Encontramo-nos como comunidade de baptizados a celebrar a Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo. Poderemos afirmar que a Liturgia que estamos a viver aqui e agora deverá ser a expressão do belíssimo hino cristológico da Carta aos colossenses, ouvido na segunda leitura, admirável síntese dogmática da doutrina sobre o Verbo Incarnado, imagem de Deus invisível, Primogénito de toda a criatura, Cabeça da Igreja que é o Seu Corpo, por quem foram reconciliadas consigo todas as coisas, estabelecendo a paz pelo sangue da Sua Cruz, com todas as criaturas a terra e nos céus.
É o último Domingo do ano litúrgico, em que a Palavra de Deus nos convida a reflectir sobre a realeza de Jesus, a procurar sobretudo compreendê-la devidamente, sem a confundir com os paradigmas da realeza terrena, onde predomina o domínio e a autoridade. O reino de Jesus, como Ele o afirma, não é deste mundo, e a sua expressão é amor, serviço, dom de si mesmo, compreensão, tolerância e perdão. É um reino de Justiça, de verdade e de paz. Esta paz, com tanto afã procurada nas cimeiras internacionais, como a da Nato em Lisboa, e com cujos resultados todos nos congratulamos, só pode ser conseguida se derivar dos outros dois princípios que caracterizam o reino: a justiça e a verdade. O próprio reino de David a que a primeira leitura se refere, figura do reino messiânico, e que é apresentado como um reino exemplar de prosperidade, paz e felicidade, não esteve isento da realidade da intriga e luta pelo poder, da violência, da corrupção e da injustiça. O trono do Senhor é a Cruz levantada no alto do Calvário, tão expressivamente sublinhado e decorado com o diálogo entre os três condenados que o evangelho referiu há momentos e que revela eloquentemente o espírito que preside a esta soberania: a magnanimidade do perdão oferecido ao bom ladrão que se apercebe pela fé da realeza divina de Jesus, em contraste com a sua miséria e a sua culpa, perdão oferecido a quem quer que seja, nas mesmas circunstâncias, sem exclusão de ninguém.
Como membros deste reino, e discípulos deste Rei, a nossa cidadania cristã tem de traduzir-se em gestos de coerência que têm como modelo o Lava-pés de Jesus antes da última Ceia. Compreendeis o que vos fiz? Chamais-Me Mestre e Senhor, e dizeis bem porque o sou. Se eu, que sou o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós os deveis lavar uns aos outros. Dei-vos o exemplo para que, como eu fiz, façais vós também. Actualíssimo e oportuníssimo programa, na situação concreta de crise e de pobreza que já experimentamos.
A este propósito, chamo a vossa atenção para a operação 10 milhões de estrelas – um gesto de paz, que na nossa Diocese os serviços da Caritas vêm realizando de há anos para cá. No presente ano terá igualmente lugar, destinando-se o rendimento monetário à Instituição que a nível nacional vai ser beneficiada, uma escola de S. Tomé e Príncipe; mas também ao lançamento e criação dum Fundo Solidário Diocesano que possa responder aos pedidos que chegam à Caritas, cada vez mais urgentes e frequentes. Recomendo com o todo o empenho esta iniciativa que, estou convencido, não deixará indiferente nenhuma das nossas paróquias.
Mas, na Diocese de Lamego, o Domingo de Cristo-Rei, o imediato a seguir ao aniversário da Dedicação da Catedral, é por decisão tomada há vários anos, o Dia da Igreja Diocesana. Congregamo-nos para tornar mais consciente a realidade de sermos membros dum Povo, mais do que simples parcela da Igreja universal, pedras vivas da Diocese, em cuja vida e missão a participação dos fiéis encontra a sua expressão primeira. Recordamos uma vez mais a Exortação Apostólica Christi Fideles Laici, do Servo de Deus, João Paulo II, onde pode ler-se uma citação do Concílio de Florença que diz: “Regenerados como filhos no Filho, os baptizados são inseparavelmente membros de Cristo e membros do Corpo da Igreja”; e que a seguir afirma: “A missão salvífica da Igreja no mundo realiza-se não só pelos ministros que o são em virtude do sacramento da Ordem, mas também por todos os fiéis leigos que por força da sua condição baptismal e da sua vocação específica na medida de cada um, participam no múnus sacerdotal, profético e real de Cristo. Assim é absolutamente necessário que cada fiel tenha sempre viva a consciência de ser um membro da Igreja a quem se confia um encargo original, insubstituível e indelegável que deverá desempenhar para o bem de todos.”
É esta consciência comunitária que agora pedimos ao Senhor na Eucaristia.
“A comunhão eclesial, já presente e operante na acção do indivíduo, encontra uma expressão específica no operar associado dos fiéis leigos, isto é, na acção solidária que eles desenvolvem ao participar responsavelmente na vida e na missão da Igreja”. Repito por isso o que afirmei há dez anos, na homília da primeira celebração deste dia, como bispo de Lamego: O Dia da Igreja Diocesana é a ocasião oportuna para que todos quantos trabalham nas comunidades paroquiais, ligados ou não aos vários movimentos e associações, expressem publicamente a disposição dum empenhamento solidário e corresponsável, ao longo do ano pastoral que se inicia.
Neste pensamento se fundamenta a reflexão que nos ocupou hoje de manhã e no princípio da tarde, ligada ao plano pastoral que vai orientar-nos nos próximos meses, e nos insere no dinamismo que movimenta a Igreja de Portugal, a repensar juntos a pastoral da Igreja em Portugal. Partiremos daqui, depois da Bênção no final da Eucaristia que estamos a viver, como mandatados, para, com a sensibilidade que recebemos, provocarmos a reflexão das nossas comunidades e dos nossos movimentos, de modo a concretizarmos com a maior abrangência possível e com eficiência, o itinerário sinodal que nos é proposto.
Se Deus quiser, no próximo Sábado, no início do Advento, comungando desta forma as preocupações de Sua Santidade Bento XVI, “consciente dos perigos que hoje ameaçam a vida humana, por causa da cultura relativista que obscurece a percepção da dignidade da pessoa”, presidirei na Igreja de S. Francisco às 21,30, a uma Vigília de oração pela vida nascente. Convido as demais paróquias da Diocese a que o façam também. Com a recitação de Vésperas, ou seguindo outro esquema, e a adoração eucarística, em sintonia com as igrejas particulares unidas ao Santo Padre, queremos ser o povo da vida, “agradecendo ao Senhor que através do dom de Si, deu sentido e valor a toda a vida humana, e também para invocar a Sua protecção sobre cada ser humano”.
À Senhora da Assunção, titular da nossa Catedral, confiamos o trabalho apostólico que nos propomos realizar e pedimos-lhe a Sua solicitude de Mãe, para que, ao longo do ano pastoral, nos mantenhamos humildemente comprometidos, perseverantes sem desfalecimento e apóstolos sempre em comunhão.
D. Jacinto Botelho, Bispo de Lamego