Homilia do arcebispo de Braga na Missa Crismal

Ministros de Deus

Segundo Isaías, somos “sacerdotes do Senhor” ou, se preferirmos, “Ministros do nosso Deus”. Somo-lo, de facto, e não podemos estruturar a nossa vida segundo outras categorias ou missões. Fomos chamados a ser servos para uma vida de doação. Fora do serviço, nunca encontraremos a nossa identidade e, como tal, sentir-nos-emos desintegrados, desfocados, perdidos num ativismo sem sentido.

Sempre no pensamento de Isaías, repetido por Cristo no Evangelho, importa centrar o serviço eclesial em aspetos essenciais que transpareçam a presença de Deus. Só estes sinais mostram que o caminho seguido e a seguir é verdadeiro. Sintetizo a nossa missão em quatro atitudes. Espero que se tornem referência no exercício do ministério e objeto de permanente exame de consciência. A Palavra de Deus é acutilante. Deixemos que nos toque e converta.

  1. Vivemos para anunciar. As nossas palavras, nos espaços sagrados, funções religiosas e na relação com as pessoas, deveriam ter apenas um propósito: anunciar a Boa Nova. Sabemos que, não obstante a proliferação de tantas palavras, a Palavra de Deus é sempre nova, boa, alegre, festiva, positiva e norteadora de comportamentos. Não condenamos nem julgamos ninguém. Mas o mundo moderno continua a ser infeliz pois falta-lhe o essencial. E, curiosamente, o cristianismo tem um tesouro que parece desperdiçar ou desvalorizar. Falo do incondicional amor de Deus entregue a todo o ser humano, em qualquer situação em que se encontre e para todas as opções que tenham sido tomadas. Importa, por isso, ser um alegre anunciador da Boa Nova.

 

  1. O anúncio exige atitudes. Não somos uns teóricos! Temos o princípio de um amor ativo que exige que mergulhemos no coração da cidade dos homens. Por mais que tente disfarçar, a cidade moderna está ferida com problemas e dramas que a afligem. Somos reparadores de brechas, curadores dos males e corremos ao encontro dos corações atribulados. É no íntimo que o homem moderno está ferido. Ser capaz de ouvir, escutar os lamentos silenciosos e fazer-se um com as dores das pessoas confere ao ministério uma dimensão curativa. Bastará uma palavra de alento ou o silêncio de uma companhia e as curas acontecerão.

 

  1. Libertar das amarras. A sociedade hodierna vai prendendo as pessoas a dependências e atitudes que deveriam envergonhar. As crónicas dos jornais mostram como se caminha com ilusões e elaborando esquemas indignos que aprisionam. Somos ordenados para proclamar a libertação de tantos cativos e prisioneiros e denunciar realidades escandalosas. Denunciamos o erro e acolhemos quem o pratica, indicando a Verdade que liberta.

 

  1. Disponibilidade para a missão. Sabemos que o progresso é uma marca dominante da sociedade contemporânea. Mas no meio de tantas coisas, possuídas ou desejadas, cresce a aflição. As pessoas andam preocupadas. Parece que a alegria dos rostos só acontece na fruição de determinados aditivos ou nas experiências fugazes de prazer. Quando nos aproximamos das pessoas – e como é importante sair dos nossos tronos – apercebemo-nos dos corações aflitos e preocupados. Temos o amor de Deus a oferecer nas conversas e, sobretudo, no sacramento da reconciliação. As pessoas não aparecem? Pode parecer verdade. Mas quando há disponibilidade, por vezes sem horários pré-estabelecidos, os corações abrem-se e a consolação acontece. Como são importantes os encontros pessoais e individuais pois a vida de cada um é irrepetível. Daí que a Igreja continue a afirmar a importância da confissão individual e da direção espiritual.

 

Estas quatro atitudes mostram que o Ministro do Senhor vive para derramar o óleo da alegria. Hoje vive-se triste. As pessoas estão intranquilas, as famílias não têm tempo para saborear o amor, as comunidades transformaram-se numa agência de serviços. Falta-nos aquela presença do Espírito Santo que transforma quem por Ele se deixa possuir. O Papa Francisco tem sido profético ao nortear a renovação da Igreja e da pastoral segundo a tónica da alegria. Fê-lo na Exortação Apostólica A Alegria do Evangelho e agora na Constituição Apostólica ‘Veritatis Gaudium’, A Alegria da Verdade, sobre as universidades e as faculdades eclesiásticas. Como é interessante e interpelativo este título. Saber que a alegria está na Verdade e que a Verdade é Cristo.

Neste itinerário de ser Ministro do Senhor, anunciar a Boa Nova, curar os atribulados, proclamar a libertação, consolar os aflitos e levar o óleo da alegria não podemos esquecer, como compromisso de trabalho pastoral e vivência pessoal, que devemos ser “Alegres na esperança” (Rom 12, 9-13). Sabemos que Deus está connosco e nunca nos abandona. Mais ainda, a esperança não é um conceito. É Cristo vivo, presente em nós e na nossa história pessoal. Ele habita também nos nossos irmãos e nas nossas comunidades cristãs. Com Ele, e só Ele, vivemos alegremente o presente, norteados pela esperança e pelo alento necessário para enfrentar as perplexidades e enigmas que nos rodeiam, na Igreja e no mundo. Se Ele, pela ressurreição, está em nós, temos obrigação moral de ser semeadores da ressurreição. Isto significa dar “razões da esperança que está em nós” (Cf. 1Pe 3,8-17), derramar o óleo da consolação e fomentar caminhos de paz. Façamos resplandecer a luz da Páscoa na escuridão, sejamos protagonistas do anúncio da esperança, como algo que caracteriza o nosso ministério, e dêmos visibilidade àquilo em que acreditamos.

Como linha operativa, de quem pretende ser “Ministro do nosso Deus”, quero confiar-vos duas preocupações. Este ano teremos o Sínodo dos Bispos sobre “A fé, os jovens e o discernimento vocacional”. Prestemos maior atenção aos jovens. É importante ir aos lugares onde se encontram, ouvir o seu projeto de sociedade e, se tiverem algo a referir sobre a Igreja, ofereçamo-lhes o dom da fé. Porque não fazer também uma proposta vocacional? Não permitamos que haja alguma paróquia sem um grupo de jovens. Penso que um pároco não deve dormir tranquilo enquanto não tiver um grupo. Confiemos nos jovens. São irreverentes? Nem sempre são coerentes? Se virem o amor da comunidade, e não a repressão acrítica, saberão, talvez com erros, caminhar no amadurecimento da fé.

Despertar a esperança é aquilo que nos une nas agendas pastorais. Acreditamos, ainda, que o Espírito Santo continua a derramar a sua bênção sobre a Igreja. E fá-lo, de um modo particular, através dos Movimentos Eclesiais. Houve um tempo em que tinham uma forte presença nas paróquias. E hoje?

Importa que os multipliquemos e rejuvenesçamos. Sem comunidade não se cresce e sem espiritualidade nunca avançaremos na renovação da Igreja. Os grupos “Semeadores da Esperança” são obrigatórios. Obrigatórios porque são uma exigência da nova evangelização. É importante, cada vez mais, apostar em grupos onde se cresce na espiritualidade.

Propusemos como itinerário para este tempo Quaresmal e Pascal “libertar para caminhar”. Nós, que temos sapatos, olhemos para os que não têm pés e passam carências materiais e espirituais. Mostremos as razões da nossa esperança ativa e caminhemos na alegria que isto nos oferece.

Sé de Braga, 29 de março de 2018

D. Jorge Ortiga, arcebispo primaz

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