Homilia do bispo de Coimbra na Missa da Páscoa

Caríssimos irmãos e irmãs!
A Páscoa ilumina a Igreja e o coração de todos os seus fiéis com a nova luz de Cristo. A sua passagem da morte à vida é portadora de esperança para os que O acolhem na fé e lhe dão lugar nas suas vidas tantas vezes mergulhadas na penumbra ou nas mais densas trevas.

Cristo Ressuscitado está sempre disponível para nos encontrar nas nossas noites escuras, como encontrou Paulo no caminho de Damasco, como se fez companheiro dos dois discípulos a caminho de Emaús e como tem surpreendido homens e mulheres de todos os tempos e de todas as latitudes ao longo da história da Igreja.

Há dois mil anos, na manhã do primeiro dia da semana, as mulheres e os discípulos que acorreram ao sepulcro, deram-se com a maior novidade da história, cujo alcance não ousavam esperar: aquele Jesus que viram condenado à morte e que acompanharam ao calvário e à cruz, não estava ali. Alguns mensageiros declararam que estava vivo e puderam encontrar-se com Ele, sentir a alegria da sua presença e o reconforto do reencontro, que duraria para sempre.

Naqueles tempos fundantes, os que acreditaram no Senhor, começaram a ver o mundo e a vida de outra forma, sentiram-se interiormente renovados e capazes de enfrentar tudo o todos, não com espírito de oposição a ninguém, mas com a proposta que os transformara, com o entusiasmo da novidade, a que chamaram Boa Nova ou Evangelho.
Desde então, uma multidão incontável teve acesso à mesma novidade e continua a chama-lhe Boa Nova, porque conhece a sua força e experimenta que tem capacidade para transformar corações, vidas e comunidades, quando alguém se deixa tocar interiormente por ela.

Estamos também nós envolvidos nessa corrente de graça em virtude do anúncio que recebemos e da fé que despertou em nós. Celebramos a Páscoa porque essa feliz notícia chegou até nós, transformou-nos por dentro e mobilizou-nos para ajudarmos o mundo a mudar. Não podemos permitir que a Boa Nova fique aprisionada em nós, mas estamos disponíveis para cumprir o mandato que recebemos de a levar a todos os cantos da terra, por meio da ação missionária.

Nesta Páscoa que agora celebramos vemos em nós, nas nossas casas e à nossa volta muitas realidades que precisam de um novo e vigoroso anúncio da ressurreição de Cristo como anúncio da possibilidade da mudança.

Não podemos esquecer os sinais de falta de Deus no mundo, que são ao mesmo tempo graves falhas de humanidade. Preocupam-nos de um modo especial os atropelos à dignidade humana, que alastram onde continuam e nascem novas guerras, quando esperávamos a paz num mundo mais civilizado; a exploração de mulheres e crianças, no tempo em que mais se proclamam direitos iguais para todos; o desprezo por idosos e doentes, numa sociedade cheia de instituições para os proteger; a escalada da perseguição por motivos religiosos, diante das mais veementes declarações da liberdade de pessoas e povos.

Se pensamos na economia que mata, na legislação que atenta contra a família, na relativização do valor da vida humana, no favorecimento de costumes desumanos ou na corrupção e na fraude que atentam contra a justiça, na violência, no terrorismo, nos fundamentalismos de sinais variados, no uso abusivo e difamatório da liberdade de expressão, sentimos que há necessidade de Evangelho nas consciências e nos sociedades como nunca.

Páscoa significa sempre passagem e mudança: da morte à vida, das trevas à luz; significa desenvolvimento e progresso, novos caminhos de amor e esperança para toda a humanidade.
Jesus ofereceu a sua vida para que esta passagem se torne realidade; trouxe-nos a certeza da presença de Deus em todas as situações que precisam de uma luz nova, como que a dizer-nos: nunca vos faltarei, estarei convosco em todos os vossos caminhos de mudança. Ele que vive por todo o sempre, convida-nos a fazermos a nossa parte e segue sempre connosco, envolve-se connosco nas causas, entra connosco nos lugares que precisam de renovação. Jesus Ressuscitado não se limita a enviar-nos para o meio do mundo, mas vai connosco, acompanha-nos com a grandeza do amor de Deus e com a esperança da eterna novidade.

A segunda leitura lançava-nos um forte apelo no sentido da purificação como sinal de acolhimento da passagem operada por Jesus: “purificai-vos do fermento velho para serdes nova massa”.

Jesus não ficou à espera que todos tivessem compreendido a mensagem ou estivessem dispostos a iniciar esse caminho, não ficou à espera para reunir todos os consensos, nem para iniciar a sua obra com a anuência das multidões: começou Ele mesmo por nos dar o exemplo, de uma forma simples, discreta, mas comprometida. Custou-lhe a vida, mas não foi em vão. Nunca mais a notícia da sua entrega ficou calada e Ele arrasta ainda hoje atrás de si multidões que procuram pôr-se a caminho, dar o seu contributo, sacrificar-se pela multidão.

Quando a Palavra de Deus fala de um pouco de fermento que leveda toda a massa, quer dizer-nos que, nenhum de nós se sente capaz de mudar o mundo de uma vez, mas isso não significa que não nos ponhamos a caminho, começando pela purificação progressiva do nosso interior, passando às nossas opções e ao nosso estilo de vida.

À forte palavra profética, Jesus juntou o gesto mais eloquente do seu sacrifício. Juntamente com Ele, a Igreja continua a ter a missão de fazer uma enérgica denúncia profética de tudo quanto no mundo atenta contra a dignidade humana, mas sente ainda mais a urgência de se pôr no caminho do testemunho simples e autêntico, disposta ela mesma a viver uma verdadeira páscoa interna, no sentido da mudança em ordem a uma maior fidelidade a Cristo, à Sua Palavra e ao seu testemunho.

Irmãos e irmãs, que cada um de nós, pessoas, famílias, comunidades e instituições, a partir da fé no Ressuscitado nos ponhamos em atitude pascal, ou seja, de passagem e de mudança. Que tudo comece por nós e pela nossa casa, que a Igreja vá à frente e que acompanhe os homens em todos os seus felizes anseios, sabendo que o fermento bom pode levedar grande quantidade de massa. Jesus vai à frente na oferta de si mesmo e agora caminha connosco, para que nunca nos falte companhia, quando tudo e todos parecerem ir por outros caminhos.

Que a luz de Cristo Ressuscitado entre em cada um de nós e nas nossas famílias como o fermento novo capaz de levedar grande quantidade de massa em ordem à renovação espiritual que é a chave de toda a mudança. Ámen.

Coimbra, 1 de abril de 2018
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra

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