Homilia de D. José Alves na Solenidade de Todos os Santos

Dia da Universidade

A Igreja venera os santos e celebra as suas festas, antes de mais, para proclamar a grandeza das obras de Deus, manifestada de modo singular na vida de homens e mulheres que, assistidos pela graça e enriquecidos pelos multiformes dons do Espírito Santo, praticaram de modo heróico as virtudes teologais e cardeais. Além disso, os santos são propostos à multidão dos fiéis como exemplos de vida e como intercessores junto de Deus. Ao propor os santos como exemplos de vida, a Igreja está a insinuar-nos que o caminho da santidade, sendo embora uma via de exigência, não é vedado a ninguém, pois todos somos chamados à santidade, isto é, à perfeição de vida.

O chamamento universal à santidade, expresso muitas vezes e de múltiplas formas na Revelação e desenvolvido na doutrina conciliar do Vaticano II, está clara e simbolicamente afirmado na leitura do Apocalipse que ouvimos, há pouco, e nos fala de uma multidão incontável proveniente de todas as nações, tribos, povos e línguas, que rodeava o trono de Deus e, prostrada em adoração, O proclamava como o único digno de louvor, glória, sabedoria, acção de graças, honra, poder e força.

Fazendo apelo à experiência, facilmente concluiremos que o chamamento universal à santidade não é compreendido ou não é aceite por uma percentagem significativa da população. Certamente porque, quem reage assim se baseia em ideias erradas sobre a santidade e sobre o chamamento de Deus.

Ora, a santidade dos seres humanos, enquanto peregrinam por este mundo, não se identifica com religiosidade ou pietismo, nem corresponde a qualquer tipo de angelismo ou alienação. Não se refere a um estado adquirido e imutável. Em vida não há santos confirmados em graça. É antes um processo de transformação interior, coadjuvado pela graça de Deus, que torna possível o desenvolvimento das potencialidades individuais, segundo o protótipo da humanidade, enunciado nos alvores da criação e definido claramente pelos ensinamentos e pelo exemplo de Jesus Cristo.

No princípio, diz o livro do Génesis, Deus criou o homem e a mulher e criou-os à sua imagem e semelhança, isto é, dotou-os de conhecimento, de poder para transformar a realidade criada, de capacidade para gerar vida e, acima de tudo, fê-los participantes do Seu amor infinito. Ele que é AMOR deu aos seres humanos a capacidade de amar. De acordo com esta visão, a santidade consiste em usar as capacidades humanas de acordo com o plano de Deus, que disse crescei, multiplicai-vos e dominai a terra.

O significado do chamamento universal à santidade torna-se mais explícito e compreensível quando nos fixamos na pessoa de Jesus Cristo, na sua mensagem e no seu exemplo. Foi Ele que disse: Sede santos e sede perfeitos como o vosso Pai do Céu, que manda a chuva e o sol tanto para os bons como para os maus. E, logo de seguida, apresenta-se a si próprio como modelo. Como Eu fiz, fazei vós também. E, resumindo conclui: amai-vos como Eu vos amei. Nestas palavras de Jesus está contido o programa que deve seguir todo aquele que, fiel ao apelo de Deus, se dispõe a trilhar o caminho da perfeição. Os contornos desse programa estão delineados na passagem do Evangelho de S. Mateus, que foi proclamada e é considerada como o código da perfeição, proposto para todos sem excepção. Se alguém fosse capaz de o cumprir poderia ser considerado santo, perfeito. Aqueles que, embora o não cumpram totalmente, se esforçam sinceramente por pô-lo em prática, são os que sentiram o apelo à santidade e prosseguem o caminho da perfeição. Em síntese, esse código propõe um estilo de vida orientado pelo desprendimento dos bens terrenos, pela emenda dos erros cometidos, pela aceitação plena do que em verdade se é, pela prática da justiça, pelo perdão das ofensas recebidas, pelo compromisso com a paz interior e a paz social e pela aceitação serena das incompreensões e perseguições injustas por causa da paz ou da Boa Nova do Evangelho.

A transformação interior, no dizer do Apóstolo S. João, é também um caminho de purificação das próprias intenções, à luz da esperança, que nos projecta para lá dos estreitos limites do tempo a que todos estamos sujeitos e nos abre clareiras de um mundo novo, que somos chamados a construir, pela transformação das realidades sociais, depois de nos termos transformado a nós próprios. É neste contexto que se enquadra a Universidade. Também ela faz parte do chamamento universal à perfeição.

A Universidade, como a própria palavra sugere, é também uma instituição com carácter universal: por definição, está interessada em todo o tipo de conhecimento que possa contribuir para o aperfeiçoamento da humanidade e está ao serviço de toda a humanidade. Tem a missão de transmitir os conhecimentos acumulados pela humanidade ao longo dos tempos e tem obrigação de proporcionar a aquisição de novos conhecimentos, através da investigação. Deve manter-se aberta a todos quantos possuam condições para aceder aos conhecimentos e à formação humana, científica, moral e espiritual que ela pode proporcionar, em ordem a promover a transformação dos indivíduos e da sociedade, pelo triunfo da justiça, da verdade e da paz.

Assim como os santos são apresentados pela Igreja aos fiéis como modelos que souberam percorrer o caminho da perfeição, também os mestres e professores da Universidade são chamados a alcançar um tal grau de excelência no saber e de perfeição técnica, intelectual, humana e moral no modo de actuar e de viver que os discípulos se sintam estimulados a tomá-los como modelo. Pois, se é verdade que uma imagem vale mais do que mil palavras, também é verdade que a aprendizagem é mais fácil e mais consistente quando é feita a partir de um bom modelo.

Se a nossa sociedade evolui tão lentamente e, por vezes, até parece regredir é porque faltam bons modelos que incentivem as boas práticas em todos os domínios da vida em sociedade. Nestes tempos de crise económica e crise de valores, os nossos olhos voltam-se para a Universidade. Dela, enquanto instituição de ensino superior, sustentada pelo erário público, esperamos que prepare cientistas curiosos, verdadeiros e rigorosos, profissionais competentes, cidadãos responsáveis, homens íntegros e promotores dos valores humanos, morais e espirituais. Se assim for, ao celebrarmos a solenidade de todos os santos, estaremos a celebrar todos aqueles e aquelas que, formados na universidade, souberam colocar as suas vidas ao serviço da humanidade e contribuíram para a transformação da nossa sociedade, numa sociedade mais humana, à luz do modelo primitivo que o próprio Deus nos propôs desde o início e colocou ao alcance da nossa compreensão em Jesus Cristo. 

Évora, 1 de Novembro de 2009
+José, Arcebispo de Évora

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