Presbítero, figura de esperança

1. Repletos da grande esperança
Decorrido um ano pastoral que teve como centro da nossa vida diocesana o V Congresso Eucarístico Nacional e nos demandámos como presbitério eucarístico, agradeço de inteiro coração o vosso precioso empenho e consciência diocesana na formação, celebração e adoração. Seguimos agora o nosso caminho de Páscoa sob o tema da Esperança, o mote do Jubileu que celebramos este ano em toda a Igreja Universal.
Infelizmente, a esperança sempre foi o “parente pobre” das três virtudes teologais, pois a tradição da Igreja sempre se focou mais na fé e na caridade, “esquecendo-se” em certa medida da virtude da esperança. Daqui surgiu também um certo “prejuízo na vida presbiteral”: sobrevalorizou-se a identidade do presbítero enquanto figura de fé e de caridade, ou seja, do presbítero como mestre em doutrina e do presbítero hábil nas obras de misericórdia, e quase se ignorou a sua identidade enquanto “figura de esperança”. Por esta razão, o Jubileu surge como uma oportunidade de recuperarmos este equilíbrio presbiteral, meditando sobre este terceiro aspeto da vida presbiteral.
2. Esperança sólida
Das muitas definições técnicas e poéticas da esperança, São Paulo, ao cruzar a sua formação hebraica com a cultura grega que habitava, decretou o significado cristão desta palavra: a nossa esperança é Jesus Cristo (1Tm 1,1). Se a esperança grega era uma esperança antropológica e incerta, a esperança cristã, na continuidade da esperança hebraica, não é um prognóstico otimista, mas uma relação com Cristo. Sendo Ele a fonte da nossa esperança, podemos agora estar tranquilos, porque esta «esperança não engana» (Rm 5,5).
Se a fé é um convite de Deus endereçado ao ser humano e a caridade é a resposta a esse convite enquanto ação direcionada em prol dos outros (1Jo 4,20), a esperança é, por sua vez, o movimento individual do humano em direção a Deus. Por isso, ser peregrino de esperança não é outra coisa senão o caminhar em direção a Deus e com Deus, como escutávamos e cantávamos no salmo responsorial.
Caso contrário, podemos cair no mesmo erro daquele que é uma das referências principais do nosso ministério: o apóstolo Pedro. Como nos relata uma antiga tradição cristã, após o início da perseguição aos cristãos no ano 64, Pedro foge apavorado de Roma pela Via Ápia e eis que a certa altura encontra Jesus que vem em sentido contrário. Ao vê-lo, Pedro pergunta: “para onde vais, Senhor?”. E Jesus responde: “vou para Roma para ser crucificado novamente”. Pedro percebe então um princípio estruturante da vida espiritual: às vezes, até podemos estar na estrada certa, mas na direção errada.
É por isso que um presbítero precisa de alimentar a sua esperança. Só uma esperança sólida faz uma fé e uma caridade sólidas, e vice-versa. Com efeito, assim se expressou o nosso santo arcebispo Bartolomeu dos Mártires: «a boa consciência nada toda ela em esperança; a má consciência afasta a esperança». E daqui uma pergunta espiritual para as nossas vidas: se eu não saboreio a esperança, como posso comunicar esta esperança aos outros?
3. Na escola da Esperança
O programa pastoral que Jesus apresenta no Evangelho de hoje (Lc 4,18-19), lido pelo primeiro leitor da Igreja [Jesus], na continuidade da profecia da primeira leitura, é um pequeno “tratado de esperança”. A sua ação não é outra coisa senão o devolver a esperança àqueles que estão aprisionados na sua doença, na sua escravidão, na sua pobreza ou na sua tristeza. Em boa verdade, a esperança cristã não consiste em “ver coisas novas”, mas “ver as coisas de um modo novo”. É esta sabedoria existencial que somos chamados a viver e a anunciar!
A Missa do crisma ou da unção confirma-nos no caminho de Páscoa que juntos realizamos em Jesus Cristo com o sonho de O levar a todos. Este é um exercício permanente: sermos “contemplativos na ação” e não “consumidos pela ação” (P. Kolvenbach). A paciência é a esperança quotidiana.
Na nossa ação pastoral, vários são os areópagos e momentos em que somos chamados diariamente a valorizar esta virtude (cf. Spe salvi 32-48). Recordo apenas alguns: sempre que visitamos um doente no hospital, passamos num velório para confortar a família enlutada, preparamos com ardor a homilia de um funeral (bem como, todas as outras homilias), rezamos a Palavra de Deus e as orações da piedade popular com elementos de esperança, acolhemos com alegria e mestria aqueles que somente vêm “pedir papéis” ao cartório paroquial, celebramos com arte e beleza a liturgia da Igreja, realizamos com frequência o precioso sacramento da santa unção, acompanhamos os pobres e os excluídos com gestos de amor, sentamo-nos sem medo e sem pressa num confessionário para escutar as biografias feridas… no fundo, estamos a ser um farol de esperança para tanta gente desesperada, mesmo sem nos darmos conta disso.
Por esta razão, talvez devamos concordar com J. Moltmann (+2024), conhecido pelo “teólogo da esperança”: a atual crise de fé deriva de uma crise de esperança. Logo, eis o cerne da ação pastoral contemporânea: se anunciarmos e testemunharmos a esperança (1Pe 3,15), é muito provável que a fé se reacenda.
4. Testemunho original
Para concluir, o jovem Carlo Acutis, que será canonizado na próxima semana, deixava-nos esta curiosa metáfora citada na exortação apostólica pós-sinodal Christus vivit, 106: «todos nascem como originais, mas muitos morrem como fotocópias» e acrescenta o Papa Francisco: «não permitas que isso te aconteça». Na mesma lógica poderíamos reformular: Deus deseja presbíteros originais, não presbíteros que sejam fotocópias.
Como sabem, nós só temos um modelo: Cristo-sacerdote (Hb 5,5-6), o nosso Alfa e Ômega, Aquele que é, que era e que há de vir, o Senhor do Universo (cf. 2.ª leitura, Ap 1, 5-8). E a nossa “originalidade” consiste em deixar que Deus molde a nossa vida, de modo que, como descreve a espiritualidade paulina: «já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim» (Gl 2,20). A esperança é este espaço intermédio que impede que Deus seja absorvido pelo humano ou que o humano seja anulado por Deus. Sem a esperança, a qual nos direciona para o autêntico horizonte da nossa estrada, que é Cristo (Tt 2,13), facilmente perdemos a fonte da nossa originalidade, porque passamos a ser “fotocópias” daquilo que o mundo quer, em vez de sermos aquilo que Deus quer.
Que o Tríduo Pascal que iniciaremos esta tarde nas nossas comunidades paroquiais seja vivido com este propósito: celebrarmos o mistério da nossa esperança! E quanto a vós, caros presbíteros: obrigado por serdes um profícuo testemunho de esperança para o Povo de Deus!
+ José Manuel Cordeiro