O Reitor Maior da Sociedade Salesiana teve a feliz ideia de preparar o bicentenário do nascimento do seu Fundador com uma longa peregrinação das relíquias de S. João Bosco pelos cento e trinta países e por todas as comunidades religiosas disseminadas pelo mundo inteiro. Hoje é a nossa vez de as acolher e venerar na igreja mãe da Arquidiocese, em comunhão com toda a família salesiana espalhada pelos quatro cantos do mundo e de Portugal.
Estou certo que esta louvável iniciativa será uma excelente ocasião para evocar a vida e a obra de S. João Bosco, esse gigante do século XIX, iluminado por Deus a tal ponto que “nele o sobrenatural se tornou natural”, segundo a feliz expressão de Pio XI que o canonizou em 1934. A sua luz espiritual continua a brilhar na igreja e no mundo e o carisma fundacional que legou à Igreja, através das obras por ele fundadas, tem resistido às vicissitudes do tempo e merece ser conhecido, aprofundado e posto em prática. A passagem das relíquias certamente abrirá caminho para que todos os beneficiários da obra salesiana, conheçam melhor o seu fundador, aprofundem o seu carisma original de forma a que possam adaptar, sem atraiçoar, as suas maravilhosas intuições pastorais e pedagógicas à mentalidade e à cultura dos nossos dias.
Seis anos após a morte de S. João Bosco a obra salesiana entrou em Portugal, por Braga, no Colégio dos Órfãos. A Évora chegou em 1926, por intermédio de D. Manuel Mendes da Conceição Santos, o grande apóstolo e reorganizador da Arquidiocese, que, nesses tempos difíceis, recorreu à colaboração das congregações religiosas masculinas e femininas para implementar a urgente obra de reevangelização para a qual os poucos sacerdotes ao serviço da Arquidiocese se sentiam incapazes.
Em Évora, onde sempre foi e continua a ser muito admirada, a “escola dos padres” que posteriormente viria a designar-se Externato Oratório de S. José, constitui a primeira semente lançada nesta terra alentejana, na qual viria a produzir outros bons e abundantes frutos juntamente com a comunidade das Irmãs que estiveram à frente da secção feminina da Casa Pia, donde inexplicavelmente foram afastadas, alguns anos atrás. Mais tarde a presença salesiana alargou-se a Vendas Novas, onde foram fundados dois colégios, um masculino e outro feminino. Fechado o colégio masculino nos anos 70, persiste o Colégio Laura Vicuña, orientado pelas Irmãs e que necessita de um novo alento, que esperamos lhe seja concedido por intercessão de S. João Bosco. Entretanto, os sacerdotes asseguram a paroquialidade das paróquias urbanas e rurais.
Durante os oitenta e seis anos em que a Arquidiocese de Évora tem usufruido da ação benfazeja dos Padres e das Irmãs Salesianas, muitos milhares de crianças e de jovens passaram pelas suas casas, onde puderam experimentar a consistência pedagógica dos discípulos de S. João Bosco, criador do método preventivo, iluminado pelos valores humanos e cristãos que sempre nortearam a sua vida, desde a infância no ambiente familiar até à maturidade de pastor, alcançada através de privações, sacrifícios e trabalho persistente que lhe permitiram estudar e preparar-se para a missão que Deus lhe viria a confiar.
A constância e a confiança em Deus acompanharam S. João Bosco, ao longo de toda a sua vida e muito contribuíram para potenciar as excelentes qualidades físicas, intelectuais e espirituais de que estava ornado e, generosamente, colocou ao serviço da juventude com paixão e com fé. Como S. Paulo, foi um cultivador da alegria e sentia-se atraído por tudo o que é verdadeiro e nobre, justo e puro, amável e de boa reputação, virtuoso e digno de louvor, por considerar que é mais importante promover os aspetos positivos da vida do que reprovar o que é negativo. Por isso, a sua vida e os seus métodos pedagógicos foram sempre enformados pelos valores do Evangelho. Daí o sucesso alcançado em todos os lugares, épocas e culturas.
Da mesma forma, pela falta de valores, se pode explicar o insucesso. Alargando o olhar para o panorama educativo do nosso país, a braços com o insucesso escolar, facilmente nos daremos conta da carência de valores que aí reina quando se advoga uma educação neutra, quando se confunde liberdade com permissividade, quando se nega o valor da autoridade, quando os educadores recusam apresentar-se como modelos, quando se louva, e bem, a abolição do “livro único”, mas se pretende impor a todos um modelo único de educação. Será caso para perguntar: onde estão os direitos e garantias dos cidadãos, onde está o direito de os pais escolherem o modelo de educação para os seus filhos? Não se pode ignorar que o direito dos pais é anterior ao do Estado e o direito de aprender precede o direito e o dever de ensinar.
Em Portugal, apesar de os dados objetivos lhe serem notoriamente favoráveis, o ensino particular e cooperativo continua a ser tolerado mas não é visto como alternativa ao ensino oficial nem como meio para proporcionar aos pais a liberdade de escolha na educação dos filhos. Ora, enquanto não houver liberdade de aprendizagem e de ensino não se pode falar de uma verdadeira democracia.
Perante as relíquias do grande educador S. João Bosco e no contexto da comemoração do bicentenário do seu nascimento, é, sem dúvida, uma boa ocasião para nos debruçarmos sobre o momentoso problema da educação das novas gerações. Os cristãos comprometidos com a fé não se podem omitir perante problema tão importante e situação tão grave como a que estamos a atravessar no nosso país.
S. João Bosco, educador excelente, nos ajude a compreender as palavras condenatórias de Jesus para os que escandalizam as crianças e nos torne obreiros de uma educação harmoniosa que forme homens livres e cristãos comprometidos com Cristo. E Maria Auxiliadora inspire os educadores de hoje como inspirou S. João Bosco, proteja a obra salesiana e nos conduza a todos pelo caminho da verdade, da paz e do amor para que o mundo se renove, segundo o modelo que Jesus Cristo nos continua a propor com a Sua mensagem evangélica.
Sé de Évora, 17.09.2012
D. José Alves, arcebispo de Évora