Homilia do bispo de Aveiro na solenidade de Santa Joana Princesa

“Descobrir tesouros do amor de Deus e pérolas de serviço aos irmãos”

1.No texto do evangelho agora proclamado, Jesus contou duas pequenas parábolas para explicar o sentido e o valor do Reino de Deus. Queria semear no coração dos discípulos, que o ouviam, uma interrogação decisiva para quem está à porta da fé: «Não haverá, na nossa vida, segredos que ainda não descobrimos, tesouros que ainda não encontramos, pérolas que ainda não adquirimos?

Todos entenderam estas parábolas. Quem não sente, como sua a alegria do lavrador pobre que cuida do campo e encontra um tesouro? Quem não saboreia o encanto do comerciante rico que compra e vende pérolas, mas nunca vira uma pérola como esta, de tanto valor?

As parábolas apenas são exemplos a interpretar e formas pedagógicas a aprender, que Jesus usa, com invulgar sabedoria, para nos chamar para outros horizontes e para nos abrir o coração para outros âmbitos da compreensão da vida.

 Será Deus, para nós, como foi para Seu Filho Jesus, este tesouro único, belo e atraente ou esta pérola preciosa, inigualável e verdadeira? Uma coisa é certa: encontrar Deus e colocar o nosso coração no essencial é ter a imensa fortuna de possuir o que o ser humano mais anseia e procura, que é a felicidade e a bem-aventurança.

Encontrar Deus significa saborear a alegria da descoberta deste tesouro escondido e olhar com fascínio a beleza desta pérola encontrada.

2.Jesus, ao contar estas duas parábolas desloca o centro da mensagem e o protagonismo das situações para duas pessoas concretas: o lavrador ocupado no amanho da terra e o comerciante a braços com o seu negócio. Ambos reagem da mesma forma: vendem e deixam tudo para possuir o tesouro e adquirir a pérola preciosa. E ambos sentem a alegria desta decisão.

A descoberta do reino de Deus muda, também hoje, a vida de quem o descobre e justifica que se deixem todas as coisas para se adquirir aquela que basta. O reino de Deus está em Jesus, na sua vida, na sua mensagem, na sua cruz, de que a Igreja é sinal e presença.

3. Os estudos sociológicos, (ainda há dias a Igreja em Portugal publicou um), dizem-nos que um dos sintomas do tempo presente é a indiferença religiosa: uma indiferença que coloca a sociedade alheia a todo o posicionamento sobre Deus. Contudo, são também cada vez mais numerosos, aqueles que, batem à porta da Igreja, movidos por uma certa «nostalgia de Deus» e sentem muito forte a interpelação: Como procurar e encontrar Deus?

Sabemos todos que não basta procurar Deus nos livros, nos debates, nas discussões. Uma coisa é discutir religião e outra coisa muito diferente é buscar Deus com coração sincero. Recordemos Santo Agostinho: «Só o que faz bom o homem o pode tornar feliz».

A fé não é uma conquista teórica nem um alcance racional. Sempre que debati com alguém formas teóricas da fé, fiquei com a impressão de que não estava a falar do importante.

O mistério de Deus, segundo Jesus, é semelhante a um tesouro escondido no campo. Quem um dia o encontra desprende-se de tudo para ficar com ele. Assim aconteceu com Santa Joana.

4. Santa Joana Princesa, nossa Padroeira, que hoje celebramos em forma solene, continua viva a proclamar o primado de Deus e dos valores espirituais. A vida da Santa Princesa e a serenidade com que, confiando em Deus se manteve firme neste santo propósito de consagração religiosa, mostram que é caminho de beleza, de fé e de felicidade viver para amar a Deus e servir o próximo.

Filha de D. Afonso V e de D. Isabel, Santa Joana nasceu a 6 de fevereiro de 1452, em Lisboa. Órfã de mãe aos três anos de idade, sempre sentiu o afeto do pai e de toda a família real que a envolvia de carinho e dedicação para que fosse mais suave o sofrimento provocado pela falta da Mãe e para que se preparasse para as exigências de uma vida humanamente destinada a grandes serviços ao País ou em qualquer outra Corte estrangeira.

Educada num ambiente cultural de eleição, a jovem infanta aprofundava, dia a dia, a sua formação religiosa, «Amava sobretudo a Deus», diz o seu biógrafo, Monsenhor João Gaspar (S.ta Joana, 2.ª edição pág. 69). «E os pobres eram também os seus mestres…eles ensinavam-lhe o sentido da simplicidade, indicavam-lhe o valor do sofrimento, recordavam-lhe o evangelho das bem-aventuranças, exigiam-lhe convívio com eles, aconselhavam-na a deixar prestigio e bem-estar, ajudavam-na a aproximar do pensamento e a entrar no coração de Deus» ( Pág. 70).

Vencidas as resistências do Pai e da Corte, Joana de Portugal entra no Mosteiro de S. Cristóvão de Odivelas, da Ordem de S. Bernardo, e daqui caminha até Aveiro, onde chega no dia 30 de julho de 1472, e ingressa no Mosteiro de Jesus, da Ordem Dominicana, em Aveiro, como foi sempre seu sonho. Em Aveiro, como aveirense e como religiosa vive, reza e trabalha durante dezoito anos até que parte ao encontro de Deus, em 12 de maio de 1490.

A presença de Santa Joana em Aveiro marcou profundamente a história da então vila de Aveiro como marca, também hoje, a história da nossa cidade. A sua presença no Convento ajudou a que o estilo de vida religiosa deste convento se tornasse paradigma da vida religiosa dominicana, em Portugal, e o convento fosse procurado por muitas jovens para aí ingressarem. Não se estranha, por isso que a partir do convento de Aveiro e no espaço de pouco tempo tenham sido criados conventos em Lisboa, Leiria, Setúbal e Santarém.

Os seus pais e irmão foram sepultados no mosteiro da Batalha, mausoléu da Casa de Avis. Santa Joana quis repousar no claustro do convento de Jesus, aqui ao lado da nossa Catedral, bem no coração de Aveiro, para estar sempre mais próxima dos Aveirenses.

5. O seu testemunho deixou marcas na história de Aveiro, o seu exemplo de santidade está impresso no coração dos aveirenses e a sua proteção está presente na vida da cidade e da diocese. O primeiro bispo de Aveiro dedicou-lhe o Seminário e quis abençoar a primeira pedra da construção no dia 12 de maio de 1942. A cidade ergueu-lhe uma bela estátua, símbolo maior de sentida homenagem dos aveirenses e certeza necessária de bênção para todos nós. Quero, agora, ao pensar nos sacerdotes idosos e doentes e para eles edificar uma Casa sacerdotal, que esta Casa, já quase construída, seja dedicada, também ela, a Santa Joana Princesa.

Em plena Caminhada diocesana das Famílias, rumo à Festa das Famílias, a celebrar no próximo dia 20, no Colégio de Calvão, e a pensar em cada família da diocese, olho para Santa Joana, no seu exemplo de juventude e de fé, e peço-lhe proteção e bênção para esta sua Igreja para que seja fraternidade de famílias a confirmar a alegria, a felicidade, o amor e a esperança no mundo.

E confio-lhe com devoção e afeto a Missão Jubilar que vamos viver ao longo da celebração dos setenta e cinco anos da diocese. Aqui viremos como peregrinos em momentos marcantes do nosso viver como Igreja nesta Ano Jubilar e aqui encontraremos ânimo e entusiasmo para viver cada dia com a alegria da fé e com o encanto do amor a Deus e do serviço aos irmãos, de que Santa Joana nos deu tão belo exemplo e nos deixou tão santo testemunho.

Aveiro, 12 de maio de 2012, Solenidade de Santa Joana Princesa, Padroeira de Aveiro

D. António Francisco dos Santos, bispo de Aveiro

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