Homilia do Arcebispo de Évora na Missa Vespertina da Ceia do Senhor

Caros Senhores Cónegos e demais Sacerdotes, estimados Diáconos, queridos Consagrados e Consagradas, esperançosos Seminaristas, zelosas Irmandades e Confrarias, amadas famílias cristãs, caríssimos jovens, meus Irmãos e minhas Irmãs, nesta celebração sentimo-nos em intensa proximidade com todos os que na Sociedade e na Igreja se dedicam a lavar os pés aos mais débeis, frágeis, dependentes e necessitados. Uno-me de alma e coração a todos os servidores, cuidadores e curadores do Ser Humano, aos promotores da humanização e da promoção integral de cada ser humano. Todos os que numa dedicada ecologia integral cuidam e defendem a Casa Comum e nela apelam à integração de todos os seres humanos. Preito de Gratidão, Homenagem e Louvores dos “pés que anunciam a paz” e promovem a justiça.

Na Última Ceia, na iminência da Paixão, a atmosfera era de amor, de intimidade, de recolhimento. “Jesus, sabendo que o Pai tinha colocado tudo em Suas mãos e que de Deus tinha saído e para Deus voltava, levantou-se da mesa, tirou o manto, pegou uma toalha, cingiu-a à cintura. Derramou água numa bacia e começou a lavar os pés dos discípulos, enxugando-os com a toalha com que estava cingido” (Jo 12,3-5). Para os apóstolos deve ter sido muito impressionante ver Jesus realizar este gesto, o qual estava reservado para o servo da casa ou escravo. Certamente eles devem ter entendido este sinal, somente com o passar do tempo. Ainda hoje, podemos achar surpreendente imaginar Deus nessa posição, limpando com as suas mãos o pó do caminho, fixados nos nossos pés pelo suor das caminhadas…

Deixar Cristo lavar os nossos pés implica reconhecer que não somos nós que nos tornamos puros, limpos ou santos. O Papa Francisco lembra que «isto é difícil de compreender: se não deixamos que o Senhor se torne nosso servo, que o Senhor nos lave, nos faça crescer, nos perdoe, não entraremos no Reino dos Céus. Deus salvou-nos, servindo-nos. Geralmente pensamos que somos nós que servimos a Deus. Mas não; foi Ele que nos serviu gratuitamente, porque nos amou primeiro. É difícil amar, sem ser amado; e é ainda mais difícil servir, se não nos deixamos servir por Deus». Caros Irmãos e Irmãs, este é o paradoxo cristão: é Deus quem vai à frente, que nos ama primeiro; é Ele quem toma a iniciativa. Por isso é tão importante, antes de empreender qualquer tarefa, aprender a receber o que Deus nos quer dar, aprender a deixarmo-nos amar e limpar repetidamente por Ele.

Nunca nos deixaremos de maravilhar com o gesto do “Lava-Pés”, mas o Seu amor e humildade atingem a plenitude, quando, durante a ceia, “tomou o pão e, depois de dar graças, partiu-o e disse: «Isto é o meu corpo, que é para vós; fazei isto em memória de mim». Do mesmo modo, depois da ceia, tomou o cálice e disse: «Este cálice é a nova Aliança no meu sangue; fazei isto sempre que o beberdes, em memória de mim. Porque, todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha». (1 Cor 11,23-25) De facto, o gesto do “Lava-pés” é a chave interpretativa da Eucaristia: a suprema entrega do Senhor aos irmãos de quem se faz servo.

O Senhor instituiu este sacramento como “memorial perene da sua Paixão, o cumprimento perfeito das figuras da Antiga Aliança e o grande sinal da sua perene permanência connosco. Na Eucaristia Ele doa-se a Si mesmo: tornando-se alimento, pão e vinho para nós, é ao mesmo tempo uma manifestação de superabundância de amor e a expressão plena de humildade. O sacramento eucarístico permite-nos a plena identificação com Deus, fundirmo-nos e compenetrarmo-nos com Deus.

Por muito que aprofundemos tudo o que Deus Pai nos dá, nunca chegaremos a compreender a profundidade do seu Dom. É remédio de imortalidade, antídoto contra a morte eterna, vida nova em Jesus Cristo para sempre.

Nesta contemplação orante, podemos concluir com o Papa que «o cristianismo é antes de tudo dom: Deus doa-se-nos, não dá algo, mas doa-se a si mesmo (…). Por isso, o principal Sinal ou Sacramento do ser cristão é a Eucaristia: a gratidão por termos sido gratificados, a alegria pela vida nova que d’Ele recebemos».

Nas palavras do sacerdote, proferidas antes da consagração – “deu graças, partiu-o e deu-o aos seus discípulos…” – percebemos a disposição agradecida do coração de Jesus diante de Deus Pai.

Cada um de nós quer ter a mesma atitude de Cristo nesta tarde santa. Vamos tentar amar cada pessoa com o Amor com que Ele ama e como Ele as ama: «Dou-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros; que vos ameis uns aos outros assim como Eu vos amei», (Jo 13,34). Por Cristo, com Ele e n’Ele, somos capazes de amar até o fim. Como Jesus, ajoelhamo-nos diante do ser humano para lavar os seus pés, assumindo nas nossas vidas a missão de servir e não ser servido.  Com Jesus, Samaritano e com o Cireneu lavamos os pés, servindo em solidária caridade as grandes causas da humanidade.

Permiti que vos sugira alguns compromissos nesta Quinta-feira Santa. A santíssima Eucaristia contém todo o bem espiritual da Igreja, a saber, o próprio Cristo, nossa Páscoa e pão vivo que dá a vida aos homens mediante a sua carne vivificada e vivificadora pelo Espírito Santo. Daí tiramos força e vida para levá-la até o último canto da terra, até ao coração de cada pessoa ao nosso redor. A Eucaristia é a fonte, alimento e sustento da fraterna caridade que havemos por coerência promover e viver. Eis o nosso compromisso feito coerência e dinamismo de vida.

Podemos aproveitar o dia de hoje, em que Deus deu à sua Igreja este sacramento para rezar também pela santidade dos sacerdotes, para servirem a Igreja todos os dias com o mesmo amor do Senhor. Com a nossa oração, podemos ajudá-los a tornar realidade a vocação que impulsiona a sua atividade sacerdotal. Eis o compromisso para quem neste Ano Santo 2025: Peregrinos da Esperança que com os sacerdotes Ministeriais rasguem estradas novas neste mundo velho e acendam estrelas apagadas em tantos homens, mulheres e jovens alheados, indiferentes, incrédulos, sem Esperança, companheiros de Emaús, com Cristo no meio, em cada Sacerdote que Cristo nos ofertou.

Entre tantos dons que hoje recordamos, sabemos que Jesus também nos deu a sua Mãe. A Ela, a principal testemunha do sacrifício de Cristo, podemos dirigir-nos para, com a sua ajuda, ter uma vida de louvor por tantos dons recebidos. Perante as cruzes da nossa vida o Magnificat de Maria pode-nos inspirar a sermos Peregrinos de Esperança e como Ela a permanecermos de pé na caridade e na compaixão, unindo a sua oração: «Eis a humilde serva do Senhor, faça-se em mim segundo a Tua Palavra» (Lc 1, 38), com a oração de Cristo: «Pai, nas Tuas mãos entrego o Meu Espírito» (Lc 23, 46).

+ Francisco José Senra Coelho, Arcebispo de Évora

Partilhar:
Scroll to Top