Homilia do bispo de Aveiro na celebração da Paixão do Senhor

Paixão pela Humanidade

1.Em cada Eucaristia, a Igreja celebra sempre a morte do Senhor, juntamente com a sua ressurreição, até que Ele venha. Esta sexta-feira santa, não se celebra a Eucaristia. Porém, a Igreja consagra à celebração evocativa da morte de Jesus um particular rito comemorativo, dando especial relevo à Palavra de Deus, à adoração da cruz e à comunhão eucarística.

Só a Palavra de Deus nos pode iluminar na compreensão deste mistério do sofrimento, da cruz e da morte de Jesus. Só a Palavra de Deus nos pode ajudar a rezar, com convicção e confiança, ao Pai diante do sofrimento de Jesus e no meio do sofrimento de tantos irmãos nossos, para quem o peso da cruz se torna, nos nossos dias e nas circunstâncias sociais em que vivemos, mais pesada e dolorosa.

À luz da fé e com a força recebida da Palavra, hoje proclamada, sabemos que Jesus assumiu livremente a condenação injusta e aceitou a decisão dolorosa de transportar a cruz por nosso amor e para nossa salvação. Jesus deu a sua vida por amor da humanidade. É esta dádiva de um amor universal e para sempre que nos manifesta o mistério redentor e nos diz que, se foi grande o preço do nosso resgate é porque é grande, também, o valor da nossa vida e da nossa salvação.

Na tarde desta sexta-feira santa vimos contemplar o mistério pascal: no silêncio prolongado, na escuta atenta da palavra de Deus e no olhar voltado para a cruz. Depois de adorarmos não a cruz mas sim o Crucificado vamos comungar o Corpo do Senhor, alimentando-nos da vida que da cruz nasceu, como Cordeiro imolado donde surge o alimento da Páscoa, a certeza da vida e chave da liberdade de um povo redimido.

2. Em momentos de dor e em horas de sofrimento, todos nós somos mais sensíveis à presença das pessoas e à consolação que nos vem da família, dos amigos e dos mais próximos, mesmo que esta presença seja feita de silêncio discreto e de gestos simples.

Mas para nós, cristãos, esta presença, ainda que necessária, não basta. Precisamos de nos voltar para Deus, a partir do mais profundo da nossa fé e do mais íntimo da nossa vida.

É salutar para quem crê poder manifestar a Deus a sua dor, para que os clamores e lágrimas, muitas vezes na fronteira mesmo da compreensão dos insondáveis desígnios do Senhor, possam transformar-se em plena e serena confiança, só possível de encontrar no mais íntimo do amor de um Deus que é Pai.

Diante da dor e do mal não nos pertence apenas esperar compreensão e receber ajuda dos outros quando somos nós a sofrer. Cumpre-nos estar presentes, também nós, junto de quem sofre com um coração capaz de se compadecer, com uma palavra iluminada pela fé e com gestos de íntima e verdadeira comunhão, que possam aliviar o seu sofrimento e repartir o peso da sua cruz.

Que, ao contemplar o testemunho maior de Jesus, que nos amou até á entrega plena da vida, saibamos nós também dar a nossa vida em gestos de presença e de comunhão com quem sofre! Que diante da dor humana possamos testemunhar um amor que não é apenas nosso mas que vem de Deus e que em nós se espelha e torna presente!

Ousemos em momentos humanamente quase superiores às nossas forças ser testemunhas de Deus, que não quer nem o mal nem a morte mas sim a vida e o bem!

3. Num mundo de vitórias fáceis e de êxitos imediatos, fomos muitas vezes levados a pensar que os que choram, os que sofrem, os que não produzem não têm lugar. Quem perdeu um familiar às vezes tem a impressão de não poder estar de luto. Quem já esteve bem e agora sofre no desemprego ou na pobreza tem receio de pedir ajuda. Quem já viveu com abundância e agora sente limitações tem vergonha de ser sóbrio.

Olhamos pouco para dentro do coração. O nosso olhar passeia demasiado vago e frequentemente distraído por fora da vida e por longe da realidade. Aprendemos a usar tecnologias e a desvendar horizontes, que nos levam a ver e a comunicar mais longe, mas deixámos de saber ler os sentimentos dos vizinhos e deixamos de ter espaço e tempo para as lágrimas humanas dos mais próximos.

Neste ano pastoral na nossa Diocese de Aveiro, centramos a nossa atenção e a nossa oração nas famílias.

Nesta tarde, Senhor, quero rezar-te pelas famílias em dor, em luto, em rutura, ou em ansiedade. Sei, Senhor, quanto a cruz do sofrimento pesa sobre tantas famílias. Ensina-nos, Senhor, a compaixão.

 Que na Igreja de Aveiro, nas instituições diocesanas, nas comunidades cristãs, nos movimentos apostólicos de espiritualidade familiar e nas pessoas atentas e de boa vontade, todas as famílias em dor e em dificuldade encontrem cirineus que partilhem o peso da sua cruz que lhes enxuguem as lágrimas do rosto.

Que encontrem sobretudo em Maria, que sempre esteve sempre junto da cruz de Jesus, a indispensável presença e a necessária bênção de Mãe. Amen.

António Francisco dos Santos, bispo de Aveiro

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