Homilia do bispo de Coimbra na Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus

Caríssimos irmãos!

Iniciamos o ano de 2013 com a comemoração do Dia Mundial da Paz, na solenidade litúrgica de Santa Maria, Mãe de Deus.

A nossa atenção centra-se na realidade da paz que desejamos para todos, nos entraves que ela encontra em nós e nos caminhos que temos de percorrer para a alcançar, enquanto condição indispensável para a nossa realização humana.

Ao falarmos de paz referimo-nos a uma realidade interior, à harmonia existente no coração humano, que o faz sentir-se bem consigo mesmo e com Deus; referimo-nos também a uma realidade exterior, a uma harmonia existente na relação entre as pessoas, entre as instituições e os estados. Nada do que é humano escapa ao conteúdo da palavra paz, como sugeria o Livro dos Números ao citar a oração de Moisés, que pede a Deus a bênção, a proteção, um rosto resplandecente e favorável e a paz como corolário de tudo. Quando esta harmonia supera a divisão, o egoísmo e a violência, somos pessoas felizes; caso contrário, tornamo-nos infelizes, agressivos e violentos, tanto à escala das relações interpessoais e familiares, como à escala das relações sociais, laborais, nacionais e internacionais.

Diariamente nos deparamos com uma sociedade agressiva, intolerante, escrava de interesses particulares e onde uma parte é vítima da outra parte. Os grandes dramas experimentados pela nossa sociedade atual são fruto da ausência de uma cultura de paz: a pobreza e a fome; as agressões à vida humana nascente, doente e idosa; as divisões familiares e a violência doméstica; a insegurança, o uso da força e o roubo; as mais variadas desordens sociais. Concluímos que toda a humanidade é vítima de si mesma e da sua incapacidade de construir uma paz duradoira, pois não pode haver uma parte que esteja bem quando outra está mal, uma vez que o ser humano foi feito para viver em paz, pessoalmente e na comunidade.

Na sua mensagem para o Dia Mundial da Paz, o Papa reafirma esta “vocação natural da humanidade à paz” e diz: “em cada pessoa, o desejo de paz é uma aspiração essencial e coincide, de certo modo, com o anelo por uma vida humana plena, feliz e bem sucedida. Por outras palavras, o desejo de paz corresponde a um princípio moral fundamental, ou seja, ao dever-direito de um desenvolvimento integral, social, comunitário, e isto faz parte dos desígnios que Deus tem para o homem. Na verdade, o homem é feito para a paz, que é dom de Deus”.

Os grandes entraves que a construção da paz encontra são sobretudo de caráter pessoal, radicam no coração, vazio de valores autenticamente humanos ou cheio de contra valores. As ameaças à paz não nascem espontaneamente das estruturas da sociedade, como se de realidades autónomas se tratasse; são fruto das opções livres das pessoas: em primeiro lugar, daqueles que detêm na sociedade a autoridade e o poder de decisão, tanto ao nível social, como político ou económico; em segundo lugar, daqueles que, não ocupando papéis de grande relevo no tecido social, decidem diariamente no âmbito da vida familiar, laboral, social, conduzidos pela cultura dominante, marcada pela busca exclusiva do bem individual e pelo desprezo do bem comum. Há uma responsabilidade individual que não pode ser esquecida, apesar de as pessoas serem frequentemente escravas das estruturas do poder, das máquinas partidárias, dos lóbis, da opinião comum ou das ideologias.

Assistimos hoje a muitas tentativas de construção da paz, que estão, à partida votadas ao fracasso. Se não têm em conta acima de tudo a pessoa humana, e o respeito por todas as suas dimensões, a começar pela sua vida integral, não correspondem a uma séria procura da paz. É o que acontece na sociedade ocidental e inclusivamente na sociedade portuguesa, quando se absolutiza a economia e as finanças esquecendo os pobres cada vez em maior quantidade; quando os resultados numéricos a alcançar contam mais do que as pessoas; quando se afirma defender a vida e se desenvolve uma cultura de morte; quando se perde a perspetiva do bem comum em favor dos interesses particulares.

Na sua mensagem para este dia, o Papa aponta como caminho de construção da paz, o desenvolvimento de um novo modelo de economia, assente no “princípio da gratuidade como expressão de fraternidade e da lógica do dom”, e contrapondo-se assim ao modelo que prevaleceu nas últimas décadas, que “apostava na busca da maximização do lucro e do consumo, numa ótica individualista e egoísta que pretendia avaliar as pessoas apenas pela sua capacidade de dar resposta às exigências da competitividade”. Depois acentua a necessidade de “cultivar a paixão pelo bem comum da família e pela justiça social, bem como o empenho por uma válida educação social”.

 

A liturgia deste primeiro dia do ano recorda-nos que a paz não é possível sem a bênção de Deus que acolhemos pela fé, e sem a ação humana, que realizamos com a nossa inteligência e vontade.

A bênção de Deus manifestou-se na vinda de Seu Filho Jesus Cristo, que contemplamos no presépio, em carne humana. Nada nem ninguém podia estabelecer mais profundos laços de fraternidade do que o próprio Filho Unigénito de Deus, que nos torna filhos de Deus e irmãos uns dos outros. Nada tem maior força no processo de construção da paz do que os laços de fraternidade existentes entre todos nós, que podemos clamar Abbá, Pai, dirigindo-nos a Deus, e meu irmão e minha irmã, dirigindo-nos a cada homem e a cada mulher.

O melhor modelo de dedicação na construção da paz encontramo-lo em Jesus Cristo, o Príncipe da Paz. Ele veio ao nosso encontro pelo amor que nos tem e procura-nos porque nos quer contar entre o número dos filhos de Deus e dos seus irmãos, a viver em paz e harmonia. Ele diz-nos que a única ação humana verdadeiramente construtora de paz é aquela que está marcada pelo amor gratuito em que cada pessoa é um dom para a outra pessoa, tal como Cristo é um dom total para todos nós.

Aprendamos, por isso, com Jesus Cristo, o Amor vivo no seio de Maria, no presépio, na Igreja e na nossa vida, a  construir a paz no coração, na família e na sociedade. Demos ao mundo a fé cristã e os seus valores da verdade, do amor e da justiça, pois esse é o nosso contributo para a construção da paz. Proclamemos ao mundo que, na confluência do dom de Deus com a ação humana se encontra a paz como harmonia integral da pessoa e da sociedade, realização da vocação do Homem, filho de Deus e irmão de todos.

Que Santa Maria, Mãe de Deus e Rainha da Paz, nos proteja neste novo ano, que desejamos que seja de progresso e de paz.

 

Coimbra, 1 de janeiro de 2013

D. Virgílio do Nascimento Antunes, bispo de Coimbra

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