Homilia do bispo de Coimbra no encontro com as Santas Casas da Misericórdia da diocese

Senhor Governador Civil

Senhor Presidente da Câmara Municipal de Coimbra

Senhor Professor Doutor representante da Universidade de Coimbra

(Permita-se-me a distinção:)

Senhor Presidente do Secretariado Regional de Coimbra da União das Misericórdias a quem devo esta celebração

Senhores Presidentes dos Secretariados Regionais de Aveiro, Viseu, Leiria e Santarém

Senhor Presidente do Secretariado Nacional da União das Misericórdias Portuguesas

Senhores Provedores, Mesários e Dirigentes dos Órgãos Sociais das Misericórdias da nossa Diocese

(Permita-se-me de novo a distinção:)

E da Misericórdia de Manteigas, minha terra natal

Exmas Autoridades civis, académicas e outras individualidades aqui presentes

Irmãos

 

É de acção de graças esta nossa celebração. A palavra que usamos para a anunciar claramente o recorda: Celebramos “Eucaristia”, que o mesmo é dizer “damos graças”.

Efectivamente, queremos agradecer a Deus antes de mais a verdade e a certeza em nós do que agora ouvimos: “O que fizestes ao mais pequeno dos meus irmãos, foi a Mim que o fizestes”.

A velha sabedoria grega tinha-nos deixado como regra de oiro: “Não faças ao outro o que não queres que te façam a ti.”

Pensadores humanistas dos séculos que se seguiram mudaram para a positiva esse velho princípio: “Faz ao outro o que queres que te façam a ti”.

Mas Jesus Cristo deixou-nos, com força de mandamento novo, uma orientação infinitamente superior: “Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei” (…) “por que vós sois todos irmãos”.

É tão alta esta orientação que, guiados por ela e animados pela força do Espírito de Deus em nós, somos capazes de servir sem que a esquerda saiba o que fez a direita e sem olharmos a quem servimos. Mais ainda: Sem o sabermos, é ao próprio Cristo que estamos a servir, presente naquele irmão que precisa!

 Foi este tão elevado amor cristão que levou à criação das Misericórdias. Amor nascido no coração dos baptizados que as fundaram: Rainha, clérigos e leigos. Amor alimentado nas fontes da Igreja, em que eles se sentiam perfeitamente inseridos.

 Esse amor, que fecha os olhos para não vermos a quem servimos, abre os mesmos olhos para descortinarmos as carências prementes de cada época. Se há 500 anos era necessário matar a fome, vestir os nus, acolher peregrinos e até enterrar mortos, hoje afigura-se como prioritário e urgente acudir às famílias e, sobretudo, atenuar a solidão e estar presente em situações especiais de doença, como as que exigem internamento para cuidados continuados ou o acompanhamento em fase terminal.

 Felicito as Santas Casas da Misericórdia pelas muitas iniciativas de criação de hospitais para esse efeito.

 Ao fazê-lo, as Misericórdias cumprem, de modo actualizado, o mandamento sublime do amor cristão. E realizam outro admirável serviço, que é o de proclamar, no ambiente permissivo desta velha Europa, a dignidade da vida humana até ao seu último momento cá na terra. Opondo-se à aceitação da eutanásia, as nossas Misericórdias respeitam e defendem a vida até ao seu termo natural.

 Para o fazer, repito, os membros das Irmandades das Santas Casas orientam-se pela luz do Evangelho. Que assim continue a ser. Que os “homens bons” dos finais do Séc. XV sejam hoje homens e mulheres honrados, tomados pelo desejo de servir abnegadamente e nunca pela ambição de distinções ou sedução de elogios, pessoas desprendidas, de mãos limpas, habituadas à isenção no julgamento dos pedidos, repletas de paciência no trato das pessoas e dos casos.

 Estes são valores que, na 1ª Leitura, se imaginavam como regras de vida do povo de Deus na Antiga Aliança, povo comparado pelo Profeta ao rebanho que Deus guarda.

 

Reúne-se esta Assembleia a propósito da próxima mudança daquele que é o primeiro representante, na Diocese, de Deus Pastor.

 Tendo sido eu, durante anos, esse pastor diocesano, cabe-me, primeiramente, agradecer a vossa presença, o vosso gesto.

 Mas devo também aproveitar o ensejo para me examinar, diante de Deus, sobre o meu código de conduta junto das mais de trinta Misericórdias Diocesanas, código de conduta que há-de ser igual ao dos demais Bispos de Portugal.

 Assim, foi e é minha obrigação fomentar nas nossas Misericórdias a presença dos valores cristãos acima referidos.

 Procurei, isso sim, zelar pela unidade dentro de cada Casa, como também cultivar a mesma unidade entre todas as Misericórdias da Diocese.

 Lembrava-me ainda a 1ª leitura que é obrigação do pastor opor-se à intromissão dos lobos que dizimam o rebanho. E que lobos poderão atacar o espírito, o ambiente e o trabalho das Santa Casas?

 Por certo, aqueles que queiram servir-se do lugar de irmão a pensar mais no seu prestígio do que no serviços do próximo, sonhando com triunfos que abrem portas e cargos de elevada distinção. Lobos serão certamente este ou aquele que pretenda aproveitar a administração de bens para proveito próprio. Lobos serão também forças de ordem ideológica ou até política que não se coadunem com o espírito do Evangelho, que é o código fundacional das Misericórdias.

 Que Deus me perdoe tudo o que nestes anos de Bispo de Coimbra foi descuido meu no cumprimento destes deveres.

 Agradeço às distintas Mesas das nossas Misericórdias a consciência do valor da unidade, em sua casa e entre elas, que sempre me demonstraram. O Bispo que termina e por certo o que se lhe seguirá continuarão a zelar por essa unidade em Igreja, fiel às normas que nos hão-de reger, sem que, também da parte do Pastor, haja cedência à tentação do autoritarismo ou menos estima pela competência dos Leigos na Igreja.

 E que Deus a todos nos ilumine e acompanhe, agora que estão bem patentes aos nossos olhos novas carências de novas pobrezas, à espera de respostas que a vossa criatividade e o vosso amor cristão hão-de encontrar.

 E que todos um dia possam ouvir da boca de Cristo: “Vinde, benditos de meu Pai (…) porque tudo o que fizestes ao mais pequeno dos meus irmãos foi a Mim que o fizestes”.

Coimbra, 7 de Abril de 2011

Albino Mamede Cleto, Bispo de Coimbra

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