1.“Todas as minhas recordações são ação de graças”, dizia Santo Agostinho. Ao celebrar os vinte e cinco anos de ministério episcopal invadem-me também sentimentos de louvor e ação de graças. A vocação ao episcopado é um dom de Deus antes de mais para quem é chamado e, através do seu ministério, para todo o Seu povo. Quando Deus chama, através da igreja, não podemos deixar de responder como como tantos vocacionados: “Eis o servo do Senhor faça-se em mim segundo a vossa vontade”.
Na verdade, a fé dá-nos a certeza de que Deus quando nos envia também nos assiste com a força do Espírito Santo e nos rodeia de cooperadores zelosos. É Deus quem abre a porta da fé, afirma o livro dos Atos e ouvimos também na primeira leitura: “Aquele que tem compaixão deles também os guiará e conduzirá às nascentes da água”. Nós bispos, somos apenas mediadores da graça, apoiados pela oração do povo de Deus que nos está confiado e pelos carismas que o Espírito Santo concede a todos os fiéis e os capacita para a participação ativa na mesma missão, na diversidade e complementaridade de vocações e responsabilidades. Por isso, é em comunhão com todo o povo de Deus e em atitude de humildade e de reconhecimento que celebro as bodas de prata episcopais como vinte e cinco anos da graça do Senhor. “Bendito seja Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, que do alto dos céus nos abençoou com toda a espécie de bênçãos espirituais em Cristo” Ef 1, 3).
Dou também graças a Deus pela presença fraterna de tantos amigos e irmãos na fé e a todos saúdo cordialmente. Ao Senhor Núncio Apostólico a quem manifesto sentimentos de comunhão com o novo Papa que Deus mesmo agora nos enviou, o Papa Francisco, a continuar o admirável Pontificado de Bento XVI; aos senhores arcebispos e bispos, irmãos do mesmo colégio episcopal onde sempre encontrei compreensão, paciência e fraternidade. Aos presbíteros pelo zelo e colaboração na mesma missão apostólica, pela estima e amizade. Aos diáconos; aos religiosos (as); aos seminaristas; aos leigos; a tantos colaboradores em quem tenho encontrado e admirado a entrega generosa e confiante ao serviço do evangelho. Como um corpo unido e bem articulado crescemos com a participação ativa de todos os membros, aprendemos uns com os outros, apoiamo-nos na fé, na esperança e na caridade. Dou graças ao Senhor por tantos dons e peço perdão pelos impedimentos que posso ter colocado à Sua vontade. Recordo também nesta celebração de louvor e ação de graças todos os que contribuíram para o meu crescimento como pessoa, como filho de Deus e como ministro ordenado para serviço do Senhor: Os familiares presentes e aqueles que já estão na mão de Deus; os mestres que encontrei ao longo da vida e de quem muito recebi; o povo de Deus que tenho servido e que tanto me tem enriquecido com o testemunho de fé, de esperança e de serviço; a alegria e a oração dos católicos da diocese a propósito desta data; e a dedicação entusiasta dos organizadores e colaboradores desta festa.
2. “O Senhor enviou-me a anunciar a Boa Nova aos pobres”. À luz da experiência vivida adquire um significado ainda mais luminoso o lema que escolhi há vinte e cinco anos: “ O Espírito do Senhor está sobre mim. Porque me ungiu para anunciar a Boa-Nova aos pobres; enviou-me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação da vista; a mandar em liberdade os oprimidos, a proclamar um ano favorável da parte do Senhor” (Lc 4, 18-19). Estes vinte e cinco de ministério episcopal aprofundaram esta convicção.
“Evangelizar é levar a boa nova a toda a humanidade e, pelo seu influxo, transformá-la a partir de dentro e tornar nova a humanidade” (EN 18). Anunciar o evangelho por palavras, por obras e por sinais, é iluminar quem vive nas trevas, libertar quem está oprimido, curar os feridos e proclamar o poder do amor de Deus que salva os que n’Ele creem (cf Rm 1,16). “Eu te designei para dizer aos prisioneiros: “Saí para fora” e àqueles que vivem nas trevas: “Vinde para a luz” dizia a 1ª leitura que ouvimos. A evangelização tem, verdadeiramente, uma força libertadora e regeneradora das pessoas e das sociedades. Não é apenas religiosa mas também humana e social. Por isso, continuar a missão dos apóstolos, não é só guardar e repetir o tesouro da fé, não é apenas decretar normas, governar e administrar o património espiritual, cultural e humano. Mas, em tudo e como perspetiva permanente, apresentar a mensagem cristã como uma boa nova atual que ilumina as questões profundas do ser humano, transforma a vida dos crentes e leva à missão de construir um mundo melhor de justiça, paz, liberdade e fraternidade. Não é só atender quem nos procura mas percorrer os caminhos do mundo para ir ao encontro de todas as pessoas, chamar os afastados e tornar-se próximo dos caídos à beira do caminho. É adotar a atitude do bom samaritano como Paulo VI resumiu o estilo da igreja do Concílio.
“ O Espírito do Senhor está sobre mim. Ele me ungiu”. A eficácia da evangelização não depende principalmente das nossas forças e capacidades mas da unção do Espírito Santo que nos comunica a força espiritual, a alegria e a consolação que revigora e embeleza o anúncio do evangelho. “O arranque da evangelização, lembra a Evangelii Nuntiandi, sucedeu na manhã do Pentecostes sob a inspiração do Espírito Santo. É o Espírito Santo quem impele para anunciar o evangelho como é ele que, no mais íntimo dos corações, leva a aceitar a Palavra de salvação” (EN 75). O Espírito age em nós e através de nós. Serve-se da nossa mediação como seus instrumentos se, primeiramente, agir em nós. O evangelizador é, antes de mais, um discípulo que se abre-se à ação do Espírito e se deixa conduzir por Ele para poder guiar pelo caminho que ele próprio segue. A vida espiritual, a experiência pessoal de encontro com Cristo, é a verdadeira fonte do dinamismo evangelizador. Por isso, os apóstolos consideram como a prioridade do seu ministério a entrega assídua à oração e o serviço da Palavra (Cf Act 6,4). A procura de caminhos novos de evangelização não avança sem a abertura revitalizadora à ação do Espírito e à configuração com Cristo.
3.”A cada um é dada a manifestação do Espírito para proveito comum (1 Cor 12, 7). Para o crescimento e renovação da igreja e para a evangelização do mundo, o Espírito Santo distribui diversos dons pelos fiéis de todas as condições. Não é apenas o ministério ordenado que constrói e renova a igreja e transmite a fé mas a comunidade cristã na riqueza variada dos carimas de todos os fiéis.
Encontramos já uma base de partida. Na verdade, nas nossas comunidades existe sempre um núcleo de fiéis dedicados ao serviço voluntário da igreja de forma generosa e zelosa. Mas é necessário alargar o âmbito da sua participação a outras atividades pastorais não sacramentais que tradicionalmente estão restritas ao clero. A diminuição de presbíteros é um sinal dos tempos a urgir ainda mais a passagem da igreja clerical à igreja povo de Deus. Os cinquenta anos do Concílio constituem outro apelo para pôr em dia a comunhão e a participação de todos os fiéis na missão da igreja. Formar leigos qualificados, atribuir-lhes responsabilidades e reconhecer o seu estatuto é um caminho para a nova evangelização. Não são pessoas singulares que salvam o mundo mas Jesus Cristo presente na Sua igreja, barca da salvação onde todos navegamos.
4. “Queira Deus consumar o bem que em ti começou” (Pontifical da ordenação). O exercício do ministério ordenado, especialmente do episcopal, é um percurso que progride, com esforço e luta, ao longo de toda a vida, para a plenitude. É um caminho “sempre novo e vivo”, em que o Espírito Santo nos guia e Cristo caminha connosco. Por isso, recomeçamos todos os dias com entusiasmo, sem direito a cansar-nos de semear apesar da escassez de frutos, dos contratempos, das incompreensões, das desilusões. É como o caminho dos crentes, narrado na carta aos Hebreus (Heb 11, 10. 14-16) que se orienta para a cidade construída sobre alicerces sólidos cujo arquiteto é Deus. Para a plenitude da eternidade saboreada já aqui na existência iluminada pela fé, que gera a alegria de dar e de se dar e abre a porta da salvação a todos os que procuram a luz de Deus. É a alegria cantada por Nossa Senhora e Padroeira no Magnificat: a alegria de confiar em Deus e se entregar ao Seu serviço. “In te Domine speravi non confundar in aeternum” (Em Vós espero Senhor não serei confundido eternamente).
Santarém, 13 de março de 2013
D. Manuel Pelino Domingues, bispo de Santarém