Homilia de D. Zacarias Kamwenho na Peregrinação Internacional dos Migrantes, em Fátima

«Maria, Mãe do Bom Conselho, rogai por nós» Disse Deus pela boca do Profeta Jeremias: “Bem conheço os desígnios que tenho à cerca de vós… são desígnios de prosperidade e não de calamidade. Quero garantir-vos um futuro e uma esperança. “ (Jer 29,11) 1 – O tema chave que norteia a nossa reflexão nesta Peregrinação Internacional é o tema da Esperança. A mensagem do Santo Padre para este dia a isto nos conduz bem como a Palavra de Deus que acabámos de escutar, e que o Profeta Jeremias sintetizaria no versículo acima citado: Deus quer garantir-nos um futuro e uma Esperança. Sob o olhar de Maria que há noventa anos aqui apareceu a dar-nos o concelho do regresso à vida cristã, fica-nos bem, no início da nossa meditação repetir do mais fundo dos nossos corações: “Mãe do Bom Conselho, rogai por nós”. Pois bem, Mãe, a Ti confiamos a nossa Peregrinação e as nossas vidas. Ajuda-nos mais uma vez com o Teu conselho a entender que a Emigração não é um facto rotineiro muitas vezes convertido em pesadelo para os homens e mulheres do nosso tempo mas sim, uma oportunidade oferecida a quem busca trabalho e melhorar a sua vida num país que não é o seu, como é também uma oportunidade para o país que acolhe o emigrante ou o refugiado, de repartir os benefícios da sua terra-Mãe, com estes seus irmãos. E perdoa-nos, Mãe pelas vezes que, levados pela rotina e pelos maus conselhos do mundo ou pelo pai da mentira, Satanás, (cf. Jo 8,44), não seguimos o conselho que nos deixaste a quando das Bodas de Caná: “de fazermos tudo o que o Teu Filho nos dissesse”. (cf. Jo 2,5) Por isso mais uma vez Te dizemos: “Mãe do Bom Conselho, roga por nós”. 2 – Os Bispos portugueses ao escolher este tema de Maria, Mãe do Bom Conselho, para a Peregrinação de 2008, ano em que neste Santuário a reflexão geral é sobre o 8º Mandamento da Lei de Deus, diria que quiseram apontar esta particularidade da Mãe do Grande Conselheiro: Ela, que, no Antigo Testamento pertenceu “àquele resto de Israel, que vivendo na esperança da Promessa, não disse mentiras, nem se encontrou em Sua boca língua dolosa”. (cf. Sof 3,13) Ela que no Novo Testamento é a protótipo do discípulo “que guarda em Seu coração as palavras e as lembranças de Seu Filho.” (cf. Lc 2,51) Ela que se deixou conduzir pelo espírito do conselho e “aderiu intimamente ao desígnio Divino de renovar todas as coisas em Cristo”. (Liturgia) Sim! A todos nós aqui reunidos pede-nos Deus o mesmo comportamento como Maria, isto é, viver na verdade ainda que para isso tenhamos de guardar segredos para não trair a confiança do Amigo seja Ele Deus, seja Ele a Igreja, ou o nosso próximo. 3 – De 2 a 5 de Junho deste ano, em Nairobi (Quénia), sob os auspícios do Conselho Pontifício para a Mobilidade Humana, celebrámos o nosso primeiro Congresso de Pastoral para os Migrantes que inclui os refugiados, os prófugos, os deslocados e os exilados. A mensagem do Congresso, conquanto se dirija à Igreja e responsáveis Africanos toca, no entanto, os pontos sensíveis que afectam toda a Migração. Assim, pede aos dirigentes políticos e aos agentes económicos, nacionais e internacionais, maior atenção para o bem comum, e que a noção da justiça social não seja letra morta já que o Homem, como tal, é o primeiro património da humanidade. Mais: que as políticas migratórias desburocratizadas, levem a uma cultura de participação, eu diria, de colaboração, como diz o Profeta Jeremias aos exilados de Israel: “Toma a peito o bem do país (que te acolhe) e roga por ele ao Senhor, porque só terás a lucrar com a sua prosperidade.” (cf. Jer 29,7) A mensagem recordou ainda que nesta caminhada para a cidadania global necessitamos de pôr em pratica a convivência pacifica, ou seja, o saber viver na diversidade de culturas e de religiões e que isto implica uma pedagogia comum e recíproca que começa na família e, permeada pela escola, chegue àquela maturidade que considera toda a Migração como uma dádiva. 4 – A Palavra de Deus que acabámos de escutar nesta celebração ajuda-nos a entender e a viver quanto dissemos. Servindo-nos da Encíclica do Santo Padre sobre a Esperança (Spe Salvi) entendemos qual é o conteúdo da Esperança Cristã e porque esta nos salva. Na primeira leitura escutámos o Profeta Isaías a dizer que “O Menino que nos foi dado tem o poder sobre os Seus ombros e foi-lhe dado o nome de Conselheiro Admirável. (Is 9,5) Aqui está pois, o conteúdo da nossa Esperança. O Papa Bento XVI na Encíclica citada ajuda-nos a compreender isto quando diz: “A Redenção é-nos oferecida no sentido em que nos foi dada a Esperança, uma Esperança fidedigna, graças à qual podemos enfrentar o nosso tempo: o presente ainda que custoso (Ss 1) e o futuro que a Fé atrai para dentro do presente.” (Ss7) E assim sendo, quando no Credo dizemos que com a ressurreição final também esperamos “a vida do mundo que há-de vir”, estamos a dizer que este futuro compromete já a nossa vida hoje. Por isso diz a Epístola aos Hebreus: “Corramos com perseverança para o certame que nos é proposto com os olhos fixos n’Aquele que é o autor e consumador da nossa Fé, Jesus que suportou a Cruz e está sentado à direita do Trono de Deus. ” (Heb 12, 1-2) Na minha vida de Pastor notei que muitos jovens acreditam em Deus é certo, mas de Jesus Cristo têm apenas a ideia de Alguém que passou fazendo o bem, portanto sem exigências para os seus amigos ou seguidores. Na Mensagem que o Santo Padre escreveu para preparar a XXIII JMJ de Sidney a dada altura diz: “Recordai-vos, jovens, que a presença do Espírito Santo em nós atesta, constitui e constrói a nossa pessoa na Própria Pessoa de Jesus crucificado e ressuscitado.” (5) Cristo morto e ressuscitado é o conteúdo da Esperança cristã. Esta verdade assumida modificou a vida do jovem Paulo de Tarso e ao longo da história da Igreja encontramos muitos outros jovens, rapazes e raparigas, que se deixaram transformar pela vida e obra de Jesus de Nazaré. Cristo morto e ressuscitado é Ele que foi anunciado pelos Profetas, é Ele que segundo os Evangelhos “vos precede na Galileia e lá o vereis.” (Mt 28,7) Ele é no final, O esperado que também nos espera, por isso, o Seu Evangelho não é uma simples informação, mas sim a semente da transformação, recorda o Papa na Spe Salvi. Não é isto o que nos disse o Apóstolo Tiago, na 2ª leitura de hoje? ( cf. Tg 1,26-27) “Se alguém pensa que é religioso, mas não refreia a sua língua… saiba que a sua religião é vã.” A religião verdadeira, diríamos no nosso contesto da Peregrinação Internacional das Migrações, é estarmos atentos aos fenómenos que provocam as migrações, como sejam as alterações climáticas do planeta, a pobreza, a intolerância politica, ou, como diz o Papa na sua mensagem para este dia, estarmos atentos “ao processo da globalização em curso no mundo, que traz consigo uma exigência de mobilidade que estimula também numerosos jovens a emigrar e a viver longe de suas famílias e dos seus países.” Todos conhecemos as consequências de tais situações, a maior das quais é a chamada “dificuldade da dupla pertença” que, não encontrando apoio nas próprias comunidades e por vezes nas Instituições Sociais, esvaziam os jovens dos seus valores mais sagrados. Conclusão O Evangelho de Marcos que nos foi proclamado põem-nos frente a frente com a eterna pergunta sobre Jesus Cristo. ”Quem dizem os homens que Eu sou?… E vós, que dizeis?” (Mc 8,29) Naquele dia da confissão de Pedro em Cesareia de Filipe os discípulos foram proibidos de dizer a quem quer que fosse a sua descoberta sobre Jesus, como o Messias esperado. É que para se chegar a este ponto era necessário ter feito um caminho de Fé, que muitos dos homens do tempo de Jesus recusavam sistematicamente aceitar. Hoje a nós que vivemos no tempo-novo, somos obrigados a proclamar que Jesus é o Messias prometido e que Deus O constituiu Senhor e Cristo, este Jesus que por nós foi crucificado. (cf. Act 2,36) O Santo Padre na mensagem deste dia chama aos jovens protagonistas da esperança, para que ao se lançarem através do mundo em conquista de novas esperanças procurem viver de tal modo, que, com as suas vidas possam dizer como São Paulo: “Vivo na Fé do Filho de Deus que me amou e Se entregou a Si mesmo por mim.” (Gal 2,20) Para todo o cristão, hoje de modo particular o cristão migrante, é também isto que se lhe pede: viver na Verdade, como nos sugere o lema do Santuário para este ano. A Maria, Estrela da Esperança, como lhe chamou o Papa, dizemos confiantes: Preparada a mesa da Eucaristia, Maria, Mãe do Bom Conselho, sabemos que virás, como outrora nas Bodas de Caná, que também estarás, quando o Teu Filho Se entregar a nós no Pão da Vida, esta Carne e este Sangue que Tu lhe deste por virtude do Espírito Santo. Maria, vem connosco pelos caminhos do mundo; não Te canses de aconselhar-nos, hoje, aqui e em toda a parte onde nos encontremos. Fátima, 13 de Agosto de 2008 + Zacarias Kamwenho, Arcebispo do Lubango e Presidente da Comissão Episcopal das Migrações angolana

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Agência ECCLESIA

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