Homilia do Bispo de Aveiro na Missa Crismal

Fixar os olhos em Jesus, o nosso Salvador e guia da nossa fé ( Heb 12,2)

1. O Senhor me ungiu e me enviou

É de olhar voltado para Jesus que nos reunimos, nesta Sé Catedral, na unidade da Igreja diocesana e na comunhão do nosso presbitério. É de Jesus Cristo que nos vem a graça e a paz.

Destinam-se a Jesus as palavras da profecia de Isaías: «O Senhor me ungiu e me enviou a anunciar a boa nova aos pobres e a levar-lhe o óleo da alegria» (Is 61, 1 ss).

Contemplemos o rosto de Cristo, neste dia da instituição do sacerdócio e nesta celebração, em relação íntima com a Ceia do Senhor. Lembro o Papa João Paulo II que na Encíclica Ecclesia de Eucharistia nos dizia: «Contemplar o rosto de Cristo e contemplá-lo com Maria é o programa que propus à Igreja na aurora do terceiro milénio, convidando-a a fazer-se ao largo no mar da história, lançando-se com entusiasmo na nova evangelização” (Ec. De Euc. 6).

Mas o nosso olhar só se pode voltar para Cristo, porque primeiro o olhar de Deus se voltou para nós.

O olhar de Deus, na sua decisão de enviar o Filho ao mundo, é um olhar de amor imenso do Deus Criador que não nos abandona nas horas de ruptura, de fragilidade e de pecado, que nos envia o seu Filho para salvar o género humano e que segue atentamente a nossa história humana.

A consciência da missão leva Jesus a abrir o livro do profeta Isaías e a proclamar: “ O Espírito de Deus está sobre mim, porque Ele me consagrou para levar a boa nova aos pobres. Ele me enviou a levar a liberdade aos cativos, e a dar a vista aos cegos, reenviando em liberdade os oprimidos e a proclamar um ano de graça do Senhor” ( Lc 4, 18-19).

2.Um salvador que convida a trabalhar com Ele

Contemplando a vida de Jesus, vemos como Jesus convida a «trabalhar com Ele», como escolhe e chama pessoalmente a estar e a viver com Ele.

Assim, aqueles que se sentem seduzidos por este Senhor que perdoa, que cura, que restaura a dignidade, que convoca e que envia, optarão por viver e trabalhar com Ele.

Solidários com os mais pobres e com os marginalizados, integrando contemplação e acção, em tudo amando e servindo, os discípulos de Jesus transportam as marcas históricas de cada tempo e procuram responder aos desafios do mundo de hoje, um mundo sempre necessitado de purificação e de salvação.

É este olhar de Deus que nos ilumina na contemplação e no amor da Igreja, mistério de comunhão, sacramento de salvação e povo sacerdotal. Povo de baptizados, todos com igual dignidade, povo onde e a favor do qual surgem os ministérios a que Deus chama cada um de nós.

A bênção dos santos Óleos nesta Missa Crismal tem também esse sentido de serviço ao povo sacerdotal que é a Igreja, a cujos sacramentos estes Óleos santos se destinam.

3.O ministério é um serviço de amor

O ministério apostólico a que Deus nos chama no sacerdócio é um serviço de amor, como já o afirmava S. Leão Magno. Serviço de amor a Cristo e aos irmãos. Para isso é necessária a comunhão com o Mestre. Há que ser discípulos para poder ser apóstolos. Não se é sacerdotes sem viver com Cristo, como sarmentos que levam consigo a vigorosa força da videira a que estão indelevelmente unidos.

A opção pelo Senhor é necessária e imprescindível para evangelizar e dar fruto, um fruto que permaneça (Jo 15,16). Segundo a mesma lógica da missão de Jesus. “Como o Pai me enviou também eu vos envio a vós” (Jo 20, 21).

Acompanha-nos na vida e no ministério, irmãos sacerdotes, um Deus presente nos corações de todos os homens e mulheres de boa vontade, onde exista um mínimo desejo ou um momento de bem. Anunciamos um Deus que nos pede a santidade, numa relação afectiva e real com Ele. Temos um Pai que nos ama infinitamente.

Diz-nos o Cardeal Carlo Martini que o mundo não se divide entre crentes e não crentes, mas entre gente que procura Deus e gente que se acomoda na indiferença. É neste sentido que surge a oração do centurião: “Senhor, eu creio mas aumentai a minha fé” (Mc 9, 24).

Estamos ao serviço de comunidades cristãs, que se querem comunidades evangelizadas e evangelizadoras. A comunidade continua a ser essencial para a vivência da fé e do ministério. A fé foi-nos anunciada por alguém que já a vivia e nos disse palavras que encheram o nosso coração.

4.O olhar de Deus sobre o nosso presbitério

Neste Ano Sacerdotal, que o Santo Padre nos convida a viver, cumpre-nos descobrir o olhar de Deus sobre o nosso Presbitério e a essa luz vivermos a alegria de ser padres nesta Igreja de Aveiro que Deus nos chama a servir. Reconheço com alegria e gratidão que é grande a vossa abnegação e generosidade e exemplar a verdade da vossa vida e o testemunho de entrega à missão.

Desejamos ser um presbitério que dá a Deus o primeiro lugar na vida e na missão, procurando a via espiritual e a familiaridade com Deus como fonte de alegria, de fortaleza e de inspiração para viver a paixão pelo serviço do mundo.

Queremos viver a fidelidade a Deus com alegria e entusiasmo. A renovação das promessas e dos compromissos sacerdotais têm hoje esse sentido diante de Deus e assumem diariamente esse sinal visível diante da comunidade.

Sentimo-nos humildes e agradecidos como quem busca e trabalha para glória de Deus e não para a sua própria glorificação. Não esquecemos os benefícios recebidos ao longo do tempo nem os testemunhos encontrados em tantos sacerdotes que nos delinearam caminhos e abriram horizontes de vida e de ministério. O exemplo do Santo Cura d’Ars, na simplicidade do seu viver e na grandeza do seu servir, multiplica-se e engrandece-se em inúmeros irmãos nossos que neste setenta e dois anos de vida da nossa Diocese nos mostraram o impressionante caminho de fidelidade e de generosidade.

Somos um presbitério que, pela riqueza das suas origens e pela multiplicidade das suas diversidades, é chamado a experimentar a raiz comum de confiança entre irmãos, a viver uma amizade libertadora e a construir uma profunda e espiritual comunhão.

Sempre preocupados com a busca do melhor, a rezar e a acolher que o Espírito suscite em cada momento o que a cada um é pedido para o bem de todos.

Vimos de origens diversas, servimos em terras diferentes, assumimos responsabilidades variadas, mas tudo unimos na comunhão da Igreja e colocamos diariamente no altar da Eucaristia.

Vemos mais longe do que nós mesmos e amamos para lá de todos, porque desvendamos com esperança o futuro, amamos a Igreja que servimos e damos o tudo da nossa pobreza para que Deus tudo transforme.

Somos um presbitério de coração aberto às comunidades, que se comove com os que sofrem, que sabe que na sociedade em que vivemos são mais os últimos do que os primeiros, os que pagam o preço da crise do que os que a ajudam a resolver e que infelizmente são muitos os ofendidos e os que ofendem.

E a todos estes, sem excepção, somos enviados. Somos chamados à compaixão que nos faz clamar em nome da justiça e perdoar em nome da misericórdia.

O segredo da nossa fidelidade e da nossa comunhão nunca será apenas fruto do nosso esforço mas sim da bênção encontrada no jeito próprio da escuta de Deus, na celebração da Eucaristia e no diálogo fraterno entre nós.

O Pentecostes da Igreja não é um desígnio humano mas é um sinal do mistério do Espírito de Deus que habita por inteiro a sua Igreja, porque é a sua alma. Viver unidos e em comunhão, numa cultura de fragmentação e numa sociedade de competitividade é já de si um sinal do Reino Novo que há-de vir.

Demos graças a Deus pela nossa unidade como Igreja e pela nossa comunhão como presbitério.

Queremos acolher o Santo Padre Bento XVI, na sua próxima vinda a Portugal, com afecto agradecido e com presença expressiva que lhe dê coragem e ânimo nesta hora dolorosa da vida da Igreja.

Acompanham-nos hoje e sempre com dedicado espírito de colaboração, de afecto e de oração os diáconos, as comunidades religiosas, os consagrados (as) e os leigos (as) da nossa Diocese. Demos graças a Deus.

5. Entre a memória e a esperança

Esta é também uma hora de memória e de esperança. Saúdo o Padre João Manuel Marques Gonçalves, o mais novo sacerdote do nosso presbitério, que pela primeira vez participa nesta Missa Crismal como presbítero, e saúdo o Padre Vítor Espadilha, o único irmão sacerdote em jubileu sacerdotal e louvo o Senhor pela sua vida, ministério e generosa doação assim como pela alegria com que vive este momento e envolve as suas comunidades e irmãos sacerdotes nesta mesma alegria.

O horizonte do nosso presbitério ultrapassa as fronteiras geográficas da diocese e tem outras margens e fronteiras que são as margens da vanguarda da vida missionária noutras terras e as fronteiras da doença e da idade na nossa terra. A todos lembramos e a todos queremos fazer presentes.

Recordo os sacerdotes que nos deixaram ao longo do ano: Padres Joaquim Redondo, João Mónica, Valdemar Costa, Albano Pimentel, e não esqueço as nossas Mães e familiares que durante o último ano partiram ao encontro de Deus.

Eles já não moram entre nós nem trabalham aqui. Habitam junto de Deus, cuidam de nós e estarão sempre connosco, em graça e santidade.

Rezo pelos sacerdotes doentes e pelas famílias de sacerdotes a viverem momentos difíceis. É a pensar neles que vamos dando passos para construir a Casa Sacerdotal, qual santuário de gratidão que a uns e outros se destina.

A Missa Crismal é também hora privilegiada de olhar o futuro com esperança, implorando de Deus vida, saúde e fidelidade para todos nós, irmãos sacerdotes, e pedindo à Igreja diocesana que se sinta mobilizada para rezar e colaborar com o nosso Seminário, com o Pré-Seminário e com a Pastoral Vocacional para que os seminaristas de hoje encontrem o necessário e imprescindível apoio das comunidades cristãs.

Sabemos, irmãos sacerdotes, que “o testemunho suscita vocações”. Assim o sentimos já nos seminaristas que temos. Assim o continuaremos a experimentar nas novas vocações que vão surgir.

Que a Mãe de Jesus e Mãe dos Sacerdotes a todos abençoe e ilumine no caminho da missão, da alegria e da fidelidade.

Sé de Aveiro, 1 de Abril de 2010

+António Francisco dos Santos, Bispo de Aveiro

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