Homilia do arcebispo de Braga na eucaristia de homenagem a D. Eurico Nogueira Dias

A romã da humildade

Nos últimos tempos, as exigências sociais obrigaram-nos a sintetizar todas as nossas habilitações e qualidades numa simples folha de papel, intitulada de curriculum, de modo a concorrermos para os mais variados concursos. Trata-se de um facto injusto que, infelizmente, nunca traduz (diz) plenamente a verdade da essência de cada um (ser).

Neste sentido, Jesus no evangelho mostra-se bastante desiludido com este binómio “Dizer-Ser”, jogado pelos escribas e fariseus. Perante o risco do autoritarismo, rigorismo e formalismo dos judeus, Jesus convida-nos a um banho de humildade, pois “quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado”.

Por isso, em dia de ação de graças pelo dom da vida, olhar para o curriculum do Sr. D. Eurico é sinónimo do reconhecimento duma consciente integração eclesial para a alegria da missão onde a Igreja solicitava o seu serviço. Coimbra foi como que o primeiro amor eclesial nunca esquecido, mas a consciência de missão leva-o para terras desconhecidas e projetos nunca sonhados.

O inédito e os perigos duma sociedade civil agitada não o impediram de servir um povo que necessitava da ternura de Deus, para além da cor ou religião.

Na então diocese de Vila Cabral, em Moçambique, e depois nas dioceses de Sá da Bandeira e Pereira de Eça, em Angola, só interessava apenas o edificar ou consolidar a Igreja. A seguir, Braga torna-se uma nova etapa. Uma região identificada pelo cristianismo e possuidora duma religiosidade diferente, também não o impediu de rapidamente se identificar com este povo. Os amores ao passado continuaram e todos nós o sentíamos nas suas palavras de pregação ou de colóquio amigo. Mas a defesa das causas do povo português, ou da gente do Minho, mostravam a certeza de ser bracarense.

Deste modo, o seu testemunho recorda-nos que a dimensão missionária, não se cinge ao Ultramar, mas também se pode ser missionário na Europa. Trata-se de uma premissa a valorizar no agora panorama da nova-evangelização. A Arquidiocese de Braga necessita de recolher este testemunho, reinterpretando daí uma nova consciência missionária que vá ao amago das nossas comunidades.

Além disso, e como participante no Concílio Vaticano II, a sua presença entre nós exige-nos ainda não descurar o pedido do Papa Bento XVI, no n.º 9 da Carta Apostólica Porta Fidei, no qual convoca o próximo Ano da Fé: “precisamos de descobrir os conteúdos da fé professada, celebrada, vivida e rezada, e refletir sobre o próprio ato com que se crê.” Com este itinerário fundado no Concilio Vaticano II, estamos a assim repensar a pastoral da Igreja, segundo o estilo conciliar, redescobrindo os dons e corresponsabilizando-nos em tarefas concretas de verdadeira renovação.

Para terminar, permiti que vos conte uma história de Anthony de Melo, recolhida no livro “Estórias e Pensamentos” do Deão do Cabido, Cón. José Paulo:

«Era uma vez, um vizinho muito velho a cavar no seu jardim.

– O que fazes? – pergunta-lhe o seu vizinho.

– Estou a plantar romãzeiras – respondeu.

– Achas que conseguirás comer dos seus frutos?

– Não – respondeu – eu não vou durar o tempo suficiente, mas os outros sim. Olha, durante toda a minha vida saboreei as romãs que os outros tinham plantado. Este é o modo que encontrei para demonstrar o meu agradecimento.»

Estimado antecessor e amigo, Sr. D. Eurico Dias Nogueira: obrigado pelas romãs que plantou nesta Arquidiocese, dando assim continuidade aos veneráveis Arcebispos que nos precederam.

O gesto que registamos hoje é a prova inequívoca de que a vida não é para acumular bens, mas para partilhar os dons que o Criador nos providencia. Como parte do meu símbolo episcopal, gostaria que a Arquidiocese fosse este campo que produz aquelas romãs saborosas, que alimentam a fé, a caridade, a esperança, a oração, a unidade, a cultura e a humildade dos fiéis. Esta produção deve edificar a unidade na diversidade dentro e fora da Igreja, para que o mundo acredite no amor de Deus. E que eu e a Arquidiocese prossigamos a caminhada da comunhão sincera com o povo do Minho, a partir dessa unidade visível em todas as dimensões, como os diversos grãos da mesma romã simbolizam e exigem.

Olhando para o seu curriculum, realmente só conseguimos aprender a fazer o bem, como nos exigia o profeta Isaías na primeira leitura. Por tudo isto, parabéns e obrigado!

Catedral de Braga, 06 de março de 2012

D. Jorge Ortiga, arcebispo primaz

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