Fica connosco, Senhor, porque se faz noite!
É talvez a primeira invocação espontânea de quem aqui sente a noite escura que pesa sobre o mundo, abatido por uma pandemia global; a invocação de quem vive uma noite escura da fé perante o aparente silêncio e ausência de Deus; a invocação de quem estremece e estranha esta noite tão diferente daquelas noites inigualáveis de 12 de maio – autênticos mares de luz – e que hoje mais parece um deserto semiescuro!
Quando no dia 5 de abril (sic) anunciei com o coração em lágrimas a realização desta peregrinação sem a presença física da multidão de peregrinos, acrescentei: Mesmo estando em nossas casas viveremos esse momento em espírito de peregrinação. O recinto do santuário estará vazio, mas não deserto. Ainda que separados fisicamente, estaremos todos aqui espiritualmente unidos como Igreja com Maria, de modo intenso, com o coração cheio de fé.
Sim, estais aqui todos os que nos seguis pelos mais diversos meios de comunicação com a luz e o calor acesos da fé que enche os vossos corações. Estão aqui os vossos corações, unidos em comunhão. A simbólica desta noite, completada com a da celebração de amanhã, permite percorrer a geografia espiritual que forma a multidão de devotos de Nossa Senhora de Fátima repartidos por todo o mundo: as 21 velas que hoje representam as dioceses de Portugal com o seu episcopado, aqui representado pelos metropolitas das três províncias eclesiásticas (o cardeal-patriarca de Lisboa, o arcebispo de Braga e o arcebispo de Évora); as mil velas que cintilam sobre o solo do recinto, a lembrar todos os peregrinos, os vivos e também os defuntos que foram vítimas da pandemia; e ainda um gesto que se vai realizar, de lava-pés a três peregrinos, símbolo do acolhimento com que o Santuário recebe e também do alívio das dores e das feridas que podem trazer; e amanhã o ramo de flores (dia 13), qual ramalhete espiritual do Apostolado Mundial de Fátima, oferecido a Nossa Senhora, a representar os nossos emigrantes e os peregrinos dos diversos continentes do mundo. E particularmente unido a nós está também um peregrino especial, o Santo Padre Papa Francisco, por cujas intenções queremos orar a Nossa Senhora.
Nesta hora de provação, não podíamos esquecer a representação de quem mais sofreu e continua a sofrer e dos que mais lutaram e lutam pela saúde de todos, para lhes comunicar a proximidade do nosso afeto e o apoio da nossa oração: os defuntos e seus familiares; os doentes; todos os profissionais de saúde, com a sua abnegação e dedicação, até pôr em risco a própria vida; todos os cuidadores; os idosos, os pobres, as famílias que cuidam ou que choram; os sacerdotes; os trabalhadores da proteção civil, dos transportes, da limpeza, da alimentação; os bombeiros e tantos outros que não se pouparam a sacrifícios, como bons samaritanos.
Fica connosco Senhor, porque se faz noite!
“À pandemia do vírus queremos responder com a universalidade da oração, da compaixão, da ternura. Permaneçamos unidos. Façamos sentir a nossa proximidade às pessoas mais provadas e necessitadas”, foi o apelo do Papa Francisco. A ele respondemos, num primeiro momento emocionante, que todos recordarão, com a consagração de Portugal ao Sagrado Coração de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria; e hoje respondemos com a oração do rosário, a oração dos momentos difíceis como Nossa Senhora aqui indicou: “Rezem o terço todos os dias para alcançar a paz para o mundo e o fim da guerra”.
Tendo meditado os mistérios dolorosos unimo-nos a toda a humanidade sofredora, evocada na leitura do profeta Isaías; confiamos as suas dores e todos os sofredores ao coração materno de Maria; pedimos-lhe que leve a todos a ternura e o conforto para superar esta provação como na sua visita a Isabel, na visita que lhe fez, e pedimos-lhe que também nós, com toda a nossa solidariedade, sejamos testemunhas de que “o Senhor salva os corações atribulados”.
Fica connosco, Senhor, porque se faz noite!
Sim, o Senhor fica connosco, faz-nos sentir a sua proximidade e a luz que ilumina a noite do mundo através da sua Mãe, que Ele nos entregou não só como Mãe das dores, mas também como Mãe da esperança, como estrela que orienta a navegação dos peregrinos da fé sobre o grande mar da história em direção ao porto da eternidade.
A nossa oração na Salve Rainha estende-se desde o grito (a Vós bradamos) até ao suspiro (a Vós suspiramos), voz que se estende desde este nosso exílio (o desterro), que invoca a sua presença (Eia, pois, Advogada nossa), quando a luz diminui e se faz noite.
Com a doçura de Maria no coração entremos tranquilos na noite com uma breve oração: “Santa Maria, Mãe de Deus, Mãe nossa, ensina-nos a crer, a esperar e a amar contigo. Estrela do mar, brilha sobre nós e guia-nos no nosso caminho” (Bento XVI) no mar da história! Amen.
Santuário de Fátima, 12 de maio de 2020.
D. António Marto, bispo de Leiria-Fátima