1. “Se me erguer nas asas da aurora / e for viver para além do mar, também ali a Tua mão descerá sobre mim / e a Tua direita me segurará.” (Salmo 139)
1. Com esta mesma confiança e em oração como o salmista, me dirijo a vós, irmãos e amigos açorianos! Na minha primeira palavra como Bispo da diocese de Angra, deixo um agradecimento a Deus por mais esta prova do Seu Amor para comigo. Venho completamente livre e com a mesma alegria e disponibilidade do primeiro “sim”, dado já na juventude. Perceber a vontade de Deus é uma graça e torna tudo simples! Não venho repetir o já feito porque Deus é sempre novo! Envio daqui um abraço fraterno a todo o Povo açoriano deste maravilhoso arquipélago, tão aprimoradamente desenhado pelo Criador, bem como a todos esses autênticos missionários da fé, da cultura e dos costumes que são os açorianos da diáspora. Quero manifestar a minha proximidade a quem sofre: os doentes, os frágeis e todos os que sofrem sem esperança. Confio-os ao Senhor. A todos os jovens deixo, em ano de Jornada Mundial da Juventude, o maior abraço, amigo e próximo, com votos de um grande ano para a juventude. Oxalá se faça ouvir por todo o lado, um grito novo e jovem, um grito de esperança!
Saúdo e agradeço a todos os aqui presentes. Saúdo e agradeço a Sua Excelência Reverendíssima o Sr. D. Ivo Scapolo, nosso Núncio Apostólico, a quem peço que faça chegar ao Santo Padre a garantia da minha oração, unidade e fidelidade; ao Sr. D. José Ornelas, Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, ao Sr. D. Manuel Clemente, Cardeal-Patriarca de Lisboa e metropolita da Província Eclesiástica a que pertencemos, ao Sr. D. Manuel Linda, bispo do Porto e seus auxiliares, também aqui presentes e de quem me despeço hoje com gratidão e amizade, D. João Lavrador, meu antecessor, aqui presente e também ele, antes, auxiliar do Porto, ao Sr. D. Antonino bispo de Portalegre/Castelo Branco, ao Sr. D. António Luciano meu bispo em Viseu e todos os outros meus caríssimos irmãos bispos. A vossa presença é para mim de grande ânimo. Obrigado. Saúdo e agradeço ao Sr. Cónego Hélder Mendes, até agora Administrador Diocesano, bem como a TODOS, mesmo todos, os que, com ele e em sede vacante, continuaram fielmente a servir a diocese, até ao mais humilde servidor nas comunidades eclesiais. Saúdo os clérigos, consagrados, e todos os leigos que são sinal de esperança no mundo. Agradeço aos muitos amigos vindos da paróquia do Viso e ao seu pároco, os vindos de Viseu e do Porto. Um abraço especial aos meus familiares presentes.
Dos 39 bispos que ajudaram a fazer a história da Igreja nesta Região, agora Autónoma, destaco D. José Pedro da Silva que me ordenou padre em 1982. Era natural da Ilha de S. Jorge e foi meu bispo de Viseu. Por fim, lembro D. João Maria Pimentel, 28º Bispo de Angra meu conterrâneo de Oleiros (é um risco para os Açores um bispo ser natural de Oleiros!!! Os únicos 2, aqui foram bispos) Aproveito para saudar o P. Luis, ali pároco e outros conterrâneos aqui presentes….
2. Não menos importante, pelo contrário, sinto-me muito honrado e saúdo o Sr. Dr. Luis Garcia, Presidente da Assembleia Legislativa dos Açores, o Sr, Dr. José Manuel Bolieiro, Presidente do Governo Regional dos Açores e todos os membros do seu Governo; o Sr. Embaixador Pedro Catarino, representante da República para os Açores, o sr Presidente da Câmara de Angra do Heroísmo, outros presidentes de Câmara e todos os membros do poder local, das forças armadas e de segurança, da política, da economia, do setor social ou da justiça, do mundo académico, da saúde, da comunicação social, empresarial, cultural, associativo, desportivo e do mundo das artes… quanto precisamos de artistas que pintem a beleza de Deus e das suas criaturas!!!
Iremos conhecer-nos, se Deus quiser! Podeis contar comigo sempre “da melhor vontade”, como dizem os nossos escuteiros mais novos, os Lobitos.
Na história dos Açores que tenho estado a revisitar, lida também na vida de figuras ilustres aqui nascidas ou nos livros de autores açorianos, tenho descoberto a alma deste povo açoriano e da sua forma de ser e estar, da sua açorianidade, para usar um termo tão caro a Vitorino Nemésio. Encanta-me e dá-me esperança a marca de gente genuinamente boa e simpática, tão apreciada por quem aqui chega, mas ao mesmo tempo, tão corajosa e resiliente que nem as forças incontroláveis vindas do interior da terra ou do mais secreto do mar alguma vez venceram. Descubro uma inigualável relação com a terra, o mar e o Céu. Aqui sente-se que a fé é constitutiva da vida, dos costumes e da história e que, sem ela, os Açores não seriam o que são. diz Raul Brandão no seu livro, ‘As Ilhas Desconhecidas’: “o povo sente como eu o terror sagrado do mar e só há uma coisa a fazer, é a gente entregar-se…”. De facto nestas terras nascidas do ventre perigoso, mas rico, do mar, sente-se que Deus é de casa, é da família, está nos perigos como na festa, explica-se Amor na solidariedade com o próximo, basta ver a devoção ao Espírito Santo, ou Misericordioso nos fracassos e pecados na piedade crística do Senhor Santo Cristo ou Bom Jesus dos Milagres. É um Deus que dança com todos e até dá pão a todos, pela mão de irmãos, mesmo que estes fiquem de mãos e arcas vazias!
Quanto a aprender e replicar…
3. Ajuda-nos o Evangelho de hoje que fala de João Batista e do início da vida pública de Jesus. Muitos pintaram esta cena com João Batista de indicador a apontar para Jesus. Só Ele era digno de ser seguido, dele vinha a salvação. A missão de João é hoje a nossa: aprontar e apontar caminhos por onde Jesus passe para gerar homens novos para novos tempos. Vivemos numa época que mudou, com instituições todas elas postas à prova, também a Igreja e a família, onde até a própria antropologia busca novos termos. O Evangelho interpela-nos: como “estender a passadeira” a Jesus para que o Evangelho se torne a mais poderosa mensagem da história de hoje? Podemos apontar a Eucaristia e Sacramentos, a caridade fraterna, o perdão, etc., mas vejamos: depois que os discípulos deixaram João batista e passaram a seguir Jesus, os cegos começavam a ver, os coxos a caminhar… A presença de Jesus a caminhar no meio do Povo de Deus que somos todos nós trará a mesma esperança de então, os mesmos milagres aos nossos limites e trevas. Estas origens precisam ser revisitadas!
Jesus é o mesmo Cordeiro de Deus que tira o pecado e o mal do mundo apontado por João. Precisamos aprender com o momento culminante da sua missão quando, na cruz, substitui o grito de pecadores e de todos os que sofrem: “Pai porque me abandonaste?”. Se Deus pode derrubar os poderosos de seus tronos como cantou Maria, precisamos pedir-Lhe que nos ensine a derrubar os “pobres” suspensos na mesma cruz de Cristo e pô-los a caminhar connosco, a evangelizar-nos! É nestas feridas que nos podemos encontrar de facto todos, como uma única família humana. A Igreja é, desde sempre, laboratório do Reino, escola de fraternidade. Então a mensagem cristã não pode ser uma técnica para fazer pessoas boazinhas, foi e é uma investida de Deus na história dos homens para os despertar das suas trevas e entusiasmar pela Luz que brilha… Precisamos, para bem deste nosso belo planeta, deixar Cristo à solta no meio dos homens.
4. Prioridades? Tenho algumas: as vossas. Podia falar da pobreza, cultura e formação, das vocações, da comunhão, da participação de todos, etc… Mas, também eu, como a Igreja, não posso nem quero ser centro ou caminhar só. O centro é só Cristo. Assim, sublinho 3 que já estão na agenda da diocese:
a) Acolhimento e valorização das pessoas. Estive aqui há 36 anos. As impressões são todas boas, venho sem preconceitos, nem os quero ter. Em primeiro lugar, estão as pessoas. Em Igreja, não há desconhecidos, há irmãos. É natural querer conhecer-vos e dar-me a conhecer, pois esta é a base da evangelização e de qualquer progresso: sem relação não se avança. Acolher, escutar respeitosamente, descobrir a riqueza que há em quem pensa de forma diferente, animar a todos, trabalhem ou não connosco, sejam mais ou menos crentes. Gostaria de poder cumprir ao dizer que a comunicação, a minha porta e coração estarão sempre abertos para todos: clérigos ou leigos, mais ricos ou pobres, mais idosos ou jovens. É conveniente telefonar antes! Seja na casa episcopal ou em qualquer casa em outras ilhas. Que não se diga que o bispo está muito ocupado.
Convido cada um a cuidar dos membros dos seus grupos eclesiais ou outros, mas sempre com o olhar no mundo à vossa volta, nunca fechados! Oxalá cada um ou cada uma possa descobrir a sua própria riqueza, aquele dom específico que Deus deu a cada um. O bem maior que podemos fazer aos outros não é o de lhes comunicar a nossa riqueza, mas despertar as suas. Ajudemos a que todos se sintam felizes no que fazem e o façam o melhor possível. Alguém dizia que “as capacidades murcham com as críticas e florescem com os incentivos”. Desde que venham do coração, acrescentaria eu. Envolvei-vos como famílias e chamai famílias. Não há célula mais sinodal que a família e, delas, podemos aprender melhor o que seja “caminhar juntos”! Atrevo-me a dizer: nada sem a família. Nada sem as “igrejas domésticas”! A evangelização não pode ser feita apenas por uns poucos sábios, mas por todos os batizados. Os membros da família perceberão porventura melhor o clamor dos que pedem melhor acolhimento, que não sejam julgados ou até rejeitados. Saberão como integrar os de opções diferentes, as novas famílias, os divorciados, etc., Dizia Bento XVI: “Não somos um produto casual e sem sentido. Cada um de nós é o fruto de um pensamento de Deus. Cada um de nós é querido, cada um de nós é amado, cada um é necessário”.
b) É segunda prioridade o Sínodo 2023/24 que aqui já fez caminho. A sinodalidade não é uma técnica nova, mas uma experiência de reciprocidade, onde a diversidade é riqueza, a partilha de sonhos uma necessidade e a unidade um milagre. É por isso que o Espírito Santo é o grande protagonista da sinodalidade e só Ele nos pode levar a perceber o que Deus tem a dizer de novo à Igreja. Dar-lhe-emos continuidade, não tanto pelos resultados, mas pela experiência que faremos, caminhando juntos. “O Sínodo de 2023 e 2024 não é para produzir documentos, mas para suscitar sonhos…”, diz o Papa Francisco. Numa Igreja sinodal o estilo é já evangelização e a comunhão, como dizia já a Novo Millennio Ineunte, o “princípio educativo” das comunidades cristãs. Nesta escola, a vida da Igreja será mais participada por todos, menos clerical e mais capaz de compreender e dialogar com as novas culturas.
c) A terceira prioridade serão os jovens e a Jornada Mundial da Juventude. Ela será uma oportunidade para um exercício prático do diálogo entre a Igreja e a sociedade civil. A Jornada Mundial da Juventude é de todos, é de um país que vai acolher a maior manifestação mundial de juventude depois do início da COVID 19. Teremos jovens de todo o mundo em casa. Nenhum jovem açoriano deverá ficar de fora a ver passar os aviões ou os navios e não falo apenas dos ligados às paróquias ou Movimentos. Todos têm lugar e voz! A tudo o que tenha a ver com Jovens ou Jornada Mundial da Juventude, darei prioridade na minha agenda deste ano. Gostaria de participar da vossa agenda e caminhar convosco, caríssimos jovens. Solicito aos padres, religiosos, animadores, dirigentes do CNE e outros Movimentos juvenis que tudo façam para se prepararem com os jovens e caminharem juntos até Lisboa. Que regresseis depois e nos ajudeis a construir um futuro convosco. Que esta seja uma prioridade evangelizadora, pois não há renovação na Igreja nem na sociedade, sem o protagonismo dos jovens. Nunca digamos que eles não sabem ou não querem… caminhemos com eles!
5. Finalmente, convido todos a fazer seu o sonho do Papa Francisco para a Igreja. Começaremos em breve a preparar a celebração dos 500 anos da nossa Diocese. Que Igreja queremos daqui a 10 anos? O Papa sonha uma Igreja Povo de Deus a caminho, missionária porque toda ela em saída, que não se desgaste a falar para dentro, a preocupar-se apenas e sempre com os mesmos, mas fale para fora, até aos afastados e descrentes, e diga apenas o Evangelho. Sonhemos juntos para esta nossa diocese a Igreja da Esperança, capaz de galvanizar a todos, descentrada de si própria, em cada grupo formal ou informal, confraria, associação, movimento ou outro. A Igreja nas suas expressões, não existe para si própria. Se a Igreja é a nossa casa, o irmão é a nossa vocação e missão.
Escolhi como meu Lema episcopal: “Eis a tua mãe”! O Cordeiro de Deus de que falámos, na cruz, torna-se o único Bom Pastor e modelo para todos os pastores, porque dá ensina a dar a vida pelos seus, até ao fim. Ao lado da cruz, Jesus vê João com Maria e diz-lhe: “Eis a tua Mãe”. João, apóstolo e bispo, representa, com Maria, todo o povo novo nascido da Páscoa de Jesus: hierarquia e carisma! Numa Igreja Povo de Deus, sinodalidade e ministério episcopal pertencem igualmente à natureza da Igreja. Caríssimos padres, é com este modelo de Pastor e com a capacidade geradora desta Mãe – que é Maria e é a Igreja – que gostaria de construir convosco um presbitério unido, criativo e capaz de gerar vida e atrair vidas renovadas. Um presbitério de homens de esperança e não acomodados e menos ainda desanimados. Os irmãos, ao serviço de quem Deus nos coloca, precisam que sejamos os primeiros a viver por amor e a servir por amor cada mulher e homem. Que sejamos os primeiros a testemunhar, por experiência feita, que o nosso Deus é um Deus de Amor e não deixa ninguém de fora. É fácil ensinar mais difícil viver o que se ensina. Peçamos à Mãe do Céu que, com a sua proteção materna, a nossa igreja diocesana seja uma mãe para todos.
Tenho consciência que Ser bispo é missão bem maior que as minhas capacidades. Por isso, confio-me e confio a Diocese a Nossa Senhora, Mãe e Rainha dos Açores, à proteção dos padroeiros São Salvador do Mundo, ao Beato João Batista Machado e à vossa oração.
Termino: Quando, do outro lado do mar, ainda no Porto, falava dos Açores, comecei a dizer, como piada: É já ali do outro lado da rua, desta rua de água. Agora, que já aqui estou, no outro lado da rua, confesso-me mais completo! Este “outro lado da rua” sois vós e sou já eu! Sair de um lugar ou de nós próprios é sempre ficar mais rico!
Missa da Entrada Solene do 40º Bispo de Angra, D. Armando Esteves Domingues
Angra do Heroísmo, 15 de janeiro de 2023