Homilia do bispo de Lamego na Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus

Fazer como Maria, a Senhora deste dia

  1. Amados irmãos e irmãs. Aqui estamos, oito dias depois do Natal do Senhor e ainda alumiados por aquela Luz intensa e aquecidos por aquele Lume novo, a celebrar a Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, a quem dedicamos o Primeiro Dia do Novo Ano Civil de 2021. Este luminoso Dia, primeiro de janeiro e do ano inteiro, que dedicamos a Santa Maria, Mãe de Deus, é também o tradicional Dia de «Ano Bom», a que anda associado, desde 1968, o Dia Mundial da Paz.

 

  1. Portanto, contas acertadas, este é já o 54.º Dia Mundial da Paz, e a figura que enche este Dia, e que é a causa da nossa Alegria, é a figura de Maria, na sua fisionomia mais alta, a de Mãe de Deus, como foi solenemente proclamada no Concílio de Éfeso, no ano 431, mas já assim luminosamente desenhada nas páginas do Novo Testamento.

 

  1. É assim que a encontramos no Lecionário de hoje. Desde logo naquela menção sóbria com que Paulo se refere à Mãe de Jesus, escrevendo aos Gálatas: «Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sujeito à Lei» (4,4). Nesta linha breve e densa aparece compendiado o mistério da Incarnação, ao mesmo tempo que se sente já pulsar o coração da Mariologia: Maria não é grande em si mesma; é, na verdade, uma «mulher», verdadeiramente nossa irmã na sua condição de humana criatura. Não é grande em si mesma, mas é grande por ser a Mãe do Filho de Deus, e é aqui que ela nos ultrapassa, imaculada por graça, bem-aventurada e bem-aventurança, nossa mãe na fé e na esperança. Maria não é grande em si mesma; vem-lhe de Deus essa grandeza.

 

  1. Sim, amados irmãos e irmãs, é de Deus que nos vem o Verbo feito carne, e tudo o que a Ele diz respeito, pois foi d’Ele que falaram os Profetas, é d’Ele que falam os pastores, é d’Ele que falam Simeão e Ana e todos os Apóstolos, e tem de ser d’Ele que falamos nós também, a exemplo de Maria, a Senhora deste Dia, que guardava e compunha tudo o que se dizia acerca de Jesus no seu coração filial e maternal, com extremosa atenção e desvelo, como quem guarda um tesouro ou uma coisa preciosa, como quem compõe um Poema, uma Sinfonia, e se entretém a vida toda a trautear essa melodia, e a conjugar novos acordes de alegria (cf. Lucas 2,16-21).

 

  1. Esta solicitude maternal de Maria, habitada por esta imensa melodia que nos vem de Deus e nos reconcilia e enche de alegria, levou o Santo Papa Paulo VI, a associar, desde 1968, à Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, a celebração do Dia Mundial da Paz, que perfaz Hoje a sua 54.ª edição. O Papa Francisco deu à sua Mensagem para este Dia da Paz e de Maria o título oportuno e significativo de «A cultura do cuidado como percurso de paz». Com este recado, o Papa desenha uma vez mais diante de todos os homens e mulheres de boa vontade o cenário do mundo de que somos nós hoje os habitantes, e de que devemos ser também os cuidadores. Muitos dos diversificados grupos de homens e mulheres, nossos irmãos e irmãs, que hoje se movimentam no mundo, fazem-no fugindo de situações de guerra, de doença, de fome e de miséria, e vão em busca da paz e da dignidade humana. Nós sabemos que a paz não é a paz romana, assente no poder das armas, nem a paz do judaísmo palestinense, assente nos acordos entre as partes. Na verdade, nem reparamos que é um contrassenso combater pela Paz, e quando nos sentamos a fazer acordos de Paz, é porque já antes perdemos a razão. A paz é primeira, porque é um Dom de Deus para todo o ser humano que vem a este mundo. Portanto, num mundo tantas vezes às avessas, o Papa exorta-nos a promover a cultura do cuidado para erradicar a cultura da indiferença, do descarte e da violência, sendo que em muitas regiões e comunidades já não se sabe sequer o que é viver em paz e sossego, parecendo mesmo que as guerras e conflitos são o estado normal das coisas.

 

  1. A Paz é um dom de Deus. E de Deus vem sempre um mundo novo, belo, maravilhoso. Tão novo, belo e maravilhoso, que nos cega, a nós que vamos arrastando os olhos cansados pela lama. Que o nosso Deus faça chegar até nós tempo e modo para ouvir outra vez a extraordinária bênção sacerdotal, que o Livro dos Números guarda na sua forma tripartida: «O Senhor te abençoe e te guarde./ O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te seja favorável./ O Senhor dirija para ti o seu olhar e te conceda a paz» (Números 6,24-26). Inunda-nos Hoje esta torrente de bênção, portanto, de Bem, que vem de Deus, que quis partilhar connosco a sua omnipotência. Por isso nos criou livres, inteligentes, voluntariosos e responsáveis, para sabermos produzir vacinas e cuidar melhor deste belo mundo com um olhar carinhoso e um coração filial e fraternal.

 

  1. Que seja, e pode ser, Deus o quer, e nós também podemos querer, um Ano Bom, cheio de Paz, de Pão, de Amor e de Saúde, para todos os irmãos e irmãs que Deus nos deu! E que Santa Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe, nos abençoe também. Amém.

 

 

Igreja Catedral de Lamego, 1 de janeiro de 2021, Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, e 54.º Dia Mundial da Paz.

D. António Couto, bispo de Lamego

 

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