Homilia do Arcebispo de Évora na Missa Crismal

Enviou-me a anunciar a Boa Nova (Lc.4,18) Um mês depois da minha entrada solene, como Arcebispo, nesta histórica catedral, volto a ter a alegria de presidir a esta celebração, no decorrer da qual será consagrado o santo crisma e serão benzidos os óleos dos catecúmenos e dos enfermos. É uma das mais belas concelebrações. Nela se manifesta de forma visível a unidade do presbitério. Os presbíteros apresentam-se como testemunhas e cooperadores do Bispo Diocesano, que benze os óleos, levados para todas as paróquias da Diocese, para serem utilizados na celebração dos sacramentos e, dessa forma, evocarem a presença espiritual do Bispo, como “fundamento da unidade” (LG23). A bênção dos óleos congrega-nos a todos em volta do mesmo altar, evoca as diferentes unções recebidas por todos nós, com óleos idênticos, como sinal da unção espiritual que o espírito do Senhor operou em cada um. E, na sequência dessa unção espiritual, fomos enviados a anunciar a Boa Nova, a exemplo e em nome de Jesus Cristo. Nem a unção nem o envio se ficaram a dever a quaisquer méritos, capacidades ou actividades pessoais. Tanto a unção como o envio são dons gratuitos de Deus, concedidos a cada um de nós, em ordem ao bem espiritual do povo santo de Deus. Nós fomos enviados por Jesus Cristo, tal como Ele tinha sido enviado pelo Pai (Jo13,10). Na verdade, nenhum de nós tem algo de seu que possa levar os homens do nosso tempo. Pois, não somos nada sem o Senhor que actua em nós e por meio de nós. Donde se conclui ser absolutamente necessário que vivamos com Ele (Mc 3,14), bem unidos a Ele, como os Apóstolos, actuando sempre em nome d’Ele, que nos enviou. Somos servos seus e por nós quase nada podemos fazer. Tal como Jesus nada fez por si mesmo “a não ser o viu fazer do Pai”(Jo 5,19), também nós nada podemos fazer, com valor para a salvação, a não ser aquilo que aprendemos do próprio Jesus. O anúncio da mensagem deve preceder o compromisso. Por isso, nós fomos enviados como “ministros da Palavra” (Lc1,2) para anunciar a Boa Nova. Ora, o anúncio da Palavra tem exigências fundamentais a que nenhum de nós se pode furtar. Antes de sermos anunciadores e para podermos cumprir correctamente a missão do anúncio, temos que ser ouvintes assíduos da Palavra, sentindo-nos inclinados para a Palavra e habitados por ela. Só assim podemos considerar-nos discípulos do único Mestre, Jesus Cristo, que nos ungiu para permanecermos sempre ao serviço da Palavra. Antes de a transmitir aos outros, primeiro temos nós que a acolher no coração e rezá-la para que a nossa pregação leve os ouvintes à oração e seja para nós fonte de vida. Quando a Palavra não é rezada nem leva os ouvintes à oração corre o risco de endurecer os corações. Os escribas e os fariseus tantas vezes referidos por Cristo, no Evangelho, conheciam as Escrituras Sagradas mas não as rezavam, não as aplicavam à própria vida. E, por isso, são acusados por Jesus de terem o coração duro. Ninguém está isento de incorrer nesse pecado. Como “ministros da Palavra”, esforcemo-nos, caríssimos presbíteros e diáconos, por rezar a Palavra revelada, com assiduidade, para que a nossa pregação leve os ouvintes à oração. O valor e a força da pregação não residem em nós nem nos métodos ou nas técnicas por nós usadas. Residem antes na própria Palavra. Só ela é poderosa e eficaz. Partindo desta verdade fundamental da nossa fé, compreendemos a atitude de S. Paulo, ao despedir-se dos anciãos de Éfeso. Não lhe confiou a Palavra, confiou-os a eles à Palavra. Todos nós fomos confiados, entregues ao vigor e ao poder transformador da Palavra. Será a Palavra, pela sua força espiritual que nos transformará interiormente, na medida do nosso assíduo contacto com ela, em ordem à identificação do nosso pensamento com o pensamento de Cristo (I Cor 2,16). Hoje em dia há quem se interrogue sobre a autoridade do seu próprio ministério. Alguns tentam fundamentar a sua autoridade em realizações humanas. Nelas se empenham e se esgotam sem conseguir encontrar respostas para as suas interrogações e dúvidas. Quem percorre esses caminhos não compreendeu que a autoridade vem da Palavra e não do próprio. Não compreendeu que a força do nosso testemunho está no grau de identificação com Cristo. Ele falava com autoridade. As suas palavras não eram ocas e destituídas de sentido como as dos escribas. As nossas terão tanto mais força e poder quanto mais se identificarem com as de Cristo. A mensagem é d’Ele, não é nossa. Nós somos “ministros da Palavra”, para transmitir, com quanta verdade e profundidade formos capazes, a mensagem da Boa Nova de Jesus Cristo. Neste percurso de transmissão da Palavra, o estudo e a especialização são muito importantes. Porém, mais importante ainda é a fé. Os fiéis esperam mais de nós que sejamos mestres da fé do que especialistas em qualquer ramo do saber. E ser mestre da fé implica, antes de mais, que acreditemos no que anunciamos. Antes de sermos mestres temos que ser discípulos. Antes de pregar temos que escutar. Antes de falar temos que rezar e ouvir a voz de Deus que fala no silêncio dos corações. Apesar das múltiplas ocupações de cada dia, se quisermos que o nosso ministério tenha fecundidade espiritual, ouçamos a admoestação de S. Paulo aos Efésios: sede sensatos no vosso modo de proceder, “redimindo o tempo” (5,16) isto é, aproveitando-o bem, para serdes capazes de ultrapassar as dificuldades de cada dia e compreenderdes qual é a vontade do Senhor a vosso respeito. + José Francisco Sanches Alves, Arcebispo de Évora

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