Homilia do Bispo de Leiria-Fátima na Missa Crismal

Presbitério em comunhão e ao serviço da comunhão

É um verdadeiro momento de graça este que nos é dado viver juntos nesta liturgia da Missa Crismal, verdadeira festa da unidade da Igreja diocesana reunida à volta do seu Pastor.

Nesta Quinta Feira Santa encontramo-nos recolhidos na nossa catedral para celebrar a Eucaristia em que se benzem os santos óleos dos catecúmenos, do crisma e dos enfermos.

Em Cristo, todos nós fomos consagrados com o óleo da unção e unidos numa comunhão que é mais forte do que todo o laço humano. É a comunhão de todo povo de Deus, que nos leva a exclamar com o salmista: “Vede como é bom e agradável viver unidos como irmãos: é como o óleo perfumado derramado sobre a cabeça, a escorrer pela barba de Aarão até à orla das suas vestes”(Sl 133, 1-2).

O óleo perfumado é o símbolo da força do Espírito, do perfume do amor e da santidade divina que Cristo derrama sobre a cabeça, o coração e os membros de todos os fiéis baptizados e crismados e os torna morada de Deus; o perfume de Cristo que inunda de amor a Igreja inteira e faz dela a Casa da Comunhão entre Deus e os homens e dos homens entre si.

Com este óleo são consagradas as mãos dos sacerdotes para oferecerem, em nome de Cristo, os dons da Palavra de Deus e dos Sacramentos da Graça que alimentam a comunhão do Povo de Deus. Por isso, hoje é o dia sacerdotal, por excelência.

Sacerdote como vós há trinta e oito anos e bispo no meio de vós há quase quatro, sinto este momento com o coração trepidante de emoção e de responsabilidade. Neste Ano Sacerdotal, em meu nome e no de toda a Diocese, quero expressar-vos o afecto e a estima do bispo e de todo o povo de Deus, agradecer-vos e encorajar-vos pelo precioso serviço que ofereceis à Diocese, pelo zelo que vos move no ministério, por todo o bem que fazeis. Não percais o ânimo neste momento doloroso em que pesa sobre nós o sofrimento e a vergonha por crimes hediondos de alguns sacerdotes e a suspeição generalizada resultante da exploração mediática de tais casos. O pecado de alguns não ofusca a abnegação e a fidelidade de que a imensa maioria dos sacerdotes e religiosos dá prova quotidiana e que as nossas comunidades testemunham e reconhecem. Coragem! Acolhamos o apelo à santidade de vida e à purificação da Igreja.

Apraz-me fazer ecoar aqui, nesta hora, as palavras do Cardeal Montini (futuro Papa Paulo VI) em 1957: “Quinta Feira Santa! É o nosso dia, como sabeis. Se não o comemoramos nós sacerdotes, quem o pode fazer mais dignamente? E se não nos encontramos neste dia, qual será outro dia mais propício? E se não o dizemos uns aos outros, como teremos plena consciência disto?”.

Hoje é dia de acção de graças pelo dom do sacerdócio e, em particular, por quantos, neste ano, comemoram os 25 ou 50 anos da sua ordenação, com quem nos congratulamos.

Lembramos também, com ânimo grato, aqueles que ao longo do ano nos deixaram para voltarem à casa eterna do Pai. E ainda os que, por motivo de doença ou outro, não puderam marcar presença.

A memória da nossa ordenação neste dia confirma e corrobora a nossa pertença ao único presbitério diocesano, como nossa segunda e verdadeira família.

Atendendo ao tema do Ano Pastoral quero oferecer-vos uma reflexão sobre “O presbitério em comunhão e ao serviço da comunhão”.

 

Fisionomia do presbitério-comunhão

O ministério apostólico é, antes de mais, um dom de Deus para o serviço do mistério de comunhão que constitui a Igreja e para ser realizado e vivido em comunhão, precisamente enquanto membros de um presbitério. Este rosto da Igreja passa, em grande parte, pelo rosto do nosso presbitério e ministério.

O presbitério não é uma mera categoria sociológica que designa a soma de todos os padres à disposição do bispo para as diversos cargos. É antes um corpo de ministros, em comunhão de graça e de missão, ao serviço de uma Igreja particular, que está junto do bispo e nele encontra o seu princípio de unidade. “Na sua verdade plena, o presbitério é um mistério, quer dizer, uma realidade sobrenatural porque radica no sacramento da Ordem. Este é a sua fonte e a sua origem. É o lugar do seu nascimento e do seu crescimento”(PDV 74).

Daqui resulta a sua fisionomia própria: “a de uma verdadeira família, de uma fraternidade, cujos laços não são da carne e do sangue, mas da graça da Ordem: uma graça que assume e eleva as relações humanas, psicológicas, afectivas e espirituais entre os sacerdotes; uma graça que se expande, penetra e se revela e concretiza nas mais variadas formas de ajuda recíproca”(PDV 74), espiritual e material, pastoral e pessoal, nas reuniões e na comunhão de vida, de trabalho e de caridade (cf LG 28).

Eis um programa de trabalho a desenvolver e pôr em prática! Ser bons padres individualmente, não faz automaticamente um bom presbitério.

A nova situação social do padre já não lhe possibilita viver num contexto familiar protector como outrora, nem encontrar sempre um acolhimento paroquial confortável e confortador. Isto pode gerar uma solidão institucional e um desamparo afectivo por vezes graves.

É necessário, pois, construir uma consciência de família sacerdotal dentro da qual cada sacerdote saiba e experimente que é alguém: acolhido, reconhecido e valorizado. Não se trata de restaurar um “corporativismo clerical”, mas de reavivar uma fraternidade que ajude cada um a viver com aquela confiança, dignidade humana e espiritual e brio intelectual, que são necessários para a missão evangelizadora.

Esta fraternidade brota da paixão interior pelo mesmo dom recebido, pelo mesmo ideal comungado, pela mesma missão partilhada.

 

A gramática da comunhão: implicações e aplicações

A comunhão presbiteral não é espontânea e nem sempre é fácil. Não se impõe por decreto; é necessário construí-la juntos. Requer conversão espiritual e elaboração de uma gramática da comunhão para a pôr em prática.

Em primeiro lugar, somos chamados a cultivar, com amor paciente e generoso, relações pessoais verdadeiramente genuínas, de respeito, de estima e atenção recíprocas, de delicadeza, de confiança mútua, de conhecimento e diálogo entre as diversas gerações e sensibilidades, capazes de eliminar a suspeita, a inveja e o distanciamento, tão inúteis como prejudiciais.

Em segundo lugar, somos chamados a realizar a comunhão na missão, isto é, a partilhar intenções e projectos pastorais no trabalho em equipa. Para isso são necessárias algumas atitudes e disposições humanas e espirituais: a participação interessada nas reuniões, a liberdade de uma escuta sem preconceitos, a franqueza para exprimir o próprio pensamento, o discernimento pastoral capaz de enuclear o bem comum e possível, a disponibilidade para assumir tarefas, a decisão sincera de acolher e ser fiel aos critérios pastorais e às decisões elaborados e tomados em conjunto para o serviço do Evangelho. Neste aspecto, a vigararia deve ser um lugar fundamental de referência como espelho de comunhão entre os padres e entre as paróquias. Lembro aqui o provérbio africano: “Se queres ir depressa, corre sozinho; se queres chegar longe, caminha com os outros”.

Outro aspecto fundamental é a comunicação da fé e na fé entre os presbíteros. O presbitério não se torna lugar de fraternidade sacramental onde não se privilegiam as relações de fé ao serviço do ministério. De outro modo, as reuniões do clero podem assemelhar-se a assembleias empresariais, lugares para fazer funcionar a empresa, espaço para distribuição de encargos.

A capacidade de partilhar a fé é o princípio de todo o bom trabalho em comum. Esta partilha realiza-se na oração em conjunto, na lectio divina partilhada, na preparação da homilia em grupo e de iniciativas pastorais, nos momentos fraternos de convivialidade, na coragem humilde da correcção fraterna…

Para alcançar os objectivos da comunhão é ainda necessária uma autêntica ascese ou disciplina em ordem a combater e eliminar os modos de pensar e os comportamentos que a impedem ou destroem.

Antes de mais, é preciso vigiar perante algumas tentações que podem afectar ou desagregar esta comunhão: o isolamento do “orgulhosamente só” ( eu faço sozinho e por minha conta); o espírito de indiferença (que me importa os outros?); a atitude de auto-suficiência (não preciso dos outros para nada); o narcisismo de quem põe o “ego” no centro de tudo; e o neoclericalismo derivado da sede de protagonismo ou da fragilidade da personalidade.

Alem disso, é aconselhável uma “regra de vida “ pessoal que torne possível um estilo de vida saudável e ordenada com método de trabalho e disciplina.

 

Ao serviço da comunhão na comunidade cristã

A comunhão no presbitério está ao serviço da comunhão eclesial que é mais vasta. Com efeito, o ministério é para a comunidade. Esta é o lugar normal da comunhão do presbítero com os fiéis e onde é chamado a ser o “pivot” da comunhão em todas as dimensões.

“O padre deve ser um homem de comunhão, aberto a todos, capaz de fazer caminhar na unidade todo o rebanho que a bondade do Senhor lhe confiou, ajudando-o a superar as divisões, a reconciliar as roturas, a aplanar os contrastes e as incompreensões, a perdoar as ofensas”(Bento XVI).

O serviço da comunhão leva o padre também a promover a corresponsabilidade, suscitando colaborações, valorizando e integrando os diversos carismas, serviços e ministérios para a edificação da comunidade.

 

Testemunho da comunhão e promoção vocacional

Tudo isto assume um relevo particular na promoção vocacional. Nenhum jovem poderá sentir um chamamento se os seus olhos não contemplam na vida fraterna dos padres e das comunidades algum vestígio da beleza do Senhor e do sacerdócio, capaz de reunir os irmãos e alimentar a comunhão.

“Se os jovens vêem padres isolados e tristes, não se sentem certamente encorajados a seguir o seu exemplo. Ficam perplexos se são levados a pensar que é este o futuro do padre. É importante pois realizar a comunhão de vida que lhes revele a beleza do sacerdócio. Então o jovem dirá: “Este pode ser um futuro também para mim; assim, pode-se viver”(Bento XVI).

Concluindo, o futuro da Igreja passa através da comunhão autêntica a todos os níveis. Nela está a força da missão mesmo quando as estruturas são pobres e débeis. Um presbitério em comunhão é um reflexo da beleza de Deus-Amor Trinitário e da Igreja-Comunhão!

Renovando agora as nossas promessas de fidelidade a Cristo e à Igreja peçamos por intercessão da Virgem Mãe e do Santo Cura d’Ars: “Senhor, aceita-nos como somos e ajuda-nos a ser como Tu nos desejas”(João Paulo I)! Ámen! Aleluia!

† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima

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