
IN CENA DOMINI
Quinta-feira Santa
A celebração de hoje, que nos introduz no Tríduo Pascal, está cheia de intensidade e até emoção. Passa-se “na noite em que Jesus foi traído”. Jesus está reunido com os doze apóstolos para a Ceia Pascal e, a certa altura, o ambiente ganha um tom um pouco dramático, de despedida.
Jesus não os quer “deixar” e diz-lhes quais as suas últimas vontades, um testamento espiritual que resume o essencial da sua vida oferecida por eles e por todos e nos recorda a abundância de amor que o Céu derramou sobre a terra. De facto, é Amor a Eucaristia, que nos foi dada nesse dia. É Amor o sacerdócio, que é serviço de amor e nos dá, além do mais, a possibilidade de ter a Eucaristia. É Amor a unidade, efeito do amor, que Jesus naquela quinta-feira implorou do Pai: “Que todos sejam uma coisa só como eu e tu” (Jo 17, 21). É Amor o mandamento novo, que Jesus revelou, lavando os pés”. E diz-lhes: “fazei sempre isto em memória de mim”!
Eucaristia sem caridade, sem vontade de dar a vida por amor, não tem sentido! Chega-se e sai-se da Eucaristia para amar. Nas mãos dos apóstolos, o pão e o vinho tornam-se ele próprio. Por isso, quando coloca um pedaço desse pão nas mãos de Pedro, de João, de André, de Judas, é como se dissesse: “Sou eu, não tenhais medo, coloco-me nas vossas mãos, confio em vós e entrego-me a vós, para que vos torneis um só comigo”.
Também nesta noite, Jesus quer tornar-se um connosco, a ponto de desaparecer e de se tornar o nosso alimento. Esta é a noite em que somos chamados a vencer, no nosso coração, a mesma resistência manifestada por Simão Pedro. Essa sua maneira de se esconder atrás de uma falsa religiosidade que, sob o pretexto de colocar Deus no alto, acima dos assuntos deste mundo, não o deixa trabalhar no concreto da sua própria vida, nos seus pés, na parte do corpo humano que nos mantém plantados na terra. “Senhor, tu não me lavarás os pés!” Jesus comunica com gestos, pois há mistérios que as palavras humanas não conseguem captar: “O que eu faço, não o compreendeis agora; compreendê-lo-eis mais tarde”.
Muitas vezes paramos na primeira parte ritual e celebrativa, esquecendo a conjunção mais estritamente dedutiva do portanto, “fazei também vós…” que devemos declinar na história sujando as mãos e tomando posição, comprometendo-nos com a linguagem “suja” do mundo para lavar os pés dos nossos irmãos e irmãs que, connosco e juntamente connosco, caminham para a pátria celeste atravessando o chão comum da história. O amor é o único rito querido por Jesus. Hoje, aqui e sempre que nos reunimos para a Eucaristia, lá está Jesus a lavar os pés, perdoando, a elevar-nos dando-nos o Seu Corpo que nos transforma Nele e a envia-nos para fazermos o mesmo. Não podemos compreender inteiramente no rito, mas começamos a captar o seu significado profundo mais tarde, na vida, no encontro com o outro, no sacramento do irmão e da irmã que encontramos ao nosso lado, em casa, na rua, na escola, no local de trabalho. Eucaristia e caridade divina habitam juntas nos nossos corações e fazem de nós aquilo de que nos alimentamos, que é precisamente de Jesus Ressuscitado. Diz SNC,3: “a esperança nasce do amor e funda-se no amor que brota do Coração de Jesus trespassado na cruz”.
Assim, cada vez que celebramos a Eucaristia, que tem as suas raízes na comemoração desta noite, podemos gritar com o antigo povo da aliança: “É a Páscoa do Senhor”, é o seu ato definitivo de libertação do mal, a sua passagem da morte para a vida e a possibilidade que nos é dada de nos tornarmos participantes dela. O seu desígnio de salvação realiza-se, não como um desejo ou uma crença piedosa, mas como pão e vinho, isto é, como comida e bebida, como realidades destinadas a serem assimiladas e traduzidas na nossa existência histórica.
Caros irmãos e irmãs, façamos experiência desta Sua presença, aqui, connosco. Tentemos reviver essa Última Ceia vivendo esta, onde se renova esperança na força do amor. Os seus gestos repetem-se.
Comecemos por acompanhar e meditar no significado do lava-pés. Jesus inclina-se diante de cada um de nós, mandando fazer o mesmo aos irmãos. Será o nosso amor suficientemente forte para estarmos também nós prontos a dar a vida uns pelos outros como fez o mestre? Bendito…
Sé de Angra, 17 de abril de 2025