Homilia do Arcebispo de Braga no Dia de Ramos

Acolhendo o dom de Deus, dar alento à juventude 1 – Entrada triunfante não é um equívoco A celebração do Domingo de Ramos é, sem dúvida, a celebração da revelação de Jesus Cristo, como dom para a Humanidade. E porque se trata dessa revelação, não podia ser senão paradoxal. De facto, começamos a liturgia com manifestações de glória, com a apresentação de Jesus como Rei – um rei especial, é verdade, mas de qualquer modo como presença da glória de Deus. E depois transitamos para a paixão, como se o episódio da entrada triunfante em Jerusalém fosse um equívoco e, em realidade, o projecto salvífico de Deus tivesse fracassado. Mas é precisamente nesse paradoxo que se nos revela o dom de Deus – ou Deus como dom supremo. É que a glória de Deus, isto é, a sua verdade, está precisamente na sua paixão. Como poderemos nós compreender tamanho desconcerto? É que a verdade de Deus é precisamente o seu dar-se, dar-se totalmente até à doação da sua vida. Por isso, é nessa manifestação máxima do amor que se encontra a sua glória. Então não há contradição entre a glorificação de Deus e a sua paixão. Aliás, a sua glória assenta na sua paixão, como nos expressa o conhecido hino da carta aos Filipenses “Não se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilam-se a si mesmos, assumindo a condição de servos…” (Fil 2, 6-11). A obediência até á morte – como manifestação máxima do amor – é que permite a glorificação. E esta não é outra coisa que a glória do amor, isto é, a salvação introduzida pela doação da vida. Isso não significa que essa entrega não seja dramática. O drama chega a atingir o extremo radical do próprio sentimento de abandono por Deus. O recurso ao salmista, que clama ao seu Deus e o questiona a respeito desta dor imensa, é sinal de que a doação da vida, como sinal de amor, não dispensa da agonia ou da luta com o próprio sentido da existência, presente no absurdo do sofrimento inútil e inocente. Só a passagem por esse percurso escandaloso e a capacidade de, tal como Job, acolher Deus mesmo no limite do sentido, é que permite a manifestação da verdadeira glória de Deus. Qualquer triunfalismo fácil é caminho de perdição. Só a capacidade de dar a vida pelo outro é que é raiz do verdadeiro dom. 2 – Acolhimento do dom de Deus A entrada em Jerusalém pode ser compreendida como celebração de acolhimento do Dom de Deus, presente em Jesus. Acolhimento esse que aí acontece como aclamação/adoração, não apenas no sentido de júbilo, mas sobretudo no sentido de reconhecimento de que só Deus é Deus e que só Jesus é a Sua presença, o Seu dom entre nós e para nós. Nesse sentido, essa aclamação antecipa o acolhimento do dom que, na paixão, nos é oferecido. Porque o acolhimento de Jesus implica a aceitação de toda a Sua pessoa e do Deus que nele se nos dá. Como diz Bento XVI, na encíclica Deus Caritas Est, “No início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo” (nº1). Por isso, o acolhimento do dom não é em primeiro lugar a aceitação de um ideal – porventura entusiasticamente presente neste episódio jubiloso, em que as multidões se deixam conduzir pelas mais diversas ideologias – mas a aceitação do modo de ser de uma pessoa real. E esse modo de ser manifesta-se plenamente na paixão. Assim, a aclamação do domingo de Ramos significa o acolhimento do dom de Deus como dom salvífico. Esse dom salvífico é a capacidade de dar a vida. Assim, aquilo que Deus nos dá, em Jesus, sobretudo na sua paixão, é a possibilidade de darmos a nossa vida, por amor e de, dando-a, a recebermos. Por isso, o Jesus revelado na entrada triunfante e na paixão é aquele que inaugura uma nova relação à vida e à morte; uma relação que as encara na dinâmica da doação gratuita de si. 3 – Alento à Juventude Desta dinâmica resulta o compromisso ou a tarefa do cristão, daquele que acolhe Jesus como dom de Deus, aclamando-o e seguindo-o, até à morte. Na aclamação dos Ramos podemos suspeitar o entusiasmo juvenil de quem se deixa encantar ou fascinar por uma pessoa que atrai para si, de modo especial, todos os que buscam sentido. É, por isso, o modelo do entusiasmo dos jovens de todos os tempos. É, por assim dizer, o efeito da manifestação da beleza de Deus, que, ao ser contemplada, atrai para si, emotivamente, todos aqueles que por ela se deixam atingir. Mas não podemos esquecer que os textos deste Domingo são textos da paixão. Por isso, a beleza de Deus não é uma beleza superficial, ilusoriamente construída. É a beleza do Seu amor. E essa implica precisamente paixão. Ao celebrarmos o Dia Mundial da Juventude, olho para as nossas família e quero concentrar-me nos jovens. Houve um tempo em que falar em juventude era sinónimo de alegria, felicidade, encanto de viver. Hoje parece que os critérios se alteraram e a ausência de sentido perturba muitas vidas jovens. Ao lado de muitos comprometidos e felizes descortino um cenário – que me parece em ritmo crescente- de rostos tristes e existências problemáticas. Em Isaías ouvíamos “o Senhor deu-me a graça de falar como discípulo para que saiba dizer uma palavra de alento aos que andam abatidos” (Is 50, 4). Quero, por isso, interpelar as comunidades e, dum modo particular os movimentos juvenis para que, como verdadeiros discípulos, assumam um compromisso com os jovens para que, com atitudes e gestos, sejam motivos de verdadeiro alento. Pode parecer difícil compreender muita coisa. Quando nos tornamos servos e aceitamos caminhar com os jovens para partilhar as suas perplexidades, encontramos a verdadeira razão do nosso ser cristão, tornando-nos Cireneus que se identificam com as suas cruzes e entregam todas as energias para que aconteça a libertação de pseudo valores e ídolos que estrangulam a felicidade de viver. “Ao saírem, encontraram um homem de Cirene, chamado Simão, e requisitaram-no para levar a cruz de Jesus…” (Mt 27, 11-54). A Igreja apresenta a sua identidade se se sentir “requisitada” para assumir os dramas e traumas dos jovens. A partir desta atitude acredito que venham a reconhecer que “Este era verdadeiramente Filho de Deus”. Não basta condenar os erros; urge carregar os problemas. Com a doação acontecerá a verdadeira libertação. Por outro lado, exorto os jovens que habitam este mundo feito dos mais diversificados fascínios: não vos deixeis enganar por ofertas superficiais e demasiado passageiras, pois espreita-vos o sabor amargo da desilusão; deixai-vos fascinar pelo dom de Deus, presente no rosto de Jesus e pelo compromisso sério, na paixão de todos os dias, na capacidade de morrer para que haja vida neste mundo ensombrado pela morte. Aqui está a fonte da esperança cristã, a única que nos salva. Os movimentos juvenis devem mostrar que é possível estar nos tempos de hoje e ser discípulo fiel. Mais do que ninguém a juventude necessita de ver que é possível. Quem lhe mostrará esta verdade? Creio ser tarefa da Igreja, o que quer dizer, de todo e qualquer baptizado. Se o fizermos, estamos a viver plenamente o presente e a construir o futuro da mesma Igreja; se não arriscarmos, comprometemos o futuro do cristianismo. É tempo de dar esperança e oferecer alento. Termino, por isso, com as palavras de Bento XVI, na sua última Exortação Apostólica, Spe Salvi: “…precisamos das esperanças – menores ou maiores – que, dia após dia, nos mantêm a caminho. Mas, sem a grande esperança que deve superar tudo o resto, aquelas não bastam. Esta grande esperança só pode ser Deus, que abraça o universo e nos pode propor e dar aquilo que, sozinhos, não podemos conseguir. Precisamente o ser gratificado com um dom faz parte da esperança. Deus é o fundamento da esperança – não um Deus qualquer, mas aquele Deus que possui um rosto humano e que nos amou até ao fim: cada indivíduo e a humanidade no seu conjunto. O Seu reino não é um além imaginário, colocado num futuro que nunca mais chega; o Seu reino está presente onde Ele é amado e onde o Seu amor nos alcança. Somente o Seu amor nos dá a possibilidade de perseverar com toda a sobriedade dia após dia, sem perder o ardor da esperança, num mundo que, por sua natureza, é imperfeito” (nº 31). Vamos viver esta Semana Santa reassumindo vários compromissos que o dom de Deus nos faz compreender. Sé Catedral – Domingo de Ramos † D. Jorge Ortiga, A. P.

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