«Celebremos, com um coração puro e amante da verdade, a Festa da Páscoa» – D. João Marcos
HOMILIA DO DOMINGO DA PÁSCOA
Sé de Beja, 2023
Aleluia! O Senhor ressuscitou verdadeiramente!
1 – Queridos irmãos e irmãs: Cristo, nossa Páscoa, foi imolado. Celebremos a festa, não com fermento velho de malícia e perversidade, mas com os pães ázimos da pureza e da verdade. Com estas palavras de São Paulo aos Coríntios, vos quero saudar na manhã deste dia de Páscoa. Unidos a Cristo ressuscitado somos pães ázimos, e, por isso, não deve haver em nós lugar para o fermento, ou seja, para a malícia e para a perversidade.
Somos Cristãos. Fomos batizados, ou seja, morremos e fomos sepultados com Cristo. Estamos, em esperança, ressuscitados com Ele. Mortos para o pecado e vivos para Deus, vivamos, unidos a Cristo, a Sua Vida divina.
2 – Na prática, que significa para nós esta mudança de vida?
Quem vive segundo a carne não pode agradar a Deus. Nós não vivemos segundo a carne, para nos satisfazermos com as nossas paixões e apetites, vivemos segundo o Espírito, segundo o Espírito que Jesus nos entregou ao morrer crucificado por amor de nós. Ser cristão, viver uma vida agradável a Deus, é sermos dóceis ao Espírito Santo. É amarmos a Deus com todo o coração, louvando-O e obedecendo-Lhe em tudo. É estarmos no mundo situados pela fé. É vivermos conscientes de que, como Jesus, saímos do Pai que nos criou e para Ele voltamos. É vivermos na esperança, caminhando como discípulos de Jesus que põem os pés nas Suas pegadas. É amarmo-nos uns aos outros com o mesmo amor, com o mesmo espírito, com os mesmos sentimentos de Jesus. É vivermos em Páscoa permanente, como quem passa de si para os outros, caminhando em comunidade, sinodalmente, mais atento às necessidades dos irmãos que às suas. É caminharmos neste mundo como estrangeiros, porque a nossa pátria está nos céus, e são as coisas do alto que nos apaixonam e queremos cultivar. Porque nós morremos e a nossa vida está escondida com Cristo em Deus, quando Cristo, que é a nossa vida, Se manifestar, então também nós nos havemos de manifestar com Ele na glória.
3 – A porta que nos introduz na vida de ressuscitados é esta: escutar o anúncio do Evangelho do Senhor Jesus Cristo, o anúncio da Sua Morte e Ressurreição. Ele morreu por amor a todos nós, e destruiu os nossos pecados no Seu Corpo Crucificado. E o Pai ressuscitou-O para nos anunciar o perdão. Ninguém pode ser condenado por matar alguém que está vivo. A Boa Nova, o Evangelho de Jesus para nós, encontra-Se aqui. Quem aceita isto como Verdade, acredita em Jesus como seu Salvador, recebe-O como seu Redentor e Senhor, une-se a Ele e pode dizer como S. Paulo: já não sou Eu que falo; é Cristo que fala em mim. Já não sou eu que trabalho; é Cristo que trabalha em mim. Já não sou eu que vivo; é Cristo que vive em mim. E esta vida presente na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus que me amou e Se entregou a Si mesmo por mim.
4 – Pode parecer uma tarefa heroica vivermos como ressuscitados neste mundo de mentiras, onde os ídolos e a soberba, a avareza, a luxúria, a ira, a gula, a inveja e a preguiça comandam a vida dos povos e nações. Não pretendo enganar-vos, queridos irmãos e irmãs. Esta vida divina dos cristãos só pode cultivar-se em Igreja, só pode ser vivida em comunidade. Isso está muito claro no livro dos Atos dos Apóstolos quando diz que aqueles que abraçaram a fé viviam unidos, e tinham um só coração e uma só alma. Individualmente, sem uma comunhão cultivada com os irmãos, é muito difícil, para não dizer impossível, de viver.
Lembro-me muitas vezes do que me disse um homem quando eu era padre novo: o cristianismo é muito bonito, mas tem um problema: não funciona! E porque não funciona? Se todos tivéssemos sempre dezoito anos, funcionaria. Mas aos quarenta anos não há idealque se aguente. Eu sou como sou, a mulher é como é, os filhos são como são, o patrão é como é, e é com estas pessoas, assim como são, que tenho de viver.
Fiquei a pensar no que me disse este homem. E uma pergunta se levantou dentro de mim: mas quem disse que o cristianismo é um ideal? Um ideal é uma projeção nossa que nasce em nós e que regressa a nós. O cristianismo é uma boa-notícia, impensável para qualquer de nós, que nos entra pelo ouvido e que, se for acolhida, se cumpre, se faz carne, acontecimento, em nossas vidas. À pergunta feita a Jesus pelos Seus primeiros discípulos: Mestre, onde moras? Que respondeu o Senhor? Vinde e vede! E a Igreja, ao longo dos séculos, foi também assim que respondeu enquanto pôde, até que Joaquim António de Aguiar, no século XIX, suprimiu os conventos de frades e de monjas. Foi então que se começou a falar de ideal na Igreja. Mas, na realidade, Cristo não é um ideal. É carne. É a palavra de Deus feita carne. E o Cristianismo não é uma ideia, não é um ideal: é um acontecimento! É Cristo a viver em nós! É a Vida de Cristo Ressuscitado a acontecer em nós.
4 – O Evangelho proclamado na liturgia desta manhã fala-nos da experiência de Maria Madalena e dos apóstolos Pedro e João, ao descobrirem o túmulo aberto de Jesus. Ela foi de manhãzinha, ainda escuro, ao sepulcro, e viu que a pedra da entrada fora removida. Correu a dizer a Pedro e a João que, por sua vez, foram ao sepulcro. Corriam os dois juntos, mas João chegou primeiro. Viu as ligaduras no chão, mas não entrou. Esperou por Pedro que entrou primeiro no túmulo. João viu e acreditou. Materialmente, Maria Madalena, Pedro e João, os três viram o mesmo: o sepulcro aberto, as ligaduras no chão e o sudário. Mas João viu e acreditou. Viu a ausência do Corpo do Senhor e acreditou na Sua Ressurreição. Mais tarde o próprio Jesus aparecerá a Maria Madalena e a todos os apóstolos e dar-lhes-á o Espírito Santo que tornará possível o anúncio do Evangelho a todas as nações.
Pode acontecer convosco, queridos irmãos e irmãs, que a vossa experiência de Vida Cristã ainda esteja no começo, e que não vos tenhais encontrado ainda com o próprio Senhor Ressuscitado. Confiai, irmãos, no testemunho da Igreja. Ela não mente! O seu testemunho é verdadeiro! Chegará o momento em que tereis a vossa experiência de encontro pessoal com o Senhor. Lembrai-vos do testemunho de S. Paulo que, depois de enumerar as aparições de Jesus Ressuscitado acrescenta: e, por fim, apareceu também a mim.
5 – A Solenidade da Páscoa, na qual desaguam os quarenta dias da Quaresma, vamos festejá-la nestes cinquenta dias, até ao Pentecostes. Os oito dias da primeira semana vamos vivê-los como se fossem um dia único. Em cada um deles rezaremos as Laudes e as Vésperas do domingo de Páscoa. Será um tempo de alegria e de louvor ao Senhor durante o qual será proibido zangarmo-nos. Trata-se de vivermos como ressuscitados. Será, talvez, um tempo mais difícil de passar que a Quaresma, mas com a ajuda do Senhor, é possível. Com a vivência deste tempo nos treinamos para a Páscoa eterna.
Caros irmãos e irmãs: Cristo, nossa Páscoa, foi imolado. Celebremos a festa não com fermento velho de malícia e perversidade, mas com os pães ázimos da pureza e da verdade. Pães ázimos, sem fermento nem sal, são os pães consagrados da Eucaristia, o Corpo de Cristo que a Igreja nos dá a comer. A festa dos ázimos que o povo de Israel celebra nos sete dias após a Páscoa, como memorial da saída do Egito e da Passagem do Mar Vermelho, ajuda este povo a manter viva a consciência de que é um povo nómada, que está neste mundo de passagem, a caminho da Terra Prometida.
Assim também nós, afastemos o coração de todas as coisas que são fermento de perversidade e de malícia. E celebremos, com um coração puro e amante da verdade, a Festa da Páscoa.
+ João Marcos