Palavra com séculos. E é hoje que se repete o momento. Depois de séculos a escutá-la, é nesta noite que ela se cumpre: ele, que passou pela morte, ressuscita.
Quando chega o novo dia, aparece uma nova luz. Nós cantamos ao celebrar o santo círio, que acendemos para iluminar esta noite. Por isso entrámos, trazendo luz para dentro da igreja.
Sem esta luz, tudo estaria mergulhado na escuridão. Mas trouxemos luz. Olhemos o que aconteceu há dois mil anos, em Jerusalém.
Tudo parecia ter acabado na vida de Jesus e dos seus discípulos. Eles acreditavam que o mundo ia mudar, que Jesus vinha para instaurar um novo tempo.
Mas tinham feito um plano para Jesus — e estavam longe de perceber o plano de Jesus para si e para eles. Por isso não estavam preparados para o escândalo da cruz.
Quando ele foi morto, todos fugiram, com medo. Tinham jurado que estavam dispostos a morrer com ele… mas caíram.
Agora estavam desanimados. Pedro e os outros, que tinham negado Jesus. Judas terminou o seu caminho longe do Mestre. Tudo parecia perdido.
Na manhã de domingo, um deles já estava a caminho. Os outros estavam fechados em casa, cheios de medo. E é precisamente nesta noite que brilha uma nova luz sobre este grupo de discípulos.
Porque muitos duvidaram: “Mas ele não era o Messias? Como é possível?” Pensavam que tudo tinha sido um sonho. Afinal, ele tinha feito tantos milagres, tinha falado como ninguém antes…
Mas foi esse mesmo Jesus que veio ao encontro deles, e isso mudou tudo. Nessa presença, perceberam que ele tinha razão. Nós é que não tínhamos compreendido a razão de Deus.
Pensávamos que a salvação vinha pelos exércitos, pela força, pelos triunfos. Mas não — esse não era o caminho. O verdadeiro caminho era novo: um mundo que nascia onde essas armas desapareciam.
Nascia uma nova maneira de viver: oferecendo a vida, animando tudo o que é vida, criando fraternidade, paz, um mundo para todos. Esse é o mundo novo que está a nascer.
Então, os discípulos começam a entender. Esta é a primeira palavra de Deus: ele tinha razão. Aquela luz não se apagou.
Simplesmente teve de passar pela morte, como todos nós. Para mostrar que a luz deste mundo não basta. Acender o fogo é bonito e simbólico, mas não chega.
Se essa luz não entrar no nosso coração, se não o aquecer, não serve de nada. A fé não é apenas para depois da morte. É agora que tudo se transforma.
O Jesus ressuscitado é o mesmo que passou por esta terra a fazer o bem, a curar os doentes, a ensinar. Ele veio criar um mundo novo no coração das pessoas. É este o caminho que nos liberta do mal.
E, por isso, daqui a pouco vamos celebrar o dom da Igreja: os nossos irmãos e irmãs, catecúmenos, que hoje professam a fé.
Foram momentos de descoberta, em que perceberam que o Senhor não os abandonou, mas está presente, e caminha com eles até ao fim. Por isso foram enviados ao mundo. E se nós estamos aqui hoje, é porque eles mudaram de mentalidade e compreenderam a lógica de Jesus: uma lógica nova.
Deixaram o medo. Abriram as portas. Ninguém sai para anunciar se não tiver esta certeza. Eles não anunciavam apenas para si — o que tinham vivido merecia ser comunicado ao mundo inteiro.
É por isso que os nossos irmãos e irmãs vão hoje ser baptizados. São frutos da mesma fé. E não é por parecer bem — é porque, a partir de agora, têm uma vida nova, que nunca mais acaba.
Mesmo quando chegar a hora de apagar a luz da vida na terra, essa vida nova permanece. Uma antiga liturgia do baptismo dizia: aquele que foi baptizado subia três degraus e escutava: “Se permaneceres fiel ao Espírito que recebeste, este é o primeiro dia da tua ressurreição.”
Pois bem, irmãos e irmãs: para vós, este é o primeiro dia da vossa ressurreição. Recebeis hoje uma vida que não acaba. A vida que se recebe no baptismo é a vida de filhos e filhas de Deus.
E é com esta vida que todos começamos, juntos, a caminhar. Vós, que hoje vos baptizais, estais a entrar nesta terra nova, que é a Igreja.
E não estais sós. Todos nós estamos convosco. Mas hoje, de modo especial, também um grupo de adultos se junta nesta preparação, redescobrindo a luz do seu próprio baptismo.
Vêm hoje professar a fé diante da Igreja, nesta noite santa. Porque, em todas as igrejas do mundo, começa agora o mesmo caminho. E a profissão de fé não é um sentimento vago.
É dizer: hoje recebo o Espírito que me liga aos meus irmãos e irmãs. E, por isso, estou aqui nesta casa nova — a casa do Pai — que não está em oposição à minha casa, ao meu marido, à minha mulher, aos meus filhos. Pelo contrário: inclui tudo isso.
Estamos todos juntos, porque em Cristo somos um só. Esta é a vida que recebemos.
É esta Igreja que procuramos renovar. E não é um favor que Deus vos faz. É um dom para ser posto ao serviço.
Juntos, testemunhamos que a vida vale a pena. E que não é só quando tudo corre bem que temos esperança.
Jesus não fugiu quando tudo correu mal. Ele sabia que, apesar do sofrimento e da angústia, o amor do Pai era maior.
É esta fé que somos chamados a viver. Vivam-na com gosto. Vivam-na com verdade. Não viestes aqui apenas para receber uma benção pessoal. Viestes para assumir a vossa vocação na Igreja. Do vosso coração nascerão coisas belas.
A Igreja precisa de todos: de bispos, de padres, de diáconos, de artistas, de servidores… o Espírito passará por vós. Deixem-no agir.
Sejam homens e mulheres de vida, de esperança, de alegria, de paz.
E não desanimem. O mundo precisa de vós. Deus precisa de vós.
Aos irmãos e irmãs que aqui estão de modo especial, a renovar o seu compromisso, e aos que iniciam hoje um novo serviço na Igreja, repito o que disse há dias: vivam o que anunciam.
Não finjam alegria e esperança. Vivam-na. E transmitam-na nas vossas famílias, nas vossas comunidades, nas vossas casas.
Porque os filhos e filhas da Igreja, hoje, têm de brilhar.
Não para se esconderem — porque a luz não é para esconder, é para brilhar. Que brilhe sempre no vosso coração, nas vossas atitudes, nas vossas acções.
Que brilhe sempre na presença do Senhor, que está vivo e que vos acompanha para sempre. Ámen.
Bispo de Leiria-Fátima, D. José Ornelas