Homilia do bispo de Coimbra na celebração dos 80 anos da Paróquia de São José

“Bendito seja Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, que do alto dos Céus nos abençoou com toda a espécie de bênçãos espirituais em Cristo”. Esta paróquia de São José, a celebrar os seus oitenta anos, é um dos sinais reais e próximos dessa bênção de Deus, pelos quais sentimos o dever de O louvar, bendizer e agradecer.

Estamos numa parte muito populosa da cidade de Coimbra, lugar, por isso, de desafios maiores no que respeita à evangelização, à construção da comunidade humana e cristã, à criação da consciência da fé e da adesão a Cristo.

Muito se fez nestes oitenta anos, resultado da ação apostólica e pastoral de homens e mulheres, sacerdotes e leigos, imbuídos do espírito evangélico que impele à missão. A ação de graças é, por isso, muito sentida por todos os que alegremente e com o sacrifício de si mesmos se deram neste trabalho de empenhamento na vida paroquial; a ação de graças é, igualmente, sentida, por todos os que foram destinatários da missão e se abriram à força do Espírito de Deus através dos meios humanos, materiais e espirituais proporcionados por esta comunidade cristã. Bendito seja Deus por tudo isso!

 

A Palavra de Deus escutada apontava-nos as dimensões centrais da vida e ação da Igreja e das comunidades cristãs, tanto do passado como do presente, que uma paróquia sente o dever de desenvolver, na fidelidade à sua vocação e missão.

A Primeira leitura destacava a dimensão profética do Povo de Deus: “Vai profetizar ao meu povo de Israel”. Juntamente com as leituras sociológicas, políticas, económicas das realidades vividas em cada tempo, há necessidade imperiosa de fazer uma leitura de outra ordem: centrada na pessoa, enquanto sujeito da dignidade humana, aberta aos outros e a Deus.

O profeta bíblico, a partir da sua fé e dos valores revelados, procurava ler os acontecimentos do seu tempo e propor caminhos de renovação e de vida; o profeta era alguém a quem a dimensão crente levava à reflexão, à interpretação da realidade e à ação concreta.

Contrasta esta atitude com o grande vazio profético que sentimos no nosso mundo e nas nossas comunidades cristãs onde se separa a espiritualidade da ação, a intervenção na sociedade do culto, a fé da vida. Os cristãos perderam grande parte da sua capacidade de interpelar tanto pela palavra como pelo testemunho e pela ação. Perderam, por isso, grande parte da capacidade profética, que é essencial à sua condição.

As comunidades cristãs, as paróquias, precisam de organizar-se para corresponder a esta missão profética que faz parte da sua identidade. Por meio da sua vida quotidiana, de círculos de reflexão, de ações significativas e visíveis à comunidade, da autenticidade do seu testemunho, têm de ser um sinal profético na denúncia do mal e nas propostas de construção de um mundo assente na dignidade humana e na fidelidade ao Deus que se gloria nas suas criaturas.

A Segunda leitura destacava a dimensão cultual da comunidade cristã. Ela é chamada a celebrar com autenticidade e verdade, de coração puro, santo e irrepreensível, a sagrada liturgia, a grande ação de graças ao Pai, por meio de Jesus Cristo e na comunhão do Espírito Santo. Ali, a Igreja manifesta a sua condição de comunidade de filhos salvos e redimidos, herdeiros de todos os bens alcançados pelo sacrifício de Cristo na cruz e pela sua ressurreição gloriosa.

Esta dimensão cultual, centrada em Cristo, que se oferece ao Pai, tanto na Eucaristia como nas outras ações sagradas, constitui a alma da Igreja, que caminha sobre a terra, unida e a caminho da pátria celeste. Nela se exprime e se alimenta a fé, nela se fortalece a comunhão dos cristãos entre si e se reforçam os laços de comunhão com Deus.

Sentimos a fragilidade desta dimensão cultual e litúrgica nas comunidades cristãs atuais, por se perder a sua dimensão sagrada e sobrenatural, por ficar reduzida à perspetiva humana, por a religião e a fé serem relegadas para o âmbito do privado e das opções pessoais. Crescem as comunidades humanas que se identificam com a fé cristã e que nos sensos se reconhecem cristãs, mas que não sentem a exigência da prática religiosa, cultual e litúrgica. São muitos os crentes que perderam a perspetiva comunitária da vivência da fé e que não sentem necessidade de celebrar os louvores de Deus enquanto Povo de filhos.

A pastoral da liturgia é hoje uma das tarefas mais urgentes da comunidade cristã, pois dela depende grande parte da mudança de atitude dos fiéis que já descobriram o seu sentido, mas sobretudo daqueles que, sendo cristãos, não participam, por não terem encontrado uma experiência interiormente mobilizadora. À paróquia cabe esta missão de cuidar da liturgia para que seja central na vida de fé dos fiéis, num trabalho que inclua os seguintes aspetos: a procura da qualidade das celebrações em todas os aspetos, o cultivo do sentido do sagrado e do transcendente frequentemente subjugado à dimensão sociológica da assembleia, a busca da beleza e do sentido dos ritos a contrastar com o ritualismo estéril ou com uma criatividade estranha à ação sagrada, a valorização do canto, do silêncio, da escuta e interiorização da Palavra de Deus, o desenvolvimento do sentido de comunhão entre os membros do Povo de Deus, a abertura à caridade e à partilha como distintivo do cristão e decorrentes de um culto em espírito e verdade.

O Evangelho apontava para a terceira área da vida da comunidade cristã, a missão evangelizadora. “Jesus chamou os doze apóstolos e começou a enviá-los dois a dois… E os apóstolos partiram”.

Somos hoje comunidades cristãs chamadas a renovar este dinamismo evangelizador que marcou a Igreja das origens e a levou, num mundo adverso como o nosso, a cativar para o Evangelho de Jesus Cristo, homens e mulheres de todas as condições culturais.

Não basta a catequese da infância e da adolescência com todas as dificuldades e fragilidades que lhe conhecemos; os adultos sem uma fé esclarecida e assumida precisam de receber um anúncio adequado à sua condição cultural. Muitos precisam de um primeiro anúncio, batizados ou não batizados, que os leve à adesão a Cristo de coração e vida.

É urgente, tal como nos tem recordado o Papa Bento XVI, uma nova evangelização, portadora dos mesmos conteúdos de sempre, mas capaz de levar a adesão a Cristo e à inserção na comunidade cristã os nossos contemporâneos.

 

Diante do Senhor, neste dia de festa e de ação de graças pela vida, dinamismo e testemunho desta paróquia de São José, imploramos humildemente que renove nesta comunidade a força da fé, a alegria do culto em espírito e verdade e a ânsia incontida da evangelização.

A São José nosso padroeiro e esposo da Virgem Maria, confiamos esta paróquia para que a proteja e a guarde com a mesma solicitude com que acompanhou o crescimento de Jesus Cristo, nosso Salvador.

Igreja de São José, 15 de julho de 2012

D. Virgílio do Nascimento Antunes, bispo de Coimbra

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