O Justo nasce para todos
A vitória de Cristo sobre a morte é a grande novidade a celebrar e a anunciar em Igreja. Sem a ressurreição estaríamos integrados num mero grupo de admiradores de uma personalidade histórica. A verdade é que Ele está vivo e operante na História e, em Seu nome, continuamos a batalha de vencer as diversas formas de morte, até que em todos resplandeça a dignidade oferecida pelo Criador.
Motivados pela Páscoa, teremos de percorrer as estradas dos homens e chegar aos mais recônditos lugares. Alguns são conhecidos, outros estão disfarçados pelo desejo de mostrar algo que não existe. E, quando aí chegarmos, é necessária coragem para remover as pedras que impedem que muitos saiam do sepulcro, ou seja, de situações estruturais de injustiça, misérias materiais e morais, exploração fraudulenta e incapacidade de usufruir o necessário. Neste sentido, o Santo Padre recordava na Mensagem Quaresmal que é imperativo “contribuir para a formação de sociedades justas, onde todos recebem o necessário para viver segundo a própria dignidade de homens e onde a justiça é vivificada pelo amor”.
Não dizemos nada de novo se afirmarmos que a vida, na nossa região, não é digna para muitas famílias. É certo que a crise mundial é apresentada como causa, mas há situações que não podem esperar. Daí que, tendo a Igreja um conhecimento próximo dessas situações, deva cada vez mais empenhar-se em ser parte da solução, quer a nível individual, quer enquanto instituição. A Arquidiocese de Braga está, portanto, disposta a contribuir para que a Páscoa aconteça em muitos lares, desde que cheguem informações e sugestões realistas de respostas. Não temos uma fórmula mágica. A fé acompanha-nos e, com a co-responsabilidade social de todos os cristãos e de todas as pessoas de boa vontade, poderemos atenuar muitas situações e diminuir dramas que incomodam as consciências de quem quer ver a realidade.
Podemos correr o risco de uma resignação que delega responsabilidades pessoais, apontando simplesmente o dedo a quem dirige em Portugal e no mundo. Se há caminhos que poderiam e deveriam ter sido percorridos pela classe dirigente, saibamos, por outro lado, dar espaço a uma criatividade pessoal e familiar que sempre caracterizou a nossa região. Olhando para a especificidade da nossa zona, é ainda razoável esperar da criatividade empresarial, e de soluções familiares, um contributo importante na génese de novos empregos. Neste sentido, poderia surgir um intercâmbio de competências para uma complementaridade de funções na concretização de pequenas iniciativas. Que os universitários e técnicos se aproximem do povo simples e que estes invistam as suas energias com a ajuda de quem possui competências técnicas.
Esta noite de Vigília Pascal é oportunidade única de renascermos para uma vida nova, de passarmos de uma morte lenta para uma vida ritmada. O egoísmo tem de dar lugar à solidariedade e a vida de quem se contenta com o seu bem-estar deve percorrer caminhos de maior sobriedade pessoal e familiar. Deste modo, o amor realiza a justiça, no sentido de dar a cada um o que é “seu”, tal como nos lembra o Papa Bento XVI.
“Em face das graves formas de exploração e de injustiça social”, torna-se sempre mais ampla e sentida a necessidade de uma radical renovação pessoal e social, capaz de assegurar justiça, solidariedade, honestidade, transparência. É certamente longa e dura a estrada a percorrer; numerosos e ingentes são os esforços a cumprir para levar a cabo uma tal renovação, inclusive pela multiplicidade e gravidade das causas que geram e alimentam as situações de injustiça hoje presentes no mundo” (CCE 577). Mas, a Páscoa que celebramos semanalmente, na certeza de que Ele estará sempre connosco, outorga-nos a responsabilidade de aceitar esta renovação pessoal para termos direito a exigir a social.
Como Igreja, existimos para anunciar Cristo Vivo e, como Arquidiocese, queremos que a “Palavra tome conta de nós” para evangelizarmos e, nós próprios, sermos evangelizados ou convertidos. Contudo, temos de reconhecer que nunca é possível separar a evangelização da promoção humana. O Papa Paulo VI, na Evangelii Nuntiandi (31), apontava diversas razões. Em primeiro lugar antropológicas, uma vez que “o homem que há-de ser evangelizado não é um ser abstracto, mas é sim um ser condicionado pelo conjunto dos problemas sociais e económicos.” Como explicitação teológica não podemos separar o plano da criação do plano da redenção: “um e outro a abrangerem as situações bem concretas da injustiça que há-de ser combatida e da justiça que há-de ser restaurada.” Por último, o Evangelho, na apresentação do mandamento novo, supõe que a partir das suas exigências se promova “na justiça e na paz, o verdadeiro e o autêntico progresso do homem.”
Se a Páscoa passa por esta luta pela justiça, creio que ela deve acontecer, particularmente, na família. Preocupa-me quer a situação social quer, também, a situação moral em que algumas famílias se encontram.
Todos sabemos que o futuro reside nas famílias. Daí que, neste momento, vivemos o perigo real de serem introduzidas mensagens nefastas nos lares, as quais não deveriam ser acolhidas. Bem pelo contrário, urge anunciar por todos os meios a verdadeira identidade da família. No caso de a ressurreição entrar nas famílias cristãs, então o Ressuscitado manifestará a Sua presença e, pelo meio da exigência, apontará o caminho da verdadeira e autêntica felicidade.
Que a Páscoa nos faça descobrir a responsabilidade histórica de colocar Cristo e Deus no coração da cidade, de modo que estes se abram para acolherem a Sua Palavra enquanto caminho de dignidade humana para todos.
Braga, 3 de Abril de 2010,
Vigília Pascal em Sábado Santo,
† Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz