Homilia do bispo de Angra na Eucaristia do Domingo da Ressurreição

«Viu e acreditou». É com estas palavras que o Evangelho nos descreve o culminar do trajeto realizado por Maria Madalena, Pedro e João até chegarem ao reconhecimento de que Jesus de Nazaré está vivo, ressuscitou.

É esta mesma afirmação que deve corresponder ao itinerário que nós comunidade cristã e batizados, discípulos de Jesus Cristo, que ano após ano somos chamados a percorrer os caminhos da fé que com lucidez se deixa iluminar pela ação do Espirito Santo e, deste modo, observando os dados que a razão humana pode captar somos conduzidos ao reconhecimento da ressurreição de Jesus de Nazaré, nossa esperança.

A partir da Palavra que nos é proclamada nesta celebração, somos interpelados  a uma vivência cristã a partir de três dimensões da nossa condição de discípulos de Jesus Cristo. A primeira refere-se à vida cristã como experiência de encontro com Jesus Ressuscitado; a segunda diz respeito à vida comunitária como essencial para sentir a Ressurreição de Jesus Cristo; e a terceira diz respeito à missão de anunciar e testemunhar Aquele que se nos revelou Ressuscitado.

Na verdade, na pessoa de Maria Madalena, de Pedro e de João, e no itinerário que os leva ao encontro de Jesus, reconhecemos também nós, batizados, temos necessidade e somos interpelados a deslocarmo-nos de nós mesmos, das nossas comodidades, dos nossos pensamentos e desinstalando-nos percorrermos os caminhos que nos levam até Jesus de Nazaré.

Sem dúvida que para muitos o ponto de partida é o facto de Jesus ter morrido tal como nos é descrito nos Evangelhos, mas não só o anuncio é da ressurreição, como no intimo de cada um de nós se sente o ardente desejo que Aquele que nos ama tanto não deixe de estar presente. Por isso, pela ação do Espirito Santo, a partir dos sinais com que os nossos olhos se deparam somos levados à contemplação daquele que agora está vivo.

Isto aconteceu com as primeiras testemunhas, isto mesmo deve acontecer hoje connosco.

A exigência que nos é colocada tem a ver com a caminhada que se exige no interior de cada um para se encontrar com Aquele que nos foi anunciado vivo e ressuscitado.

Igualmente nos deparamos com a exigência de participação activa numa comunidade cristã. Não só o Evangelho que escutámos nos refere que entre as primeiras testemunhas da ressurreição há uma partilha da descoberta que cada um faz mas também verificamos que a experiência de Jesus Ressuscitado só se dá quando alguém está integrado consciente e ativamente numa comunidade de partilha de fé, de esperança e de amor.

Na verdade, como refere S. João Paulo II, «agora é para Cristo ressuscitado que a Igreja olha» (NMI, 28). Aliás, «passados dois mil anos destes acontecimentos, a Igreja revive-os como se tivessem sucedido hoje. No rosto de Cristo, ela — a Esposa — contempla o seu tesouro, a sua alegria» (NMI, 28).

Este facto deve desafiar-nos a uma integração comunitária cada vez mais forte e lúcida. Sem comunidade, a fé cristã desvirtua-se em ideologia ou em mera opinião pessoal.

Comunidade que celebra a Jesus Cristo entregue, morto e ressuscitado, através da Eucaristia, memorial perene da páscoa do Senhor.

Nos tempos em que vivemos, a consciência de participação ativa e consciente na Eucaristia e através dela na comunidade cristã é algo de fundamental para a descoberta de Jesus Cristo vivo e operante na vida de cada um e de cada comunidade.

Daí o convite de S. Paulo que escutámos na segunda leitura «uma vez que ressuscitaste com Cristo, aspirai à coisas do alto». De facto, no batismo fomos sepultados com Cristo e ressurgimos pessoa nova. O homem velho desapareceu e somos revestidos do homem novo.

Deste modo e a partir desta singular experiência de vida cristã, os nossos comportamentos, os nossos valores, os nossos critérios, as nossas opções já não podem ser pautadas pelas seduções do mundo. A comunhão de vida com Cristo tem um efeito no nosso modo de ser e de atuar no mundo em que vivemos.

«Jesus é o “homem novo” (cf. Ef 4,24; Col 3,10), que convida a humanidade redimida a participar da sua vida divina» (NMI, 23).

O último desafio diz respeito ao anúncio e ao testemunho acerca daquele que encontrámos vivo e ressuscitado. Aliás este comportamento baseado no testemunho e no anúncio é essencial para a experiência da Ressurreição de Jesus Cristo.

Este desafio está presente no texto do Evangelho proclamado, no qual nos deparamos com o anúncio e o testemunho de cada um que se encontrou com a pessoa de Jesus Ressuscitado; mas igualmente se nos oferece na primeira leitura dos Atos dos Apóstolos que na pessoa de Pedro nos refere que «nós somos testemunhas de tudo o que Ele fez» e ainda «Jesus mandou-nos pregar ao povo e atestar que Ele foi constituído por Deus juiz dos vivos e dos mortos»; do mesmo modo, Paulo nos convida a manifestarmos a vida de Cristo.

Alicerçada no mistério pascal de Jesus Cristo, morto e ressuscitado, «confortada por esta experiência revigoradora, a Igreja retoma agora o seu caminho para anunciar Cristo ao mundo»(NMI, 28).

Como nos refere o Papa Francisco «um anúncio renovado proporciona aos crentes, mesmo tíbios ou não praticantes, uma nova alegria na fé e uma fecundidade evangelizadora» (EG, 11). Aliás, «o seu centro e a sua essência são sempre o mesmo: o Deus que manifestou o seu amor imenso em Cristo morto e ressuscitado. Ele torna os seus fiéis sempre novos» (EG, 11).

Se a experiência da ressurreição de Jesus Cristo é fundamental para a vitalidade da vida pastoral da comunidade cristã e para a alegria de cada batizado, é essencial para a nossa diocese, em todas as suas comunidades, serviços e movimentos, carismas e agentes pastorais, quando somos convidados a uma renovada ação evangelizadora através da participação de todos na missão da Igreja.

Considerando que «a alegria do Evangelho, que enche a vida da comunidade dos discípulos, é uma alegria missionária» (EG,21 ), reconhecemos que «a intimidade da Igreja com Jesus é uma intimidade itinerante, e a comunhão “reveste essencialmente a forma de comunhão missionária”» (EG,23 ), então, «fiel ao modelo do Mestre, é vital que hoje a Igreja saia para anunciar o Evangelho a todos, em todos os lugares, em todas as ocasiões, sem demora, sem repugnâncias e sem medo» (EG,23 ).

É com esta certeza e com esta alegria, que apresento a todos os diocesanos, na Região dos Açores e na diáspora, sobretudo aos grandes heróis desta epidemia, governantes, profissionais da saúde, protecção civil, forças de segurança, doentes e famílias, sacerdotes, diáconos, religiosos, leigos e os diversos serviços diocesanos, os meus votos de Santa Páscoa.

Imploro de Nossa Senhora, Mãe e Rainha dos Açores, que se alegrou com a Ressurreição do Seu filho que abençoes todos os que sofrem a tribulação no corpo ou no espirito e nos faça caminhar pelas sendas da evangelização do mundo de hoje.

Amen.

Sé de Angra, 4 abril 2021

D. João Lavrador

Bispo de Angra e Ilhas dos Açores

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