Homilia de Sexta-feira Santa do arcebispo de Évora

Foto: Graziella Camara/Comunidade Canção Nova – Évora

Introdução:
As palavras de Jesus na cruz, convidam-nos à confiança e ao amor, enquanto Filhos de Deus repletos do Espírito Santo. Os evangelistas mencionam sete palavras de Cristo na cruz. Nelas descobrimos o quanto Deus Pai nos amou até entregar o seu Filho à morte para nos fazer filhos n’Ele.
As primeiras e últimas das sete palavras dirigem-se ao Pai, bem como a quarta palavra, colocada no centro da equação setenária, como grito de abandono e de confiança. Contemplar estas palavras derradeiras juntamente com Maria, Mãe e filha da Igreja é viver o mistério da Cruz com Aquela que é Mãe e Discípula do Seu próprio Filho.

1. A Palavra: «Perdoa-lhes Pai, porque eles não sabem o que fazem!» (Lc 23,34).

Lucas é o evangelista da misericórdia e do perdão. Aqui narra-se a oração de Jesus ao Pai na hora da crucificação.
O perdão é para o futuro, não só para o que passou. O perdão não é um mero sentimento, mas uma decisão e, sobretudo, uma atitude. O perdão constitui um bem mais forte do que um mal.
A sua atitude fundamental deve ser entendida como: “eu quero a paz”; “eu quero perdoar”.Como reza a Liturgia, na verdade, «O perdão dá a vida aos mortos e restitui a beleza de tudo o que conspurcou. O perdão significa que a cruz é a nossa árvore da vida». Recomeçar sempre é o caminho feliz da vida, porque a própria vida é feita de recomeços constantes.

Este Ano Santo diz-nos insistentemente que precisamos de olhar para o futuro com esperança, num compromisso com uma promoção integral da Pessoa Humana, a qual forma para a justiça e para a paz. É necessário ajudar as crianças, os adolescentes e os jovens a desenvolverem uma personalidade de paz, no respeito pela sacralidade da outra pessoa, a cultivarem a força interior para construir o bem comum, mesmo quando isso custa sacrifício e diálogo e exige a reconciliação e o perdão. O Bem Maior da Paz e da harmonia merecem esse sacrifício.
Não basta constatar, é necessário e urgente agir, construir, semear diariamente o futuro! Basta de notícias e comentários de actos de violências, sem reflexão séria sobre o que fazer e como promover a educação para o respeito mútuo, a tolerância e o acolhimento das diferenças bem como os gestos geradores de paz.
As novas gerações não podem ficar na varanda, à janela ou nas esplanadas a olhar para a vida que passa na rua ou a viver sentados num sofá ou nas bancadas, lembra-nos o Papa, mas podem e devem ser protagonistas da construção da humanização e da civilização de Paz.

Por experiência histórica, sabemos que a educação e a cultura para a paz exigem o perdão, como sintetizou lapidarmente o bispo anglicano Desmond Tutu: «não há paz sem perdão». Por isso, rezamos na Oração Eucarística de Reconciliação II: «No meio da humanidade dilacerada por divisões e discórdias, reconhecemos os sinais da vossa misericórdia, quando dobrais a dureza dos homens e os preparais para a reconciliação. Com a força do Espírito Santo moveis os corações, para que os inimigos procurem entender-se, os adversários se deem as mãos e os povos se encontrem na paz e concórdia. Pelo poder da vossa graça, o desejo da paz põe fim à guerra, o amor vence o ódio e a vingança dá lugar ao perdão».

2. A Palavra: «Em verdade eu te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso» (Lc 23,43).

O bom ladrão arrepende-se e ouve uma promessa de salvação. A palavra “paraíso”, de origem persa, evoca um jardim de felicidade, como foi o primeiro jardim na Criação. Jesus mostra que a felicidade é estar com Ele. Ele é “Caminho, Verdade e Vida”. Já te deixastes conquistar por Ele, pelo Seu Amor, capaz de te perdoar sempre, ou seja, 70×7, e amar-te mais quando estás desfigurado pelos teus falhanços?

3. A Palavra de Jesus: «ao ver sua mãe e o discípulo que ele amava, disse à mãe: “Mulher, eis o teu filho”. Depois disse ao discípulo: “Eis a tua mãe”» (Jo 19,26-27).

A Virgem Maria consente e une-se ao amor na imolação da vítima que dela nascera. O Seu único filho é Jesus. Ao aceitar a sua morte na cruz, recebe-nos a todos como filhas e filhos seus: Ela é Mãe da Igreja, Mãe de toda a Humanidade.

4. A Palavra: «Pelas três horas da tarde, Jesus deu um forte grito: “Eli, Eli, lamá sabactâni?” Que quer dizer: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?» (Mt 27,46).

São palavras atribuídas ao Salmo 22, 28 e exprimem a confiança do Servo Sofredor na bondade de Deus Pai. O sofrimento de Cristo na Cruz coexistia com a certeza do não abandono de Deus. Além disso, como diz Santo Agostinho, na cruz estávamos também nós, porque somos o seu corpo, que é a Igreja: Cristo falava por cada um de nós. Em nome dos crucificados de todos os tempos. Também deste nosso século XXI.

5 . A Palavra: «Tenho sede!» (Jo 19,28).
Esse grito manifesta a humanidade do Senhor no meio de terríveis sofrimentos, pois asfixiava-se na cruz.
Também tem sede do nosso amor. A Sua glória, a irradiação do seu amor é a nossa adesão na Vida Nova que nos oferece, através do sim da nossa Fé. “Mais do que a fadiga do corpo, consome-o a sede dos nossos vazios e escuridões interiores. Da Cruz, olha para cada um, para cada uma, no amor eterno do Pai. Tem sede da nossa sede”. Tem uma grande sede de nos enviar o Espírito Santo, para que O levemos como “Água-Viva” aos Samaritanos e Samaritanas de todos os tempos.

6. A Palavra: «Tudo está consumado» (Jo 19,30).

É o cumprimento da Sua Hora, como anunciou o Evangelista João. Jesus amou obedecendo até ao extremo, até ao fim! (cf. Jo 3,34; 13,1). Com a plenitude do Espírito, a sua oferta ao Pai não tem medida. Cumpriu a vontade do Pai. Além disso, está consumido, extenuado, esgotado. Contemplamos mais um mistério de Amor do que de dor. Na Cruz está sobretudo o amor de Jesus ao Pai e ao mundo. Manifesta até às últimas consequências o que significa ser plenamente Filho de Deus, por isso, Irmão de todos.

7 . A Palavra: «Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito» (Lc 23,46).

Morreu como homem, voluntariamente, da mesma forma que alguém sofre uma pena para a afastar de outra pessoa. Uma morte que o amor vencerá. A Liturgia da Igreja ensina-nos a velá-lo com dor e esperança. Assim comentou o saudoso Papa S. João Paulo II: «Os acontecimentos da Sexta-Feira Santa e, ainda antes, a oração no Getsemani, introduzem uma mudança fundamental em todo o processo de revelação do amor e da misericórdia na missão messiânica de Cristo. Aquele que «passou fazendo o bem e curando todos» (At 10,38), e «curando todas as doenças e enfermidades» (Mt 9,35) mostra-Se agora, Ele próprio, digno da maior misericórdia, e parece apelar para a misericórdia quando é preso, ultrajado, condenado, flagelado, coroado de espinhos, pregado na cruz e expira no meio de tormentos atrozes.

É então que Se apresenta particularmente merecedor da misericórdia dos homens, a quem fez o bem; mas não a recebe. Nem aqueles que mais de perto contactaram com Ele têm a coragem de O proteger e O arrancar à mão dos seus opressores. Na fase final do desempenho da função messiânica, cumprem-se em Cristo as palavras dos profetas, sobretudo as de Isaías, proferidas a respeito do Servo de Javé: «Pelas suas chagas fomos curados» (Is 53,5). […]». Nele permaneçamos, como Peregrinos da Esperança.

+ Francisco José Senra Coelho
Arcebispo de Évora

Dia 18/IV/2025

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