Homilia do bispo de Coimbra no Dia do Consagrado

SOLENIDADE DA APRESENTAÇÃO DO SENHOR

MISSA DO DIA DO CONSAGRADO, NA IGREJA DOS FRANCISCANOS, COIMBRA

 

Celebramos os dias da purificação em que, segundo a Lei de Moisés, Maria e José levaram Jesus ao templo de Jerusalém, para O apresentarem ao Senhor, pois, como está escrito na Lei do Senhor, todo o filho primogénito será consagrado ao Senhor.

Renovamos a nossa condição de cristãos, homens e mulheres que foram apresentados ao Senhor, receberam o batismo na água e no Espírito Santo e entraram na grande comunhão da Igreja, Corpo Santo de Cristo. Renovamos também a nossa condição de homens e mulheres que receberam a graça especial de uma vocação de consagração num Instituto, numa Congregação, numa Ordem Religiosa ou num Instituto Secular. Sentimo-nos chamados a uma especial configuração com Cristo pobre, casto e obediente e aceitámos consagrar a totalidade da nossa vida, sem reservas, de uma forma voluntária e livre ao seu serviço e ao serviço dos irmãos.

Maria e José sobem ao templo do Senhor para apresentar o Menino Jesus e com esse gesto realizam a esperança dos pobres de Javé, dos que esperavam a consolação de Israel, representados nos dois anciãos Simeão e Ana. Por meio daquela ação, todo o Povo tem a possibilidade de ver a salvação com os seus próprios olhos, de contemplar a luz revelada às nações e a glória de Israel.

Jesus é, de fato, a própria consolação de Israel, a luz posta ao alcance de todos os povos, a glória de Israel, Povo eleito de Deus. Aquele ato de entrega manifesta desde logo a sua disponibilidade total para acolher a vontade do Pai e para seguir o caminho da entrega até ao fim, até à cruz e à morte. Eis o modelo da consagração a Deus, o nosso modelo de consagração, enquanto vocacionados a levar ao povo a consolação de Deus e a tornar visível aos seus olhos a salvação esperada.

Ao apresentarem Jesus no templo, Maria e José não realizam um gesto externo ou legal, mas sentem-se totalmente envolvidos nele por dentro: podemos dizer que se oferecem a si mesmos juntamente com o Menino e que nunca ofereceriam o Menino se não estivessem disponíveis para se oferecer a si mesmos.  A partir daquele momento a sua vida ficará intimamente unida à do Jesus que oferecem, de tal modo que Simeão os abençoa e declara a Maria: uma espada trespassará a tua alma. O futuro de Maria estará sempre associado ao futuro de Jesus, estabelecido para que muitos caiam ou se levantem em Israel e para ser sinal de contradição.

Ao associar os pais de Jesus ao mistério da sua apresentação e consagração ao Senhor, o Evangelho valoriza a pessoa dos intermediários no processo de proporcionar aos homens o encontro com Deus e com a salvação. Maria e José não oferecem a Deus o seu filho primogénito como algo que possuem, mas incluem-se na oferta, pois estão disponíveis para continuar solidários com Ele até às últimas consequências, tal como o texto faz entender por meio das palavras de Simeão.

A referência ao Menino como sinal de contradição abre as portas para a realidade da aceitação por uns e rejeição por outros a que conduzirá a consagração e entrega de Jesus ao Pai e à Sua vontade. A referência à espada de dor que trespassará a alma de Maria abre as portas para a realidade da sua identificação com Cristo no seu sofrimento, na sua paixão e na sua cruz. Os pais de Jesus estão predispostos a permanecer com Ele quando é rejeitado pelas multidões e a permanecer com Ele quando a espada da dor sobrevier, porque se oferecem com Ele a Deus. Não seria de esperar outra coisa do amor dos pais, a não ser este amor que acompanha o filho na alegria e na dor, do princípio até ao fim.

Caríssimos irmãos consagrados, a vossa vocação de consagração na Igreja liga-vos de um modo privilegiado a Cristo, que se oferece ao Pai para realizar a obra que lhe confiou: salvar o mundo pela entrega da sua vida. Os conselhos evangélicos constituem o modo específico como haveis de configurar-vos com Ele e manifestam o vosso compromisso livre, em ordem a uma doação total, radical, exclusiva. Os consagrados receberam de Deus a vocação de viver tanto quanto possível literalmente as palavras de Jesus no Getsémani: “Pai, não se faça a minha vontade, mas a tua” e as palavras pronunciadas na cruz: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito”. Este é o grande mistério do despojamento da própria vontade, livremente assumido, para se deixar conduzir pela vontade do Pai. Quando falha este dinamismo interior – e a vida consagrada corre, hoje, o risco de o deixar esmorecer – a vida consagrada passa a ser uma ocupação mais do que uma vocação.

A vossa vocação de consagração é, em primeiro lugar, uma vocação para a configuração com Cristo, para a identificação com a sua atitude de vida, para a comunhão com Ele na sua oferta ao Pai desde a apresentação no templo de Jerusalém até ao calvário. Sem dúvida que sois chamados a ser sinal para na Igreja e para o mundo, mas esse sinal não é o que fazeis ou o campo de ação a que vos dedicais segundo as intuições inspiradas dos vossos fundadores; o vosso grande sinal para a Igreja e para o mundo é a vossa vida em Cristo.

Perguntareis: e como havemos de estar no coração da evangelização, que a Igreja nos pede? Aprendei de Simeão, que bendisse a Deus e ficou inundado de alegria ao ver a salvação diante dos seus olhos; aprendei com Ana, que começou a louvar a Deus e a falar acerca do Menino a todos os que esperavam a libertação de Israel; aprendei com Maria e José que apresentam Jesus no templo e deixam na sombra o que são para que brilhe a luz da salvação de todos os povos. Aprendei com Cristo, o Mestre, que se não dispersou com mais nada senão com o anúncio do Reino de Deus de que era portador.

Neste dia em que renovamos a nossa consagração ao Senhor, disponhamo-nos a rever o nosso modo de ser consagrados; peçamos ao Senhor que purifique as nossas intenções, as nossas motivações e os nossos projetos. Peçamos-Lhe que, segundo a expressão da Profecia de Malaquias, purifique os nossos corações como se purifica o ouro e a prata, para que sejamos totalmente do Senhor e para o Senhor, homens e mulheres dignos de apresentar a oblação da nossa vida segundo a justiça.

Que nos auxiliem e protejam Maria e José, que apresentaram no templo Jesus, a luz que vem iluminar as nações.

 

Coimbra, 02 de fevereiro de 2012

Virgílio do Nascimento Antunes

Bispo de Coimbra

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