Homilia do Arcebispo de Braga na Missa Crismal

UMA ARMA SECRETA

 

Uma arma secreta

Homilia na Missa Crismal

 

1. Experiência Humana

Quando relemos a nossa história vocacional, encontramos nela padres fantásticos que nos inspiraram, padres que foram uma grande referência pessoal e padres que nos fizeram acreditar que o sacerdócio é, apesar de todas as feridas, uma vocação bela e maravilhosa. E celebrar a Missa Crismal não é outra coisa senão o festejar, celebrar e agradecer o dom da vocação de todos estes sacerdotes, com a renovação dum compromisso pessoal que mostra a beleza da fé celebrada e vivida por cada um de nós.

Neste compromisso pessoal, gostaria de recordar agora um sacerdote que faleceu há pouco tempo e que nos deixou, provavelmente, a música mais conhecida e cantada em toda a Arquidiocese. Diz então a letra dessa música: “Tomai e recebei as horas do meu dia: alegrias e dores, penas e trabalhos. Fora eu rico, Senhor, e muito vos daria, mas sei que nada valho!”

2. Liturgia da Palavra

  Depois de instruídos pela Liturgia da Palavra, Jesus, recuperando o texto do profeta Isaías, ensina-nos que fomos ungidos e enviados para anunciar o Evangelho aos pobres. Somos um presbitério de ungidos, recorda-nos a segunda leitura. Outrora fomos ungidos no coração pelo Baptismo. Depois, ungidos na fronte pela Confirmação. E mais tarde, ungidos nas mãos aquando da ordenação sacerdotal.

Esta marca indelével que transportamos recorda-nos que, mais do que uma identidade patronal, possuímos uma identidade diaconal que deve orientar o nosso agir. Ser fiel a esta unção, que significa pertença a Outro, é a única hipótese de ser feliz e dar felicidade.

3. Sinais dos Tempos

  O Papa João Paulo II, na exortação apostólica Pastores Dabo Vobis, refere: “A eclesiologia de comunhão torna-se decisiva para explicar a identidade do presbítero, a sua dignidade original, a sua vocação e a sua missão no seio do Povo de Deus e do mundo.”[1] E ao aproximamo-nos da sua canonização, apetece dizer que o seu legado foi a comunhão vivida em e na Igreja.

Uma das nossas grandes tentações sacerdotais é quando nos pomos a comparar uns com os outros, no ser e no agir pastoral. Por vezes, parece que nos esquecemos que somos todos diferentes, que temos raízes diferentes e que possuímos qualidades diferentes. E, quando aderimos a este jogo de comparações, acabamos quase sempre por nos magoar e por entrar, desculpai a comparação, na Congregação dos Solitários, não fomentando a comunhão no nosso presbitério.[2] Contudo, a comunhão presbiteral não pode ser uma utopia, mas um compromisso de todos. E a única pessoa com quem nos devemos comparar, para que isso aconteça, é com a pessoa de Cristo. Sem isto, sem uma espiritualidade de comunhão, nunca surgirá uma Igreja comunhão.

4. Desafio Pastoral

  Se é verdade que não tendes diante de vós o melhor bispo do mundo, eu porém digo, com orgulho, que tenho diante de mim os melhores padres do mundo. E na minha qualidade de pastor, gostaria de apontar a oração, enquanto um dos seis eixos do nosso programa pastoral (não o esqueçamos), como a arma secreta do sacerdote.[3]

  Pela oração nós “tomamos consciência da presença de Deus que nos habita, descobrimos a sua acção em nós e tornamo-nos colaboradores da sua acção divina.”[4] Ela recentraliza-nos para o essencial da nossa vida, na certeza de que a comunhão presbiteral, e consequentemente na vida Arquidiocesana, não se constrói pelo exterior, mas pelo interior do sacerdote.

Infelizmente atravessamos um tempo marcado pela economia, na qual a crise tem-nos imposto um novo estilo de vida marcado por alterações constantes e confrontos quotidianos com enigmas e interrogações. Subjugados pelo peso de tantas realidades que não compreendemos, podemos estacionar, parar, ver onde o mundo irá chegar. E um dos grandes desafios de hoje é evitar que o cristianismo perca o fôlego, colocando-se à margem do ritmo social.

Entrando serenamente no íntimo dos conteúdos da missão que nos foi confiada, bem sabemos que não podemos “perder por falta de comparência” aos campos onde se jogam as novas questões do Homem contemporâneo. E para tal, Deus apenas nos pede que lhe ofereçamos – a Ele e só a Ele – em ação de graças as horas do nosso dia, com todas as alegrias e dores, penas e trabalhos, que a mesma missão sacerdotal nos proporciona.

Mas, em simultâneo, teremos também de jogar fora e colocamo-nos nos campos dos outros. Para nós o mundo não nos mete medo. Convida-nos a sair para estar em tudo o que é humano, descobrindo realidades onde, inconscientemente, ainda não chegamos. Não temos um modo único de viver a fé como sacerdotes. Os talentos variados projetam-nos para realidades que poderemos estar a não querer compreender. Por medo? Por rotina? Por instalação numa pastoral sempre igual?

A oração, verdadeira arma secreta do nosso ministério, faz-nos reconhecer onde devemos ir. Não esperemos que sejam os outros. Cada um responde pela sua fidelidade.

5. Conclusão

Caro sacerdote, muitas vezes pode parecer que nada valemos. Mas somos ricos daquilo que falta ao mundo moderno. Não hesitemos em arriscar dando tudo, a exemplo do Papa João Paulo II que irei, durante este tríduo Pascal, apresentar à comunidade diocesana. Deixai, também, que partilhe convosco o que S. João de Ávila disse (no “memorial primero para el concilio de Trento”, nº 18): “Sem clérigos bons, o bispo não pode mais que uma ave sem asas para voar”.

Por isso, e para terminar, acredito que nenhum sacerdote negará a graça unitiva da unção do sacramento da Ordem. Peçamos então ao Senhor que nos conceda a “alegria da comunhão”, a fim de gerarmos entre nós os vínculos necessários para fortalecermos a unidade no nosso presbitério e continuarmos a cativar outros jovens para o ministério sacerdotal.

 

+ Jorge Ortiga, A.P.

 

Sé Catedral de Braga, 17 de abril de 2014.

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