Homilia do bispo de Lamego na Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus e 52.º Dia Mundial da Paz

Fazer como Maria, a Senhora deste dia

  1. Amados irmãos e irmãs. Aqui estamos, oito dias depois do Natal do Senhor e ainda alumiados por aquela Luz intensa e aquecidos por aquele Lume novo, a celebrar a Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, a quem dedicamos o Primeiro Dia do Novo Ano Civil de 2019. Este luminoso Dia, primeiro de janeiro e do ano inteiro, que dedicamos a Santa Maria, Mãe de Deus, é também o tradicional Dia de «Ano Bom», a que anda associado, desde 1968, o Dia Mundial da Paz.

 

  1. Portanto, contas acertadas, este é já o 52.º Dia Mundial da Paz, e a figura que enche este Dia, e que é a causa da nossa Alegria, é a figura de Maria, na sua fisionomia mais alta, a de Mãe de Deus, como foi solenemente proclamada no Concílio de Éfeso, no ano 431, mas já assim luminosamente desenhada nas páginas do Novo Testamento.

 

  1. É assim que a encontramos no Lecionário de hoje. Desde logo naquela menção sóbria com que Paulo se refere à Mãe de Jesus, escrevendo aos Gálatas: «Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher, nascido sujeito à Lei» (4,4). Nesta linha breve e densa aparece compendiado o mistério da Incarnação, ao mesmo tempo que se sente já pulsar o coração da Mariologia: Maria não é grande em si mesma; é, na verdade, uma «mulher», verdadeiramente nossa irmã na sua condição de humana criatura. Não é grande em si mesma, mas é grande por ser a Mãe do Filho de Deus, e é aqui que ela nos ultrapassa, imaculada por graça, bem-aventurada e bem-aventurança, nossa mãe na fé e na esperança. Maria não é grande em si mesma; vem-lhe de Deus essa grandeza.

 

  1. Sim, amados irmãos e irmãs, é de Deus que nos vem o Verbo feito carne, e tudo o que a Ele diz respeito, pois foi d’Ele que falaram os Profetas, é d’Ele que falam os pastores, é d’Ele que falam Simeão e Ana e todos os Apóstolos, e tem de ser d’Ele que falamos nós também, a exemplo de Maria, a Senhora deste Dia, que guardava e compunha no seu coração filial e maternal, com extremosa atenção e desvelo, como quem guarda um tesouro ou uma coisa preciosa, como quem compõe um Poema, uma Sinfonia, e se entretém a vida toda a trautear essa melodia, e a conjugar novos acordes de alegria (cf. Lucas 2,16-21).

 

  1. Esta solicitude maternal de Maria, habitada por esta imensa melodia que nos vem de Deus e nos reconcilia e enche de alegria, levou o Santo Papa Paulo VI, a associar, desde 1968, à Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, a celebração do Dia Mundial da Paz. Hoje é já o 52.º Dia Mundial da Paz que se celebra, e o Papa Francisco apôs-lhe o tema «A boa política está ao serviço da paz». Que é como quem diz: há sete biliões de rostos belos para amar, mas também há sete biliões de solidões para embalar, e sete biliões de egoísmos alérgicos para curar. Claro que compete aos políticos de profissão criar as melhores condições para transformar este mundo, mas compete igualmente a cada cidadão assumir a sua responsabilidade, traduzida em gestos e palavras, para que o nosso mundo belo, que se vai atolando no lodaçal da indiferença, possa sorrir e erguer-se em terreno firme e sólido, solidário e fraterno.

 

  1. Não nos quedemos a pensar que isto da boa política é um recado para os políticos. Boa política é a missão que Deus confiou a cada ser humano de velar pela sua criação, e de a transformar em mundo bom, e, se porventura já o consideramos bom, nem por isso ficamos sem trabalho, pois nos compete ainda trabalhar para o transformar em mundo demasiado bom! Significa isto, amados irmãos e irmãs, que nos compete sempre viver o bem e a bondade, e que nunca nos podemos limitar a assobiar para o lado, ou a articular gestos e palavras de crítica azeda e estéril, porque pensamos que alguém devia fazer alguma coisa, e não faz. Basta-nos o bem. Só o sabor do bem faz bem. Devemos, pois, saber compor no coração e ter nos lábios boas notícias, ao mesmo tempo que devemos evitar a comida azeda, que azeda o coração e a vida e faz mal à saúde. Às vezes, em certas circunstâncias, pode ser necessário recorrer à crítica direta e construtiva. A Escritura está cheia de requisitórios na boca dos profetas, dos salmistas, de Jesus. Mas nenhum deles deixou que o gosto da acusação se apegasse a eles. De facto, esse não é o lugar verdadeiro do bem, o seu lugar final. O lugar do acusador é o lugar do perdedor, como refere o Livro do Apocalipse: «Foi expulso o acusador dos nossos irmãos» (12,10). É, sem dúvida, por vezes, melhor acusar do que calar, sobretudo quando se trata de uma cólera verdadeira, que limpa a atmosfera e se esquece de seguida. Mas escolher, por norma, o lugar do acusador é escolher cair na armadilha dos malvados, cedendo ao mecanismo do mal.

 

  1. É, pois, oportuno, neste Dia Mundial da Paz, que nós, cristãos, nos perguntemos se é o bem que nos habita, e se é o bem que transborda de nós. Não vale a pena querer tirar o argueiro dos olhos dos outros, se temos uma trave a barrar o nosso olhar.

 

  1. De Deus vem sempre um mundo novo, belo, maravilhoso. Tão novo, belo e maravilhoso, que nos cega, a nós que vamos arrastando os olhos cansados pela lama. Que o nosso Deus faça chegar até nós tempo e modo para ouvir outra vez a extraordinária bênção sacerdotal, que o Livro dos Números guarda na sua forma tripartida: «O Senhor te abençoe e te guarde./ O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te seja favorável./ O Senhor dirija para ti o seu olhar e te conceda a paz» (Números 6,24-26).

 

  1. Que seja, e pode ser, Deus o quer, e nós também podemos querer, um Ano Bom, cheio de Paz, de Pão e de Amor, para todos os irmãos que Deus nos deu! E que Santa Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe, nos abençoe também.

 

Que Deus nos abençoe e nos guarde,

Que nos acompanhe, nos acorde e nos incomode,

Que os nossos pés calcorreiem as montanhas,

Cheios de amor, de paz e de alegria,

Que a tua Palavra nos arda nas entranhas,

E nos ponha no caminho de Maria.

O amor verdadeiro está lá sempre primeiro.

O fiat que disseste, Maria, é de quem se fia

Num amor maior do que um letreiro.

Vela por nós, Maria, em cada dia

Deste ano inteiro,

Para que levemos a cada enfermaria,

A cada periferia,

Um amor como o teu, primeiro e verdadeiro.

 

 

Igreja Catedral de Lamego, 1 de janeiro de 2019, Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, e 52.º Dia Mundial da Paz.

(D. António Couto, bispo de Lamego)

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