Homilia do bispo de Leiria-Fátima na celebração da Paixão de Cristo

Foto: Diocese Leiria-Fátima/Paulo Adriano

Celebramos hoje em tom menor, de silêncio, como começou esta celebração e como também a terminaremos. Silêncio não quer dizer simplesmente que seja um tom menor aquilo que fazemos e celebramos. O silêncio significa que aquilo que celebrámos hoje, e que acabámos de escutar na Escritura, só se pode entender quando paramos — e fazemos parar também os nossos processos mentais — para deixar espaço a outros pensamentos, a outros projectos, a outras maneiras de pensar e de avaliar, que possam encontrar lugar no nosso coração e na nossa vida.

Porque, tantas vezes, somos levados pela corrente da vida. E, sobretudo hoje, com os meios de comunicação que temos, estamos constantemente a ser solicitados e influenciados por tudo aquilo que nos chega. A palavra de hoje não é dessas. É uma palavra para a qual não temos, à partida, sentido.

Como explicar um desastre natural, um terramoto em que morrem centenas ou milhares de pessoas? Como explicar a morte de um parente querido? De um pai, de um filho, de uma filha?

Não chega o barulho. Não chega a lógica habitual. Precisamos de procurar outra. E estas leituras de hoje são ricas de sugestões.

Todas elas. Mas vou comentar apenas um pouco da leitura da Paixão, salientando alguns pontos. Todos conhecemos um pouco a vida de Jesus: o que foi, o que foram estes últimos dias.

Jesus sabia e estava consciente do que se passava. Podia ter fugido. Quando foram ao seu encontro no jardim das Oliveiras, bastava uma pequena corrida. Um homem de trinta anos subiria o monte em poucos passos, entrava no deserto e nem exércitos o encontrariam.

Mas Jesus não é homem de fugir aos desafios. E há aquele cálice que diz ter de beber, aquele cálice que Ele pedira que lhe fosse afastado. Como diz a carta aos Hebreus, ofereceu com sofrimento e lágrimas súplicas àquele que o podia livrar da morte, e foi escutado.

Como foi escutado, se acabou aniquilado pelos seus inimigos? Porque o caminho de Deus era esse. Não porque Deus quisesse o sofrimento de Jesus, mas porque o que Deus queria era que Ele realizasse o seu projecto. E esse projecto cumpriu-se. A última palavra de Jesus é: «Tudo está consumado».

O que o Pai lhe tinha dado a fazer — dar testemunho da vida, cuidar dos que precisavam, cuidar dos discípulos, semear e plantar a Igreja, fazer algo de novo, sobretudo dar o Espírito —, foi isso que Ele fez. Por isso não fugiu.

E ao não fugir, entra na lógica deste mundo. Também na lógica daqueles que sempre lhe manifestaram oposição. E entra, tantas vezes, no mundo confuso da mentalidade dos próprios discípulos, que ainda não tinham interiorizado o caminho novo que Ele viera trazer.

Ele tinha-os avisado. Mas mostraram-se fortes. Pedro disse: «Ainda que todos te abandonem, eu estarei contigo.»

Foi isso que se passou no jardim das Oliveiras. Pedro estava convencido de que se aproximava uma hora decisiva. E era isso que esperavam: que Jesus subisse, tomasse o poder em Jerusalém e eles seriam ministros. Ia formar-se o Reino dos Bons, os prefeitos do novo tempo.

Mas Deus não vem por esse caminho. E isso vê-se logo a seguir.

Pedro faz o que pode, o que sabe. Jesus tinha-lhes dito que não era pela violência que se haveria de construir este Reino. Mas Pedro leva consigo a espada. Escondida. E tira-a para começar a revolta, a defesa de Jesus.

E Jesus diz-lhe: «Pedro, esse não é o caminho.» Se Jesus morre, é precisamente porque exclui a via da violência.

Como diz outro evangelista, quando Pedro puxa da espada, Jesus diz-lhe: «Se fosse esse o projecto, eu pediria uma legião de anjos que viria destruir os meus inimigos todos.» Mas Deus não tem inimigos. Não quer acabar com ninguém. Para Deus, todos são filhos — também aqueles que matam.

E por isso essa lógica não pode ser a nossa. Jesus, porque tem o projecto do Pai, não o abandona. E mesmo que esse projecto encontre inimigos, dificuldades, mesmo que o queiram matar, Jesus não desiste. E não entra na via da violência para resistir, não entra em conflito com as armas dos seus adversários. A única coisa que Ele faz é pagar Ele mesmo as despesas do mundo novo que quer trazer.

Como um pai ou uma mãe que vê um filho numa casa a arder: arriscam a vida — e tantas vezes a perdem — para salvar esse filho. Não é o sofrimento que salva. É o amor. Porque se não houvesse amor, nem sequer entrariam lá dentro.

Por isso, a razão de ser de tudo o que ouvimos está bem expressa por São João, quando começa a narrar a Paixão, no capítulo 13: «Tendo amado os seus que estavam no mundo, levou até ao extremo o seu amor por eles.» E qual é o extremo? Ele próprio diz: «Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos.»

É isso que dá sentido ao comportamento e à atitude de Jesus. Um amor fiel. Não um amor de violinos, mas um amor de atitudes, de fidelidade, de constância, de disponibilidade para amar até ao fim.

É esse o jardim das Oliveiras. Pedro tenta resistir, mas Jesus diz-lhe: «Pedro, esse não é o caminho. Definitivamente, esse não é o caminho.»

E quem segue Jesus tem de saber: não é pelas armas que se resolvem os conflitos. A guerra só traz destruição. Sofrem os soldados, sofrem sobretudo os mais pobres, os inocentes, as crianças, gente que não quis esta guerra e que se torna vítima dela.

E a violência não existe só entre nações. Também não se resolve com violência aquilo que acontece nas nossas casas. E é dramático que, no lugar onde devia haver carinho, respeito, atenção, cuidado, seja onde se vive a violência mais dramática: a violência doméstica, o abuso de menores, e tudo o mais que surge quando o amor desaparece. Pedro mete a espada na bainha.

Depois, esgotaram-se as suas soluções. Jesus foi preso. Eles foram apanhados de surpresa. Queriam organizar uma defesa, talvez uma revolução. Mas não conseguiram.

E de novo, prevaleceram os grandes. Jesus é levado ao tribunal. Diz-se que um discípulo chegou a entrar lá dentro. Pedro também quis seguir Jesus, mas quando percebeu que podia sofrer o mesmo destino, recuou. «Tu estavas com ele», disseram-lhe. «Não, não, não!» — responde ele.

Três vezes o nega. Começa a praguejar: «Não o conheço!» E no entanto, este é o homem que Jesus escolheu para presidir à Igreja.

Não há homens melhores. Há homens com fraquezas. E Pedro tinha as suas. Jesus não foi infiel a Pedro. E Pedro, depois de o negar, saiu e chorou amargamente — dizem os evangelhos sinóticos.

Chorou, desiludido com aquilo que era, com aquilo que queria ser. Ele amava Jesus. Tinha deixado tudo para o seguir. E agora, negava-o. Mas era preciso que passasse por isto para entender que, se foi escolhido para ser o primeiro, não foi por ser o melhor, mas porque Deus teve compaixão dele, apesar das suas fraquezas.

É importante que cada um e cada uma de nós saiba isto: por maiores que sejam as nossas quedas e infidelidades, Ele é o Pai cuja misericórdia é sempre maior. É assim que começa o segredo desta noite e o silêncio desta tarde.

A seguir, Jesus é levado a Pilatos. Os judeus não podiam executar ninguém. E então fazem chantagem com Pilatos. Dão-lhe a entender que se não tomar uma decisão, vão denunciá-lo ao imperador.

Pilatos tenta. Tenta soltar Jesus. Tem um medo terrível da multidão, e por isso propõe: «Temos este costume. Posso soltar um prisioneiro. Há este Jesus de Nazaré… e há um homem perigoso, chamado Barrabás.»

Mas Barrabás foi o escolhido. E a multidão, com medo dos chefes, grita: «Crucifica-o! Crucifica-o!»

Pilatos ainda tenta, mas lava as mãos. Não é assim que se lava a responsabilidade. O sangue de Jesus ficará sobre ele também, porque não teve coragem.

A mulher, talvez mais atenta ao lado da fé, diz-lhe: «Não te metas com esse justo!» Mas Pilatos escuta o povo. E, como tantos outros ao longo da história, para salvar a pele, não se compromete.

Jesus é entregue. Foi preso, amarrado. Era o Filho de Deus. E quem o levou foi a guarda romana. Um grupo de soldados, como aqueles que ainda hoje ocupam as cidades em guerra.

Despem-no. Rasgam-lhe a roupa. Batem-lhe. Escarram-lhe. Põem-lhe uma coroa de espinhos. Zombam dele.

Era o Filho de Deus. Que nada fez de mal. Que só fez o bem. Mas é tratado como um criminoso. E eles pensavam estar a cumprir ordens.

É verdade. Obedeciam a ordens. Mas também a nossa obediência deve ter limites. Quando vai contra a dignidade da pessoa, ninguém é obrigado a obedecer.

Depois, a cruz. Fazem-no carregar a cruz. Não era habitual. Mas talvez quisessem mais humilhação para Ele.

E Jesus carrega a cruz. Já quase sem forças. Por isso obrigam um homem a ajudar, Simão de Cirene.

E há uma mulher que limpa o rosto a Jesus. Chama-se Verónica. O seu gesto é simples, mas cheio de ternura. Ela não podia mudar o mundo, mas podia fazer aquilo.

E então chegou o Calvário. Era ali o lugar das execuções. Um lugar de morte. Um lugar de terror. E Jesus é crucificado entre dois ladrões.

Mas mesmo na cruz, continua a amar. Perdoa aos que o matam: «Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.» Promete o Paraíso ao ladrão arrependido. Entrega a sua Mãe ao discípulo amado. E entrega-Se totalmente ao Pai: «Em tuas mãos entrego o meu espírito.»

Não grita contra Deus. Não amaldiçoa ninguém. Não se vinga. Não tem ódio. Só amor. Até ao fim.

E morre. E o centurião romano, que estava ali de serviço, ao vê-lo morrer assim, diz: «Este era, de facto, o Filho de Deus.»

Sim, aquele homem crucificado é o Filho de Deus. E é por isso que a cruz não é o fim. É o começo de algo novo.

Não é a derrota. É a vitória. Porque a morte foi vencida pelo amor. E o amor é mais forte do que a morte.

Por isso hoje, nesta tarde silenciosa, inclinamos a cabeça. Não para chorar um morto. Mas para reconhecer aquele que, com a sua vida, nos ensinou a viver. E que, com a sua morte, nos abriu as portas da vida eterna.

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