Homilia do bispo de Bragança-Miranda na celebração da Paixão do Senhor

Foto: BLR/SDCS

Irmãos e irmãs!

1.Foi-nos dada a graça de nos reunirmos aqui, na nossa Catedral, nesta Sexta-Feira Santa, para celebrarmos, unidos de alma e coração à Igreja inteira, a Paixão do único Senhor da nossa vida, «Aquele que nos ama» (Ap 1,5), Jesus Cristo.

No silêncio desta tarde se Sexta-Feira Santa, olhando Jesus morto na cruz, olhamos uma vida entregue; vemos o amor levado ao extremo e afirmado num último suspiro, valente e fiel: “Tudo está consumado”, ou seja: “Pai, está cumprida a missão que me deste!”.

Muitos foram os sofrimentos de Jesus e, sempre que ouvimos a narração da paixão, penetram-nos na alma. Foram sofrimentos do corpo: pensemos nas bofetadas, nas pancadas, na flagelação, na coroa de espinhos, na tortura da cruz. Foram sofrimentos da alma: a traição de Judas, as negações de Pedro, as condenações religiosa e civil, a zombaria dos guardas, os insultos ao pé da cruz, a rejeição de tantos, a falência de tudo, o abandono dos discípulos.

2.Seguimos, passo a passo, com a dor e o louvor no coração, o imenso relato da Paixão do único Senhor da nossa vida, a partir do Evangelho segundo S. João (Jo 18,1-19,42). Foi assim que atravessámos o Cédron e entrámos no «jardim». É de noite, mas brilha a luz. É verdade que já não estão todos. Judas perdeu-se na noite (Jo 13,30). Entretanto, Pedro, perdido, acolhe-se a outra luz e aquece-se a outro lume (Jo 18,18). E, interpelado, nega ter andado com Jesus, ter alguma coisa a ver com Jesus, ter parte com Ele. Nega mesmo conhecer Jesus (Mc 14,67-71; Jo 18,17-27).

Até que o galo canta, e começa a nascer o dia para Pedro (Mc 14,72; Jo 18,1-27). Reparemos que quando Judas sai, é de noite, e que, depois da negação de Pedro, o dia nasce com o canto do galo. Estão em contraponto as trevas de Judas e a luz nascente para Pedro. O olhar de Jesus sofredor, dirigido a Pedro e a todos nós, é luminoso, criador e anunciador.

3.Jesus prossegue o seu caminho de amor até ao fim. Até à Cruz. A Cruz e a morte de Jesus continuam, hoje, nas pessoas que morrem de fome; nos inocentes que sofrem a guerra e as suas consequências; nos jovens que não têm esperança nem sentido para viver; nas crianças que não chegam a nascer; nos casais que destroem o amor; nos idosos que sofrem o abandono e a solidão.

A Cruz e a morte de Jesus continuam a unir todos os sofrimentos do mundo, no grande Calvário que os homens continuam a erguer. A Cruz e a morte de Jesus continuam a desafiar todos os homens, pedindo solidariedade, justiça, liberdade e amor.

É “Hora de Salvação” que Jesus vive na Cruz e na morte. Aceitemo-la, construindo e distribuindo salvação. Jesus continua a pedir-nos que não choremos por Ele, mas que vamos consolar, libertar e amar os Seus irmãos!

4.No rosto desfigurado do Crucificado, Deus revela-Se-nos identificado para sempre com todos os crucificados da história. Não passemos ao largo e não olhemos para outro lado perante os “Gólgotas” e os “Infernos” do nosso tempo.

Diante da cruz, não podemos ser meros espectadores comovidos, pois estamos perante o desafio do crucificado: “Quem quiser seguir-me – disse, em vida, para quem o quis ouvir- tome a sua cruz”. Ou seja: assuma o sentido da vida e viva intensamente. Dando-a sem a desbaratar.

A paixão de Jesus torna-se compaixão quando estendemos a mão àqueles que já não aguentam mais, quando levantamos os que caíram, quando abraçamos os que estão desanimados.

Irmãos, irmãs, para experimentar este grande milagre da misericórdia, escolhamos como levar a cruz: não somente ao pescoço, mas no coração. Não só a nossa, mas também a daqueles que sofrem ao nosso lado; talvez a daquela pessoa desconhecida que o acaso – mas será mesmo o acaso? – nos fez encontrar. Celebremos e vivamos a Páscoa do Senhor tornando-nos cireneus uns dos outros.

Dá-nos a graça, Senhor, de hoje sabermos abraçar a Tua cruz! Aquela que desponta nos imprevistos da vida, no cansaço, na doença e até no envelhecimento. Mas também a cruz que representa o esforço em abraçarmos a Vontade do Pai, em vencermos contigo todas as tentações e todo o mal! A cruz que significa a superação do nosso egoísmo com um amor verdadeiro, à maneira do teu!

Dá-nos a graça de abraçarmos a cruz naqueles que sofrem, unindo-nos à tua paixão, reconhecendo o teu rosto em cada pessoa que anseia por uma atenção, uma ajuda, que precisa que tenhamos paciência com ela.

Queremos ser “cireneus” que aliviam a cruz dos irmãos e os confortam com a esperança que vem de Ti!

+Nuno Almeida
Bispo de Bragança-Miranda
Catedral de Bragança, 18.04.2025

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